Paraolimpíadas

Paraolimpíada dá motivação a cadeirante: "Antes duvidava que podia nadar"

Felipe Pereira
Carol viu que era possível voltar a nadar depois de assistir às Paraolimpíadas imagem: Felipe Pereira

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

Um dia Carol acordou numa cama de UTI tetraplégica. Ela nunca achou que ia morrer, mas também não achou que voltaria a nadar. A piscina, companheira de uma vida, era coisa do passado. A garota pensou assim até o último domingo. Assistir à final dos 50m peito S3 nas Paraolimpíadas do Rio de Janeiro mudou o futuro da mulher de 27 anos que faz mestrado em veterinária.

Não é um caso isolado. No Instituto de Medicina Física e Reabilitação, os médicos tinham dificuldade em falar de esporte com os pacientes. Agora, eles estão pedindo informações. Até uma Paraolimpíada interna foi organizada. A cerimônia de entrega medalha tem direito a We are the champions. É lugar comum, mas funciona, comenta na surdina um funcionário.

Carol ganhou a medalha dela. Ela explica que é de participação, mas com um olhar determinado que diz ‘me aguarde’. No dia do aniversário de 24 anos disseram que seria lucro Carol conseguir se comunicar piscando os olhos. Hoje, ela prepara a volta às piscinas. 

Veja abaixo o depoimento de Carolina de Marchi Soares:

Comecei a treinar numa academia com cinco anos para aprender a nadar. Chama Marathon. Fiquei lá dois, três anos. Depois dessa academia, meu pai ficou sócio de um clube que nem existe mais, o Luso Brasileira de Bauru. Fiquei uns três anos fazendo natação e judô. Aí não deu mais porque comecei a competir sério. Escolhi a natação com 12, 13 anos.

O meu melhor resultado foi um terceiro lugar num campeonato paulista nos 50 m peito. Participei de dois brasileiros. Acabou que o clube foi acabando, a equipe foi desmanchando. Prestei vestibular e entrei para faculdade. Treinava por hobby e competia uma vez por ano nos jogos (da universidade).

Julho de 2013 foi a última vez que eu nadei. Foi em Penápolis nos Jogos Regionais. Nadei 100 m e 50 m peito, 50 m livre e o revezamento 4x200 m livre. Foi primeira quinzena de julho, não sei o dia exatamente. Aí em setembro foi o acidente.

Eu não lembro, mas estava na estrada fazia uns 40, 45 minutos. Era uma sexta, 6 de setembro e meu aniversário era no domingo. Ia passar o final de semana em Bauru. Eu estudava em Araçatuba, na Unesp de lá. E daí capotou o carro perto de Promissão. Só sei isso. Não lembro nada do acidente.

Minha lesão é C5 e C6 (quinta e sexta vértebras da coluna cervical). Na C7 tem uma prótese. Eu fui socorrida em Promissão e de lá fui para Botucatu. Fui operada no domingo só que eu não lembro de nada desses dias. Só o que me contam.

Sei que capotou o carro e precisaram serrar para me tirar porque ficou de ponta cabeça. Tava consciente, não tinha desmaiado, passei o telefone da minha mãe para ligarem. Mas eu não lembro de nada disso. Só sei porque os bombeiros contaram para os meus pais. Eu tava de cinto e tinha airbag, mas não foi acionado. 

Minha primeira lembrança é até engraçada. Eu estava na UTI de Botucatu e já tinha sido a cirurgia. Eu lembro que apareceu um ex-técnico meu que fazia uns seis, sete anos que não via. Ele me treinou no Luso em Bauru e hoje dá aula na Associação Botucatuense.

Eu pensei em esporte pela primeira vez desde o acidente quando eu fui para a internação (em 19 de outubro) no Lucy do Morumbi (centro de reabilitação em São Paulo). Lá, comecei a fazer fisio na piscina. Achei que ia ser fácil. Não consigo fora da piscina, mas vou conseguir na piscina. Achava que dominava. Mas, não, é muito difícil.

A fisioterapeuta que me acompanhava trabalha com esporte adaptado e me apresentou. Conheci o pessoal que joga rúgbi em cadeira de rodas. Eu não sabia que existia e que o time só pode ser composto por pessoas com deficiência nos quatro membros.

Daí eu conheci um menino que está fazendo canoagem e é tetraplégico também. Pensei em canoagem, mas fiquei com medo do caiaque virar. Como estou fazendo mestrado, fico metade da semana aqui e metade em Araçatuba. Nunca fiz por logística, foi ficando para depois.

Mas com a Paraolimpíada algo reacendeu. Acho que eu aprendi tudo da natação. Eu sabia que tinha natação, mas meu parâmetro era Daniel Dias ou no máximo um para (paratleta) com movimentos bem funcionais. [Daniel Dias tem parte dos braços. Bons movimentos funcionais significam ter força e amplitude]. Primeiro, eu entendi como funcionam as categorias. Não sabia que tinha que fazer um teste para saber em qual classe funcional se encaixa.

Vi também o pessoal nadando costa e descobri que tem como eu nadar igual a eles. Não precisa ser o costas perfeito, como eu imaginava. Eu descobri isso em casa, sentada na cama. Foi no domingo à tarde, era final feminina dos 50 m costas S3. Eu fiquei surpresa. Eu achava que era impossível, não sabia como eles faziam.

Eu já tava pensando em nadar desde a abertura das Paraolimpíadas, já tava na minha cabeça. Mas agora está mais firme. Comentei com todo mundo na hora. A primeira pessoa foi minha mãe, que estava perto de mim. E também com uma amiga minha que é educadora física. Foi pelo whatsapp na hora, ela estava assistindo também.

Já vi três lugares. Um é a USP e pedi para ir conhecer a piscina. Outro lugar é o Centro Paraolímpico, que eu quero conhecer também. E tem um lugar em Bauru que uma pessoa que nadava comigo está com uma equipe de deficientes físicos. Ele me ligou para saber se eu me interesso.

Antes eu duvidava que podia nadar. Talvez, eu duvide ainda. Até eu fazer certinho uma piscina inteira. Às vezes, eu acho que não vou conseguir fazer os 25 metros ou 50 metros de uma vez (os comprimentos de uma piscina semiolímpica e olímpica).

Eu me preocupo de estar numa piscina, afogar e ninguém perceber. É mais este um medo. A minha força pulmonar, a respiração não é igual a de antes. Eu consigo segurar o ar por menos tempo. Antes, em treino, atravessava a piscina sem respirar. Hoje deve dar de 15 a 20 segundos.

Mas sei que a partir do momento que eu me disponho a fazer, tenho que treinar para não ter medo. Se eu tiver medo, não vou conseguir fazer. Estou trabalhando para esta barreira psicológica ser superada. Eu não sei o que espero para daqui a quatro anos. Passei a ter objetivos em curto prazo.

Mas gostaria de estar competindo, não vou falar indo para próxima Paraolimpíada porque eu acho que quatro anos é pouco tempo para conseguir chegar neste nível. Mas pelo menos estar treinando sério e competir algumas provas.

Acho que a vida vai ficar melhor voltando para o esporte. Até por ter uma equipe. Mesmo sendo um esporte individual, tem uma equipe e meus melhores amigos até hoje são da natação. Tem muita história junto. Acho que será a mesma coisa. Uma equipe que seja bem unida e amizades novas.

 

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