Medalhista que cobra dirigentes quase perdeu Rio-2016 por erro do uniforme
Guilherme CostaDo UOL, em São Paulo
Não está alicerçado apenas em questões financeiras o litígio entre a CBTKD (Confederação Brasileira de Taekwondo) e o lutador Maicon Andrade, 23, medalhista de bronze da Rio-2016. O atleta cobra dívida de pelo menos R$ 24 mil da entidade, mas também critica decisões administrativas tomadas pela cúpula da confederação durante o último quadriênio. Segundo ele, por exemplo, o sonho do pódio olímpico quase encerrado antes do primeiro combate por causa de um problema com os uniformes da delegação nacional.
Os lutadores de taekwondo usam um quimono chamado dobok, e as peças do Brasil na Rio-2016 foram fabricadas pela Daedo, patrocinadora da CBTKD. Quando a equipe nacional chegou aos Jogos, porém, a federação internacional alegou que os uniformes não cumpriam especificações técnicas e vetou o uso do enxoval.
A CBTKD correu atrás de soluções emergenciais para os atletas que representariam o Brasil nos Jogos (duas mulheres e dois homens). Maicon era o último a lutar, mas também foi o que enfrentou o maior problema. O brasileiro de 1,90 m e 90 kg compete na categoria acima de 87 quilos, e as peças encontradas pela confederação eram pequenas para ele.
“Um dia antes de eu lutar, ainda estava sem uniforme. Quando arrumaram, me deram um conjunto pequeno, com risco de eu entrar e rasgar. Se isso acontecesse, teria um minuto para trocar. Me recusei a usar e não encontraram outro”, relatou Maicon.
“No outro dia, cheguei ao ginásio sem uniforme. Imagina como fica a cabeça de um atleta que passa por isso: os adversários estavam tranquilos, com a roupa, com técnicos, com orientações, e eu ali, com a cabeça a mil, sem saber onde estava o uniforme. A confederação não falava nada. Aí apareceram com um uniforme menor do que o que tinham levado anteriormente. Não ia caber”, continuou o lutador.
A luta de Maicon era a primeira do dia. Em meio à crise, a CBTKD conseguiu alterar a ordem dos eventos e jogar o brasileiro para o segundo combate. Nesse ínterim, arrumou um dobok adequado ao tamanho do corpo do atleta. “Competi com uniforme quente da cola dos adesivos”, disse o brasileiro.
O UOL Esporte procurou a CBTKD e enviou questionamentos sobre a crise do uniforme na Rio-2016. A entidade disse que as peças estavam de acordo com especificações, mas confirmou um problema relacionado às estampas. Ainda de acordo com o departamento de comunicação da instituição, não houve qualquer prejuízo aos atletas. A reportagem também tentou contato com a Daedo, mas não obteve resposta em nenhum dos telefones listados nos canais oficiais da empresa.
A questão do uniforme foi apenas o ápice de uma preparação conturbada de Maicon para os Jogos. Meses antes da competição, o treinador dele, Clayton Santos, foi cortado da delegação por causa de um post de seu irmão, Reginaldo Santos, na rede social Facebook.
“O treinador indicado pela confederação não conhecia o Maicon e nunca tinha treinado com o Maicon”, contou Reginaldo. “A gente costuma dizer que o taekwondo é um esporte de estratégia na velocidade da luz. A pessoa que fica ali do lado do atleta precisa pensar muito nas questões técnicas e precisa ter rapidez de reação. Para isso, é fundamental conhecer o atleta”, adicionou.
Clayton precisou comprar ingressos para acompanhar da arquibancada as lutas de Maicon. O brasileiro foi superado na semifinal, mas a medalha de bronze foi algo inédito para um representante do país na chave masculina dos Jogos Olímpicos.
Lutador ainda não recebeu premiação por bronze na Rio-2016
Por ter conquistado a medalha de bronze, Maicon teria direito a R$ 12,5 mil advindos da Petrobras. A estatal depositou o dinheiro em setembro na conta da CBTKD, mas o lutador ainda não recebeu.
Em e-mail enviado ao UOL Esporte, a entidade explicou que o atraso tem relação com questões burocráticas – o presidente da CBTKD, Carlos Fernandes, está afastado por suspeitas de fraude e improbidade administrativa.
O restante da dívida da confederação com Maicon tem a ver com a viagem de atletas iranianos para o Brasil. Os lutadores foram usados como sparrings pelo medalhista, mas a CBTKD cometeu um erro ao comprar passagens e não checou se eles precisariam ter visto de entrada no país.
Como a entidade não tinha dinheiro para emitir novas passagens, Maicon bancou a viagem. A confederação prometeu ressarci-lo, mas não devolveu o dinheiro até agora. Também em e-mail ao UOL Esporte, a entidade disse que espera ter o dinheiro disponível até o fim da próxima semana.