E mulheres falando de musos das Olimpíadas, pode?
Do lutador de taekwondo de corpo besuntado de Tonga, Pita Taukatofua, passando pela seleção australiana de barbas ruivas e o sorriso matador de Shani Davis, do time de patinação dos EUA, as mulheres - até as mais feministas - foram à polvorosa nas redes sociais na noite de sexta-feira (05). Era muita beleza e muita diversidade nesta abertura da Rio-2016! Mas, se por um lado afirmar que mulheres também têm desejos é um gesto de libertação contra padrões machistas, por outro, não seria uma contradição com a oposição à objetificação sexual das atletas mulheres?
"Pode falar de beleza sim", afirma Camila de Lira, criadora de um dos Tumblrs mais quentes da internet no momento para mulheres heterossexuais, o musosdasolimpiadas.tumblr.com. "Não é preciso objetificar para elogiar a beleza de alguém. Nas fotos que seleciono no Tumblr, por exemplo, eles aparecem praticando esportes, alguns, modelando. Mas nunca ponho mais atenção no corpo deles do que no que eles fazem no esporte."
Apesar do Tumblr ter surgido como uma ironia contra a cultura das musas, nas Olimpíadas de Londres de 2012, hoje ele se transformou em uma ode à beleza masculina. Para a criadora da página, mesmo os homens podem falar da beleza das atletas mulheres contanto que nunca se esqueçam de levar em conta, antes que tudo, que elas são profissionais olímpicas e não objetos decorativos.
"O problema é que nas matérias sobre esportes femininos, pelo menos até muito pouco tempo atrás, a beleza da mulher era uma das coisas que se reparava primeiro. Como se ela fosse antes musa e depois atleta, isso que é o nocivo", atesta.
Stephanie Ribeiro, ativista feminista negra, problematiza, ainda, a questão do racismo quando falamos falamos em padrão de beleza. Para ela, é preciso repensar a ideia de que só o europeu é belo. "As pessoas tendem a entender que negros bonitos são uma exceção, o que não é verdade", afirma. "Ninguém diz: 'que branco bonito'. No caso dos negros é comum a frase: 'que negro lindo'. Algumas pessoas, inclusive, reafirmam um olhar de homens negros como máquinas de sexo com grandes pênis. Tem gente que acha que isso é uma visão favorável, mas, na verdade, é um estereótipo nocivo para construção de masculinidade."
E ela acrescenta: para elogiar a beleza de um homem negro, fale da beleza e ponto. Esqueça a cor. Beleza não tem raça. "Elogiar quem passa por um processo de negação estética por conta do racismo é positivo."
Conclusão? As regras são as mesmas para homens e mulheres. A sexualidade existe e pode ser expressada desde que com respeito à identidade do ser humano que ali está. Mas vale a lembrança de Camilla: "Mesmo que quiséssemos, nunca teríamos o mesmo poder dos homens para objetificar o corpo deles. Afinal, quem sempre ocupou esse lugar na sociedade fomos nós..."
* Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina (Facebook.com/revistaazmina), autora do livro "Presos Que Menstruam" e roteirista da série de mesmo nome em produção. Também é criadora do protesto "Eu Não Mereço Ser Estuprada". É jornalista pela USP e especialista em Relações Internacionais pela UnB.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL