Paraolimpíadas

Por que os Estados Unidos não são uma potência nos Jogos Paraolímpicos?

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Estados Unidos ficaram apenas com a sexta posição no quadro de medalhas dos Jogos Paraolímpicos de Londres-2012 imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

Exceção feita a Moscou-1980, quando boicotaram o evento, os Estados Unidos estiveram entre os três primeiros do quadro de medalhas em todas as edições de Jogos Olímpicos de verão. Nas últimas quatro edições de Paraolimpíadas, ocuparam essa faixa apenas em Pequim-2008 – e obtiveram apenas a terceira posição. Afinal, por que a maior potência esportiva do planeta não consegue ser um gigante também entre as modalidades adaptadas?

A situação suscitou um debate mais contundente depois de Londres-2012, quando os norte-americanos tiveram sua pior participação na história paraolímpica. Foram 98 medalhas no total (31 ouros, 29 pratas e 38 bronzes), números que colocaram o país apenas na sexta posição do quadro de medalhas. Nas Olimpíadas do mesmo ano, mesmo com um universo bem menor de pódios, os Estados Unidos coletaram 46 ouros, 29 pratas e 29 bronzes (104 no total) – ninguém venceu mais.

A comparação incutiu mais tensão na preparação dos norte-americanos para os Jogos Paraolímpicos de 2016, mas também estendeu o debate sobre a diferença de desempenho. E entre as muitas teorias sobre o porquê de os Estados Unidos não serem uma potência no esporte adaptado, todas passam necessariamente por cinco aspectos: gestão, dinheiro, cultura, repercussão e a realidade dos rivais.

A questão de gestão: falta autonomia ao esporte paraolímpico nos EUA

Ao contrário do que acontece no Brasil, país que tem comitês independentes para esporte olímpico (COB) e paraolímpico (CPB), os norte-americanos submetem ambas as equipes à cúpula do USOC (Comitê Olímpico dos Estados Unidos, na sigla em inglês). E isso, durante os anos, gerou no país uma série de debates sobre prioridades e representatividade.

O movimento paraolímpico também é bem menos sedimentado politicamente nos Estados Unidos. O país só começou a ter competições adaptadas em 1948, e a primeira edição dos Jogos Paraolímpicos de verão aconteceu apenas em 1960. Nessa altura, os norte-americanos já haviam disputado 13 edições de Olimpíadas.

A questão financeira: EUA já foram até processados por isso

O desempenho esportivo dos norte-americanos nos Jogos Olímpicos tem respaldo financeiro. O USOC faturou US$ 148 milhões (R$ 479,5 milhões) em 2015, e pelo menos US$ 76 milhões (R$ 246,2 milhões) foram destinados diretamente à preparação de atletas. Outros US$ 42 milhões (R$ 136 milhões) viraram investimento em estrutura. O esporte paraolímpico ficou com uma pequena fatia.

Essa pequena fatia é motivo de polêmica nacional até hoje, mas já foi alvo de um debate até em tribunais na década passada. Em 2003, três atletas paraolímpicos processaram o USOC por concentrar demais o dinheiro no esporte olímpico. Não ganharam a causa, mas isso fez a entidade mudar. Quando a querela judicial ainda estava em curso, a verba anual destinada aos paraolímpicos foi ampliada de US$ 3 milhões (R$ 9,72 milhões) para US$ 11,4 milhões (R$ 36,9 milhões).

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A questão cultural: onde estão as ligas esportivas paraolímpicas?

Uma das bases do sucesso esportivo dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos é a força que os norte-americanos têm em ligas locais. A seleção de basquete é produto da profusão de talentos na NBA, por exemplo, e a quantidade de bons valores que o país tem em modalidades como atletismo e natação tem relação direta com o nível das disputas desses esportes em competições universitárias.

No esporte paraolímpico, os norte-americanos não têm ligas fortes. Sem competições que sirvam como referência, o país padece na fase de prospecção. Em 2013, uma pesquisa nacional realizada pela agência Trailblazers com portadores de deficiência identificou que 94% dos entrevistados acreditavam que os Jogos Paraolímpicos incentivavam mais gente a entrar no esporte. No entanto, apenas 50% praticavam qualquer tipo de atividade física.

Os Estados Unidos ainda têm um grave problema de aproveitamento de veteranos de guerra. O país possui forte política de valorização de pessoas com histórico militar, mas havia apenas 20 oficiais ou ex-oficiais na delegação que foi a Londres-2012. O Departamento de Defesa e o Departamento de Relações com Veteranos chegaram a conversar sobre uma política para incrementar esse número – o percentual de ex-soldados que frequentam eventos esportivos no país subiu de 31% para 54% na última década.

A questão da repercussão: ainda é difícil ver a Paraolimpíada nos EUA

Principal parceira de mídia do esporte nos Estados Unidos, a NBC exibiu 6.755 horas ao vivo dos Jogos Olímpicos de 2016. Na Paraolimpíada, serão apenas 66 horas.

Ainda que o Channel 4 contribua com 500 horas de transmissões televisivas dos Jogos Paraolímpicos nos Estados Unidos, existe uma distância também na repercussão e na consequente popularização dos dois eventos.

A questão dos rivais: o investimento dos outros cresceu, e a distribuição mudou

Em 1960, na primeira edição dos Jogos Paraolímpicos, os Estados Unidos ficaram com a quinta posição no quadro de medalhas. Foram 25 láureas no total (11 ouros, sete pratas e sete bronzes). Na edição seguinte, em 1964, o país já precisou somar 123 pódios para ser o líder de vitórias do evento.

Os norte-americanos bateram em 1984 o recorde de medalhas paraolímpicas. O país amealhou 396 láureas naquele ano (136 de ouro, 131 de prata e 129 de prata), patamar jamais repetido por alguém.

O número de medalhas das Paraolimpíadas mudou nas edições seguintes. Se em 1984 havia 345 ouros apenas na natação e 447 no atletismo, em 2012 os Jogos distribuíram 503 láureas no total. A redução tem a ver principalmente com categorias aglutinadas e mudança no programa esportivo.

Essas alterações deram mais peso a modalidades em que os Estados Unidos eram menos dominantes. Além disso, coincidiram com um investimento crescente de outros países no esporte paraolímpico. É o caso da China, 28ª no quadro de medalhas de 1984, que já havia subido para o sexto posto em 2000 e domina as disputas desde 2008. Os asiáticos criaram bases em uma realidade que já estava em transição e puderam planejar desde o início algo que os norte-americanos tiveram de enxergar como transição.

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