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06/06/2008 - 08h11

Aversão mútua serve de estímulo para Zé Roberto e Bernardinho na Olimpíada

Rodrigo Bertolotto
Em Saquarema (RJ)
Foram cinco semanas juntos, mas não se pode falar em convivência, afinal, eles não se falaram, não se cumprimentaram e mal se olharam. Os técnicos nacionais do vôlei enfrentaram a primeira prova pré-olímpica tendo de ficar confinados simultaneamente no centro de treinamento da modalidade em Saquarema (RJ), em clima de reality show.

CENAS DE UMA INIMIZADE
Sérgio Moraes
Um reservado Bernardinho fecha o portão de entrada do ginásio com quatro quadras...
Rodrigo Bertolotto/UOL
...sendo uma delas ocupada pelo sociável Zé Roberto, de papo com a ex-atleta Virna
Rodrigo Bertolotto/UOL
Já os quartos do alojamento no centro estão batizados com nomes de personagens da...
Rodrigo Bertolotto/UOL
...modalidade e, ironicamente, os que homenageiam os dois técnicos são vizinhos
PÁGINA DA MODALIDADE
"Não há relação. Não tem nenhuma troca de idéia", respondeu secamente Bernardinho quando perguntado sobre a estadia contínua com seu similar do selecionado feminino. Já José Roberto Guimarães ficou surpreso com a questão: "Você não sabe?" Diante da insistência jornalística, simplificou a situação: "Não nos falamos."

Na verdade, a pergunta nem precisava ser verbalizada. Era só observar o comportamento deles durante a sessão semanal de entrevistas que concedem aos setoristas. Bernardinho passou batido pelo lado de Zé Roberto, que retribuiu com um olhar de canto para seguir com suas declarações à imprensa.

Até 2004, o que havia era uma rivalidade, fomentada pelos dois serem destacados e competitivos treinadores que se revezaram no comando nacional dos dois sexos e nos títulos locais no vôlei para moças.

Nesse ano aconteceram os Jogos de Atenas, e Zé Roberto deu a entender que a levantadora Fernanda Venturini seguia as ordens de seu marido, Bernardinho, e não as dele, e que levava para o cônjuge informações internas do grupo feminino, que acabou ficando fora do pódio.

A reação imediata foi o rompimento de relações entre os treinadores. Por seu lado, Fernanda negou a rusga com Zé Roberto, tanto assim que pleiteou neste ano uma vaga via e-mail na equipe que vai para Pequim, apesar de retirada das quadras desde 2006. O técnico acenou com um armistício, mas, de qualquer forma, barrou as pretensões dela de sair da inatividade.

Por outro lado, o ouro em Atenas para o vôlei masculino colocou Bernardinho em igualdade com Zé Roberto, comandante da campanha dourada de Barcelona-1992. Antes à sombra da glória do rival, Bernardinho virou símbolo do Brasil que dá certo, encarnou o garoto-propaganda de várias marcas e o campeoníssimo em palestras para executivos e gerentes atrás da a equipe ideal de funcionários.

Nesses últimos anos, a querela foi alimentada também nos confrontos entre suas equipes pela Superliga, com Bernardinho à frente do Rexona e Zé Roberto capitaneando o Osasco: em uma ocasião, o treinador carioca quebrou a porta do vestiário do ginásio osasquense depois de uma derrota.

Qualquer programa de TV que ensaiava convidar os dois via a recusa de um ou dos dois lados. Virou tabu perguntar sobre o trabalho do outro. E os próprios atletas contam que não os viram juntos em nenhum momento nesta passagem pelo litoral fluminense.

O curioso é que, como os quartos do alojamento foram batizados com nomes de destaques da modalidade, o apartamento 15 (com placa na porta escrita "Bernardo Rocha de Resende") dá fundos com o de número 30 (homenageando José Roberto Guimarães) - não que eles estejam nos quartos com seus nomes.

Cada um por seu lado afirmou que as horas vagas em Saquarema foram reservadas para estudar os adversários. Os horários das seleções, seja de treino ou seja refeição, não foram coordenados - mesmo porque há suficiente quadras e aparelhos de musculação para todos.

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TorneioBernardinhoZé Roberto
O principal problema de Bernardinho é motivar atletas que já venceram tudo e estão caminhando para o fim da carreira: "Será o último ano que esse grupo estará junto. Um vai sentir falta do outro. Isso tem que tocar os jogadores."

Ele reforça o discurso motivacional para chegar ao segundo ouro olímpico. "O cansaço é do processo. Ninguém cansa de ganhar. Depois de 15 anos na seleção, sempre surge o questionamento", argumenta sobre a atual situação da veterana seleção que tem em mãos.

Por seu lado, o trabalho de Zé Roberto é conter a ansiedade do vôlei feminino, que ainda está orfã de um ouro (obteve duplo bronze com Bernardinho em Atlanta-1996 e Sydney-2000). Ir além do terceiro lugar olímpico é uma façanha inédita que Zé Roberto está atrás.

O treinador paulista até colocou pela primeira vez uma psicóloga, Sâmia Hallega, conversando sobre os problemas pessoais de cada atleta. Tudo para que não caia a confiança e, conseqüentemente, o rendimento em quadra.

Performático à beira da quadra, Bernardinho se mostra mais contido nos corredores do CT de Saquarema. Nada de tapinha nas costas de atletas. Nada de bate-papo com repórteres. O atrito e o corte do levantador Ricardinho antes do Pan-2007, tema proibido entre o time masculino, também contribuiu para um ar mais taciturno do treinador.

Já o conversador Zé Roberto tem uma relação mais expansiva. Fica de prosa com os jornalistas e é saudado pelos atletas com quem já trabalhou. Um recém-chegado Nalbert passou perto dele, cumprimentou-o com um "Grande Zé" e deu-lhe um abraço. Já com Virna, agora fazendo as vezes de repórter, ele brincou com o ex-comandada: "Hoje está florido aqui". A ponta aposentada foi na onda: "E aí, Zé: estou pegável?" Restou a Zé Roberto se recolher na gozação: "Você é fogo mesmo."

Seria uma glória coletiva o bi dourado para o masculino de Bernardinho, assim como seria se o pódio feminino fosse um ou dois degraus acima do bronze. Mas, para seus respectivos comandantes, também esses desfechos teriam um gostinho de resposta pelas ocorrências de quatro anos atrás na Grécia.

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