Ucrânia e China estão jogando limpo com o Brasil na Paraolimpíada?
Daniel BritoDo UOL, no Rio de Janeiro
O nadador Daniel Dias, 28, usou do bom humor para explicar a conquista de uma medalha de prata quando a expectativa era de que ele ficasse com o ouro. “Não sei de onde saiu esse chinês, só se surgiu lá da China mesmo para chegar aqui e ganhar essa prova”, brincou, após ser derrotado Junsheng Li nos 100m peito, na noite de domingo, 11.
Era um ouro que o Brasil contava, já que Dias era bicampeão paraolímpico da prova. Como o Comitê Paraolímpico Brasileiro estima sua meta de ficar entre os cinco maiores ganhadores de ouro na Rio-2016, derrotas para a China e também para a Ucrânia costumam doer. E isto tem sido motivo de queixas do Brasil. E até tema da reunião de diretores do IPC (Comitê Paraolímpico Internacional, na sigla em inglês).
“Chineses têm essa estratégia: ficam quatro anos em casa, disputando muito pouco internacionalmente, só o mínimo indispensável para eles terem a classificação funcional e os índices mínimos. Quando chegam aqui, é essa avalanche de medalhas”, explicou o presidente do Comitê Paraolímpico do Brasil, Andrew Parsons.
Até agora, China e Ucrânia lideram o quadro de medalhas da natação, com 20 ouros para os asiáticos, seguidos pelos europeus, com 12. No total de medalhas, representa quase 40% do distribuído até hoje na modalidade na Rio-2016. Este desempenho difere, e muito, do que as duas nações apresentaram nos dois mundiais realizados nos últimos quatro anos. O que corrobora a tese de Parsons.
O que mais impressiona os brasileiros é o fato de os atletas que estão levando o ouro serem totalmente desconhecidos do cenário internacional, porque nunca terem disputado os campeonatos mundiais ou torneios internacionais. E não é o caso de atletas com deficiência adquirida recentemente. São novatos que desbancam estrelas ou nomes já consagrados. Quando episódios como esses ocorrem no universo olímpico, por exemplo, são tidos como raros. Ao "esconder" um atleta, fica difícil até de saber se ele está pareado de acordo com o nível de deficiência dos adversários. E, principalmente, faz com que ele fique fora do ranking mundial e, portanto, distante do controle de dopagem imposto pela Wada (Agência Mundial Antidopagem) aos melhores.
Um caso emblemático ocorreu na medalha de prata do revezamento misto 4x50 m nado livre. A gaúcha Susana Schnarndorf, que pertence à classe S5 foi superada por um chinês da S3, que apresenta um nível de comprometimento dos movimentos muito maior. Ao final, a China levou o ouro com 11 segundos abaixo do antigo recorde mundial.
“A marca que o S3 da China fez, baixando o tempo em seis segundos numa prova de 50 metros, é muito surpreendente. Não é normal. A gente precisa olhar com um pouco mais de cuidado, precisa entender. Olhando só na piscina, fica difícil. Vamos ter que correr atrás, entender a classificação, onde foi feita, como foi feita”, alertou o diretor-técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro, Edilson Alves da Rocha, o Tubiba.
Outro caso foi o ucraniano Maksym Krypak, de apenas 21 anos, surpreendeu a delegação brasileira nos 50 m livre e nos 100 m costas. Eram duas provas nas quais o carioca André Brasil, 32, era tido como protagonista. Porém, em ambas, ele terminou na quarta colocação.
Krypak falou com o UOL Esporte, com o auxílio de uma intérprete. Ele tem uma atrofia na panturrilha e pé direitos, em decorrência de um problema congênito. Começou no esporte paraolímpico há um ano, após treinar entre atletas olímpicos da Ucrânia nos tempos de juvenil. Só veio participar de competições paraolímpicas em 2016, quando obteve o índice para a Rio-2016.
“Quando comecei entre os paraolímpicos, meu técnico apontou para o André Brasil e falou: ‘Esse é o cara a ser batido, você tem que ser como ele’”, comentou Krypak. Já o brasileiro conta que tentou conversar com o ucraniano após uma competição em Berlim, há quatro meses, quando o conheceu. “Mas o inglês dele não é tão bom, e eu não falo ucraniano”, disse. Porém, elogiou o desempenho de Krypak. “Muito se fala se ele deveria ser atleta paraolímpico ou não, mas prefiro não entrar nesse mérito. Só parabenizá-lo”.
Na noite de segunda-feira, 12, Krypak voltou ao pódio, desta vez com a prata, atrás apenas do compatriota Denys Dubrov, nos 100m borboleta. Interrompeu o carioca André Brasil de conquistar o tricampeonato paraolímpico da prova. O brasileiro terminou com o bronze, sua primeira medalha na Rio-2016. Das duas provas que disputou anteriormente no Estádio Aquático, ambas foram vencidas pela dupla ucraniana.
Em conferência de imprensa na segunda-feira, 12, o presidente do IPC, Sir Philipe Craven disse que alguns países pediram mais transparência no processo de classificação e até nos programas de controle e combate ao doping. O dirigente afirmou que a demanda será analisada e, se necessário, levada adiante.