'Olimpíada é oportunidade perdida', dizem urbanistas sobre Rio 2016

Jefferson Puff

Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

As Olimpíadas do Rio de Janeiro são uma "oportunidade perdida" para a cidade em questões de transporte, saneamento e habitação, com "mais benefícios para uma minoria", dizem professores da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Em entrevista à BBC Brasil representando a EAU-UFF, o professor Vinicius M. Netto, especialista em planejamento urbano com doutorado em estudos arquiteturais avançados pela University College de Londres e pós-doutorado em desenvolvimento de áreas estratégicas, questionou os preparativos olímpicos e o legado dos Jogos para a população.

Para ele, um dos principais problemas da Rio 2016 é a ausência de uma cota de moradias populares nas obras olímpicas, como na Vila dos Atletas, onde 3.604 apartamentos serão comercializados pela iniciativa privada por até R$ 1 milhão cada após o fim dos Jogos.

"Em Londres houve uma preocupação com moradias populares. Aqui, isso sequer foi discutido. Ninguém contemplou cota de nada, e o Estado é omisso diante desse tipo de produção de espaço urbano sem chamar para si a responsabilidade de observar os efeitos disso", diz.

Na visão dos urbanistas, caberia ao Estado, representado pela Prefeitura do Rio, definir um plano para os preparativos e o legado dos Jogos que levasse em conta tais questões.

"Aqui as coisas foram decididas a portas fechadas. De um lado, no Reino Unido, há uma sociedade que, apesar de merecer críticas por alguns pontos, se organizou minimamente para lidar com os efeitos negativos do processo, e de outro, no Brasil, há uma sociedade e um Estado que fingem que nada disso existe", disse.

Questionado sobre críticas a Londres, Netto admitiu que algumas das áreas degradadas da capital britânica que receberam instalações olímpicas acabaram se valorizando excessivamente e por consequência a especulação imobiliária expulsou moradores mais pobres que já viviam na região.

"Essas dinâmicas de gentrificação realmente emergem, mas o que me encoraja a usar Londres como exemplo é a decisão firme de ter um percentual da produção imobiliária destinado a garantir a manutenção da população naquele local. Se estamos lidando com questões que são muito difíceis de serem controladas, há dispositivos que podem no mínimo amenizar este processo", diz.

'Choque e indignação'

As declarações do corpo docente da EUA-UFF chegam em reação a uma entrevista com o empresário Carlos Carvalho, proprietário da incorporadora Carvalho Hosken (avaliada em R$ 15 bilhões), que atua na construção do Parque Olímpico e que comercializará os apartamentos da Vila dos Atletas.

No início da semana, ele disse à BBC Brasil por que os prédios que hospedarão os atletas e as comissões técnicas não seriam voltados aos mais pobres.

"Para botar tubulação de água e de luz há um custo alto, e quem mora paga. Como é que você vai botar o pobre ali? Ele tem que morar perto porque presta serviço e ganha dinheiro com quem pode, mas você só deve botar ali quem pode, senão você estraga tudo, joga o dinheiro fora. Há muitos bairros que agasalham pessoas com poder aquisitivo mais modesto", disse Carvalho.

Netto diz que as declarações causaram choque e indignação aos professores da EUA-UFF.

"Ficamos surpresos com a franqueza. Nossa reação foi de grande indignação com este tipo de preconceito contra a mistura de classes sociais. Nos choca essa concepção de que uma parte da cidade não deva ter mistura social. O que nos chocou foi a naturalidade com a qual este produtor de espaço urbano estabelece que esta área da cidade é para uma classe específica. É um discurso perigoso", diz o professor.

Procurada pela BBC Brasil, a assessoria de imprensa do empresário e da Carvalho Hosken disse que não responderia às críticas.

'Motivação ideológica'

Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), disse que as declarações de Carvalho são imbuídas de um "primarismo e grau de preconceito assustadores" e rebateu as críticas diretas feitas pelos urbanistas.

Ao defender seu plano para os preparativos e o legado das Olimpíadas para a cidade, Paes disse que a avaliação dos especialistas tem uma motivação ideológica.

"Esses especialistas da UFF são ideologicamente contra o privado, mas eu entendo que se você usar de maneira inteligente o desejo de ganho de dinheiro do setor privado você consegue ter benefícios, e é por isso que a cidade do Rio de Janeiro está entregando tanta coisa", disse, citando obras como os BRTs Transcarioca, Transoeste e Transolímpica, e o VLT do centro.

O prefeito relembrou que, embora a Vila dos Atletas não vá deixar um legado de habitações populares por ter sido construída inteiramente pela iniciativa privada e em terras privadas, sua administração entregou 65 mil casas à população em seus dois mandatos.

"O Rio fez 65 mil moradias populares nesses cinco anos de Minha Casa Minha Vida, várias delas perto da Vila dos Atletas, independente de Olimpíada ou não. Em Londres, o projeto da Vila dos Atletas era originalmente privado, mas com a crise de 2008 tornou-se público. E aí obviamente como foi um projeto pago pelo governo virou casas para os mais pobres", disse.

Legado

Os especialistas também tecem críticas aos BRTs (corredores expressos de ônibus), que de acordo com eles poderiam reforçar a lógica de dispersão das cidades, segundo a qual as classes mais pobres são afastadas dos núcleos das metrópoles, onde se concentram as atividades econômicas e os empregos.

"Claro que toda política de transporte público que aumente a acessibilidade ao centro da cidade é um ganho, mas há dúvidas com relação ao BRT servindo mais como um estímulo à dispersão do que o contrário. Afastar as pessoas mais pobres do centro das cidades tem um impacto crucial. Renda, produtividade e qualidade de vida são afetadas por esta distância", diz o professor Vinicius M. Netto.

Questionado pela BBC Brasil, o prefeito Eduardo Paes disse que os especialistas estão "equivocados", e que a população "está vendo esse legado e aplaudindo e apoiando".

Durante a semana, em meio a um encontro da Comissão de Coordenacão do Comitê Olímpico Internacional (COI), o presidente do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, também reagiu às declarações do empresário Carlos Carvalho, de 91 anos.

"Sou radicalmente contra o que ele disse. É ao contrário, os Jogos são para todos, e de todas as formas. Lamento ele ter dito isso e é uma pena que uma pessoa da idade dele tenha colocado as questões dessa maneira", afirmou.

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