Olimpíadas 2016

O Brasil ficou lento

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Ficamos para trás

Por que o Brasil piorou nos 100m, prova mais nobre do atletismo

Guilherme Costa Do UOL, no Rio de Janeiro
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Anfitriões fora pela 1ª vez

A noite do dia 14 de agosto será uma das mais importantes da Olimpíada de 2016, que serão realizadas no Rio de Janeiro. É nessa data que o evento conhecerá o vencedor dos 100m rasos e que o jamaicano Usain Bolt pode se tornar o primeiro tricampeão da história da disputa. A não ser por um milagre, o Brasil não terá um postulante ao pódio ou sequer representantes entre os finalistas da categoria masculina. A realidade do país, aliás, passa muito longe disso: pela primeira vez na história, o anfitrião dos Jogos não terá um atleta inscrito nem nas preliminares da distância que é considerada por muitos a prova mais nobre do atletismo. Afinal, por que ficamos lentos assim?

Os brasileiros que sonham com os 100m rasos dos Jogos Olímpicos têm até o dia 11 de julho para correr a prova em 10s16, índice de classificação para a Rio-2016. Nas últimas quatro temporadas, porém, o único corredor do país a atingir essa marca foi José Carlos Gomes Moreira, conhecido como Codó, que tem 32 anos. Ele fez exatamente 10s16 em junho de 2013, em São Paulo.

A causa e - também consequência - da involução brasileira é que a prova deixou de ser prioridade. Os melhores velocistas do país trabalham atualmente com foco nos 200m rasos ou nas provas de revezamento (mesmo sem um especialista nos 100m, os donos da casa disputarão o 4x100m). Criou-se um ciclo, portanto: os atletas vão mal na distância, dirigem atenção a outros eventos e derrubam ainda mais a eficiência.

“Existe uma geração para 2016? Não. A gente depende ainda do Bruno [Lins], do Codó e do Aldemir [Gomes]. O Bruno e o Aldemir são os dois que têm índice nos 200m. A gente não tem especialistas nos 100m como teve no passado. A gente está numa entressafra. Vai dar tempo para este ano? Não”, admitiu Carlos Alberto Cavalheiro, técnico-chefe do revezamento e das provas de velocidade na CBAT (Confederação Brasileira de Atletismo).

A última edição de Jogos Olímpicos em que o Brasil não teve sequer um atleta inscrito nos 100m rasos foi a de 1968, na Cidade do México.

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O mundo avançou nos 100m rasos, e o Brasil ficou para trás

10s16 é tão difícil assim? O Brasil está longe disso

  • 100

    Atletas já obtiveram índice

  • 28

    Países já têm pelo menos um representante assegurado na prova

  • 21

    Vezes o norte-americano Mike Rodgers correu abaixo do necessário para a classificação

  • 15

    Velocistas da Jamaica já têm índice para a Rio-2016

  • 9s74

    Foi a melhor marca do mundo nos 100m em 2015, anotada por Justin Gatlin (EUA)

  • 134º

    Vitor Hugo Silva Mourão fez 10s22, melhor marca do Brasil em 2015, e foi apenas o 134º do planeta no ano

  • 11/07

    É a data limite para obtenção de marcas; a classificação considera todos os tempos desde 1º de maio de 2015

A crise dos 100 m em 3 perguntas

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Onde o Brasil busca talentos para provas de velocidade?

"Houve um gap nessa preparação: procura e descoberta de talentos", admitiu Carlos Alberto Cavalheiro. "Antes, como treinador, eu ficava aqui na pista esperando alguém bater na minha porta e dizer que queria fazer velocidade ou pedir para fazer um teste. Hoje a gente não tem mais isso", completou. A crise de prospecção é tão clara que a CBAT e o COB (Comitê Olímpico do Brasil) já têm um novo projeto para encontrar garotos e levá-los ao atletismo. A ideia é colocar o programa em curso logo depois dos Jogos Olímpicos de 2016. "A Jamaica tem 200 escolas formando atletas atualmente. Nós temos 150 mil escolas, mas existe algum trabalho específico de atletismo nesses locais?", questionou Fernando Franco Ferreira, ex-atleta, professor de educação física e um dos principais estudiosos sobre o atletismo no Brasil.

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O que é feito com os garotos que começam no atletismo?

Detectar talentos, contudo, é apenas parte do problema. Até hoje, o Brasil não conseguiu fazer com que nenhum velocista passasse por todas as categorias do Mundial de atletismo. O primeiro que pode completar o processo de transição é Vitor Hugo Mourão dos Santos, 20, dono da melhor marca nacional dos 100m rasos em 2015 (10s22). Ele já representou o país no torneio de menores e no juvenil - falta apenas o adulto, portanto. "No meio do caminho ele perde um tempo muito precioso de preparação, que vai dos 14 aos 17 anos. É um tempo muito importante na lapidação e no trabalho de aprimorar qualidades que são muito específicas na prova dos 100 metros. Esses meninos acabam se perdendo por conta da indecisão ou das escolhas", avaliou Robson Caetano.

Bruno Miani / CBAT Bruno Miani / CBAT

Ter dinheiro é um problema para o atletismo?

A crise de talentos nos 100m rasos coincide com o período histórico em que o atletismo brasileiro tem acesso a mais recursos. A modalidade é a que tem mais atletas contemplados por programas de incentivo do governo federal - são 27 apenas na Bolsa Pódio, que distribui R$ 3,3 milhões anuais a esse grupo. Como o Brasil já assegurou vaga no revezamento 4x100m, os velocistas do país estarão nos Jogos Olímpicos independentemente da obtenção de índice individual nos 100m rasos. "Minha opinião é que a partir do momento em que o Brasil começou a visar o revezamento, o foco mudou. Os atletas sentiram uma zona de conforto que aquele resultado era suficiente para estar no time, na seleção brasileira e nos programas do COB e da CBAT. Com isso, o interesse individual pode ter diminuído", admitiu Cavalheiro.

Improviso: Brasil descobriu velocistas entre chapeiros e boleiros

"Eu comecei no atletismo aos 19 anos. Fiz uma corrida porque servi o Exército e era uma obrigação militar. Fui escalado, mas nem sabia o que era atletismo"

Edson Luciano Ribeiro

, Dono de duas medalhas olímpicas no 4x100m rasos (bronze em 1996 e prata em 2000), exemplo da ausência de um plano para descobrir talentos no Brasil

Juca Varella / Folha de S.Paulo

Escândalo tirou de cena o mentor de últimos feitos

O treinador Jayme Netto Júnior, 55, foi um dos principais responsáveis pelo último período de bons resultados do Brasil nas provas de velocidade do atletismo. Mas também foi, em 2009, o pivô do maior escândalo do país na modalidade. Em agosto daquele ano, às vésperas do Mundial de Berlim (Alemanha), cinco atletas que trabalhavam com ele foram flagrados em exames antidoping por uso de EPO (eritropoietina recombinante), substância que estimula a produção de energia. O técnico assumiu a culpa pelo esquema, chegou a ser banido do esporte e ficou alijado até este ano.

A lista dos atletas pegos no teste incluiu Bruno Lins, um dos principais nomes da velocidade no Brasil, que treinava com Netto na Rede Atletismo, em Bragança Paulista (SP). O técnico disse que o doping havia sido sugerido por um fisioterapeuta do time, mas admitiu ter consciência de que se tratava de um ato ilícito. “A ambição me levou a fraquejar. Até abril, nunca havia permitido qualquer interferência no meu trabalho”, contou o treinador em 2009 ao jornal “O Estado de S. Paulo”.

Netto também era técnico das equipes de revezamento da seleção brasileira. Foi ele um dos pilares do time que conquistou duas medalhas olímpicas no 4x100m masculino – bronze em Atlanta-1996 e prata em Sydney-2000 – nomes como Claudinei Quirino e Edson Luciano Ribeiro, que foram ao pódio nos Jogos, foram comandados pelo treinador.

“Antes tínhamos nomes como Robson Caetano, Joaquim Cruz, Zequinha Barbosa, que iam para Mundiais e Olimpíadas e conseguiam trazer medalhas. Em 1996 esses atletas não estavam mais em seus auges e estavam sendo substituídos por uma safra nova que formou um bom time de revezamento. Automaticamente, equipes técnicas e confederação entenderam que como o Brasil não tinha mais uma estrutura individual, valeria a pena investir no revezamento naquele momento”, relatou Edson Luciano Ribeiro, que esteve nas duas medalhas olímpicas.

A punição disciplinar de Netto acabou em 2013, e desde então o técnico pôde assessorar novamente atletas. Em 2015 ele trabalhou com três atletas brasileiros que estiveram no Mundial de atletismo – incluindo Bruno Lins e José Carlos Moreira, o Codó.

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Na Rio-2016, dificuldade nos 100m pode ajudar revezamento

A despeito de o Brasil viver uma crise de talentos nos 100m rasos, a CBAT aposta no revezamento 4x100m rasos para a Rio-2016. “Temos um time para ser finalista e quiçá medalhista”, opinou Carlos Alberto Cavalheiro, técnico-chefe do revezamento e das provas de velocidade. E por mais que as duas coisas pareçam paradoxais, a constatação sobre o perfil dos atletas tem tudo a ver com o otimismo da confederação.

A lógica é que os atletas do revezamento 4x100m não correm exatamente cem metros. Como há faixas de transição nas curvas, o segundo e o terceiro atletas do pelotão precisam manter a velocidade por uma distância maior do que isso. Portanto, especialistas em 200m rasos são mais adequados a essa função.

“O segundo homem é um exemplo de corredor de 200m. Se ele recebe o bastão no início do setor de transição e passa no fim, vai correr 115 ou 120 metros. Aí é preciso ser um cara com resistência de velocidade maior. O segundo e o terceiro precisam ter essa habilidade”, explicou Cavalheiro.

Aldemir Gomes e Bruno Lins, dois dos principais velocistas do Brasil atualmente, são atletas cujos melhores resultados apareceram nos 200m rasos. “Os 100m não estão bem, mas os 200m cresceram muito nos últimos anos. E isso pode ser uma boa coisa para o revezamento, já que na corrida lançada nós somos muito melhores do que os corredores de 100m”, opinou Lins.

Segundo o corredor, contudo, o perfil da atual geração de velocistas do Brasil pode ser um problema na Rio-2016: “No Mundial de atletismo de 2014, os quatro do 4x100m eram atletas de 200m. O maior desafio que nós temos é encontrar um primeiro homem. Eu abri aquela prova, mesmo sendo corredor de 200m”.

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Feminino poderia ser esperança. Mas há um doping no caminho

A crise de representação do Brasil nos 100m rasos é uma exclusividade da prova masculina. Entre as mulheres, o país tem pelo menos duas atletas fazendo tempos regularmente inferiores ao índice de classificação para a Rio-2016. Uma delas, contudo, ainda corre risco de não poder disputar a Rio-2016.

A melhor marca nacional feminina em 2015 foi anotada por Ana Claudia Lemos, 27. A despeito de ter vivido uma temporada cheia de lesões e problemas físicos, ela correu os 100m rasos em 11s01 e fez o 23º tempo do planeta no ano. Rosângela Santos, 25, teve dois 11s04 e também se colocou entre as 30 mais rápidas do mundo.

Ana Claudia foi flagrada em exame antidoping realizado em fevereiro, durante um camping no Rio de Janeiro. Ela testou positivo para o anabolizante oxandrolona e agora aguarda o resultado da amostra B para saber se vai ser punida - oficialmente, a CBAT ainda não foi sequer notificada.

No feminino, o índice para os Jogos Olímpicos de 2016 é 11s32. Ana Claudia e Rosângela já têm marcas suficientes para representar o Brasil no Rio de Janeiro, e pelo menos outras duas corredoras estão muito perto do necessário (em 2015, Vitória Rosa fez um 11s36 e Vanusa dos Santos conseguiu um 11s40).

Além do doping de Ana Claudia, porém, a preocupação da CBAT é que esses números não têm se repetido em 2016. O melhor tempo do país no ano é de Vanusa Santos, que fez 11s72. “A Ana Cláudia também fez o índice em 2011, mas não conseguiu render bem em Londres-2012. Essa queda é preocupante”, disse o pesquisador Fernando Franco Ferreira.

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