Ironman muda as regras em cima da hora e prejudica as competidoras amadoras
As competidoras amadoras tiveram a largada atrasada em 45 minutos em Florianópolis. Algumas delas, nem puderam completar a prova e agora pensam em entrar na Justiça.
Foram 3,8 km a nado no mar e mais 130 km pedalados, tudo sob chuva, em sete horas e meia. Cleide Pinheiro ainda teria mais de nove horas para percorrer os 50 km restantes de bicicleta e os 42,2 de corrida da prova, tempo que considerava mais do que suficiente pelos números que vinha obtendo nos treinos. No entanto, ao chegar no quilômetro 131 poucos minutos depois das 15h, foi impedida de seguir. Um árbitro a parou e informou que estava desclassificada do Ironman Floripa, pois aquele era o ponto intermediário da prova e só podiam seguir os atletas que passassem por ali antes das 15h.
Enquanto ela discutia e tentava convencer o fiscal de que isso estava errado, outros atletas foram barrados. No total, 17 competidores foram eliminados ali, dos quais 15 se sentiram lesados - e nove eram mulheres. Passados dez dias da prova, muitas dessas atletas se preparam para processar a organização.
Mas por que Cleide e os demais se sentiram lesados pela eliminação?
A questão foi uma mudança nas regras da competição que aconteceu após a maioria das inscrições e que colocou em desvantagem, principalmente, as mulheres amadoras. Cleide, por exemplo, inscreveu-se para o triatlo em junho de 2015, quando o regulamento dizia que a largada da prova aconteceria com todo mundo ao mesmo tempo. No entanto, em março de 2016 as regras foram alteradas e a largada passou a ser em ondas: primeiro saíram os atletas homens de elite, depois as mulheres de elite, depois todos os homens amadores, divididos por idades e por último, 45 minutos depois de os primeiros saírem, as mulheres amadoras.
No entanto, apesar de o momento da largada ter mudado, as novas regras não alteraram o prazo limite para a passagem pelo ponto intermediário, que se manteve às 15 horas, independente do momento da largada. Ou seja, as atletas amadoras que começaram a prova 45 minutos depois dos profissionais, tinham 45 minutos a menos que eles para chegar até ali.
Organização alega que tudo estava no regulamento
Contatada pela reportagem, a organização do evento informou que o corte intermediário é “uma exigência da Polícia Militar para que a Via Expressa Sul seja liberada para o fluxo de trânsito às 15h. Obviamente, nós precisamos respeitar as regras impostas pela polícia e é por esse motivo que existe o tempo de corte intermediário. Exigências como essas são encontradas em outras provas Ironman pelo mundo, onde os regulamentos são adequados segundo orientações locais”. Complementou que o corte acontece há cinco anos e estava claro no regulamento.
Já sobre a largada em ondas, a assessoria de imprensa do evento disse que foi uma mudança do regulamento que ocorreu em março de 2016 e foi amplamente informada para os participantes através de e-mails e do site do evento. “Lamentamos muito pela desclassificação dos atletas envolvidos, entendemos que existe uma diferença entre os horários das largadas, porém, é uma necessidade legítima cuja regulamentação deve ser cumprida”.
Os atletas, no entanto, alegam que uma mudança como esta não poderia acontecer após a inscrição. “Se eu soubesse disso, não teria me inscrito. Esses 45 minutos a menos exigiriam de mim um pedal muito mais rápido do que eu consigo”, explica Lile.
Para ela, Cleide e as demais mulheres desclassificadas, o objetivo era completar a prova dentro do tempo limite, mas o que ficou foi o sentimento de injustiça, que Cleide resume: “Como eu dou para as mulheres 45 minutos de desvantagem numa competição como essa?" Confira seu desabafo, que viralizou na internet no dia da prova, 29 de março.
“Foram 11 meses de preparo, treinando todos os dias. Eu aprendi a nadar e andar de bicicleta para esta prova. Sem falar nos gastos: paguei a inscrição, técnico, academia, personal e médico para me recuperar de acidentes que sofri nos treinos. Foram mais de 10 mil reais investidos nessa prova. Participar dessa prova, para mim, foi um investimento altíssimo, tanto financeiro, quanto de dedicação, porque conseguir completar o percurso era um sonho para mim”, conta Cleide, que decidiu entrar na justiça contra a organização da prova.
Os outros 14 participantes desclassificados pelo mesmo motivo também estão pensando em acionar a Justiça. Lile Munhoz, 56, é parte do grupo e ficou extremamente decepcionada com o ocorrido. “Eu comecei a correr com 48 anos e participar de um Ironman era um sonho. Eu aprendi a nadar há dois anos, eu treinei com muita dificuldade, porque minha situação financeira não é confortável. Eu me esforcei muito e, pelos meus números, eu conseguiria completar”.
* Helena Bertho é subeditora executiva da Revisa AzMina (www.azmina.com.br). Formada em jornalismo pela USP e com pós-graduação em roteiro pela FAAP, atuou em diversos veículos e produtoras.