! Pobreza, guerra, Ebola e até demônios: nada para George até a Rio-2016 - 08/09/2016 - UOL Olimpíadas

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Pobreza, guerra, Ebola e até demônios: nada para George até a Rio-2016

Do UOL, em São Paulo

George Wyndham tem 26 anos e disputa uma medalha na classe 4 do tênis de mesa. Sua simples presença nos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro é um feito. Ele nasceu em Serra Leoa, na África, país com um dos maiores índices de mortalidade infantil no mundo. Não bastasse isso, ele contraiu pólio aos cinco anos. Ele nunca andou. Quando era criança, engatinhava até a escola.

No final dos anos 90, a guerra civil chegou ao vilarejo em que morava. Sua mãe, Sarah Pratt, e um amigo tiveram de carregá-lo nas costas para fugir do conflito. “Os soldados nos viam com ele nas costas e falavam: ‘Mãe, deixa o menino no chão. Nós cuidaremos dele. Ele não vai te ajudar’”, conta Sarah no documentário Spirit, feito pela Fundação WayOutArts.

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George Wyndham, atleta do tênis de mesa de Serra Leoa imagem: Reprodução

A mãe nunca largou o filho. Segundo a BBC, oficialmente 2,4% da população de Serra Leoa tem deficiência física, mas o Banco Mundial diz que o número real pode chegar a 10%. George é um deles. E a vida é complicadíssima: muitas etnias africanas consideram as deficiências físicas manifestações diabólicas. Cadeirantes, como o mesa-tenistas, não encontram empregos e a maioria tem de pedir dinheiro para sobreviver.

“Eles não nos tratam bem. O simples fato de você ser deficiente diz, para eles, que você não pode contribuir com a sociedade. Eles pensam que essa pessoa é um demônio. Eles pensam que essa pessoa não quer fazer parte de uma família”, explica George em entrevista à BBC.

As coisas só mudaram para ele quando o tênis de mesa começou a dar resultados. Em 2004, passando em frente a um ginásio, ele assistiu a um treino de tênis de mesa. O professor o convidou. Ele disse que não queria. “Eu olhei para minha deficiência e disse que aquilo não era para mim”. O professor insistiu.

A Federação de Tênis de Mesa de Serra Leoa existe desde 1965. Nunca teve um atleta de destaque. Até George. “São anos e anos sem que ninguém ganhasse nada. As minhas medalhas internacionais são as primeiras que um atleta do país ganha em eventos internacionais. Incluindo atletas que não tem deficiência”, ressalta.

Os resultados mudaram (um pouco) a vida de George. Durante a Guerra Civil, que terminou em 2004, ele chegou a morar nas ruas. Hoje, encontrou abrigo na capital de Serra Leoa, Freetown. Ele ocupa um escritório do comitê paraolímpico local embaixo das arquibancadas do estádio Siaka Stevens. Dorme em um colchão no chão e come, na maioria dos dias, apenas farinha de mandioca.

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George: "Hoje, ensino outra pessoas na mesma situação que eu. Deficientes não precisam pedir dinheiro para viver. Existem alternativas. O tênis de mesa foi a que eu encontrei" imagem: Reprodução
“Essa é a realidade. Não há dinheiro. Sei que mandioca não é exatamente o que um atleta deve comer, mas é isso o que eu tenho”, lamenta. “Pelo menos eu tenho um lugar para ficar. Muitos deficientes não tem nem mesmo isso. Precisam pedir dinheiro nas ruas. O esporte me tirou disso”. Ele espera, também, tirar outros das ruas: após 14 anos como o único cadeirante jogando tênis de mesa em Serra Leoa, hoje ele ensina o esporte a um grupo de deficientes.

Por pouco a sua passagem para as Paraolimpíadas não ficou ameaçada. No ano passado, ele era o 18º do ranking mundial, terceiro africano da lista. Veio a classificação para o Mundial da modalidade, mas não o visto para entrar na China: como Serra Leoa vivia uma epidemia de Ebola, sua entrada no país foi proibida. Mesmo sem participar do torneio, classificatório para a Rio-2016, a vaga veio. No Rio de Janeiro, ele vai contar com uma nova cadeira de rodas, fruto de seu primeiro contrato de patrocínio, com uma empresa de cimento.

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