Ingrid Oliveira, atleta dos saltos ornamentais, faz sexo - e sua mãe também
As Olimpíadas do Rio finalmente chegaram. Chegou a primeira medalha no tiro esportivo, o primeiro ouro com a judoca Rafaela Silva e o Brasil segue com boas chances de pódio em diversas modalidade. Vamos falar sobre elas? Vamos falar sobre esporte, sobre histórias de superação, sobre espírito olímpico? Não, não vamos. É triste, mas precisamos desviar os olhos do desempenho dos atletas para falar do óbvio: Ingrid Oliveira, a brasileira do salto ornamental, faz sexo.
A atleta teria pedido a sua parceira de quarto e de equipe para deixá-la a sós com outro atleta. Foi o que bastou para a saltadora virar manchete e perder a parceira de modalidade. O mundo a acusou de botar os instintos antes do esporte. Ela, que já tinha virado notícia meses atrás quando os internautas consideraram que sua bunda era ornamental. Mais uma vez, a modalidade à qual ela se dedica virou coadjuvante.
O que estamos dizendo sobre nós quando transformamos a transa de uma mulher em notícia? Acaso acreditamos termos sido trazidos na trouxa de uma cegonha? Encontrados dentro de um repolho? Ou será que a gente acha que, como um Jesus, nascemos filhos de mãe virgem? Vou estragar a festa dessa gente: para cada pessoa que está viva hoje, outras duas fizeram sexo. Metade era mulher, e se você está vivo para ler esse texto, sinto informar, mas isso inclui a sua mãe.
E o que dizer da imprensa, que compra o machismo nosso de cada dia e converte o sexo consensual entre dois adultos em notícia? Passar pito não parece resolver, porque as críticas ao machismo na cobertura das Olimpíadas têm sido incessantes, mas nem por isso diminuíram as gafes ofensivas de uma mídia esportiva amplamente dominada por homens, sempre eles.
Mas aqui o caso é mais grave. Além de machista, o debate sobre quem está ou deixa de estar na cama da brasileira invade sua privacidade. Nem a nossa imprensa marcadamente masculina, nem eu, nem você temos qualquer coisa a ver com quem Ingrid transa ou deixa de transar. Corpo da Ingrid, regras da Ingrid. Quem trata assunto de foro íntimo como questão pública, além de fazer papelão, faz fofoca.
Que as mulheres estão dando um baile na Rio 2016 já é fato - é Marta, é Rafaela, é Simone Biles -, mas parece que a gente ainda tem muito o que ensinar em termos de cobertura esportiva. E tudo bem, a gente ensina. Mas no que diz respeito a matérias sobre a vida pessoal dos atletas, a aula é curta: simplesmente não façam, rapazes.
*Letícia Bahia é Diretora de Relações Institucionais da Associação AzMina de Jornalismo Investigativo, Cultura e Empoderamento Feminino (Facebook.com/azmina), coautora do livro "Você é já Feminista", psicóloga e autora do blog "Reflexões de uma Lagarta".