Parceiro de Isaquias, Erlon começou no esporte apenas para comprar caderno
Guilherme CostaDo UOL, no Rio de Janeiro
Até este ano, o Brasil jamais havia frequentado o pódio olímpico em provas de canoagem velocidade. Isaquias Queiroz, 22, findou o jejum na Rio-2016 e já somou três medalhas – prata na C1-1000m, bronze na C1-200m e a prata no C2-1000m. Nesta última, teve a parceria Erlon Souza, 25. O segundo canoísta brasileiro a obter uma láurea em Jogos começou a praticar apenas porque queria comprar um caderno.
O episódio aconteceu quando Erlon tinha dez anos. Filho do meio entre três irmãos, o canoísta vivia em uma família humilde em Ubatã, município da Bahia que fica a 384 quilômetros de Salvador. Não passou necessidade, mas tampouco tinha acesso a luxos.
O caderno que Erlon usava não tinha mais espaço, e ele pediu aos pais que comprassem um novo. A mãe, Dona Eliete, alegou que não tinha condições financeiras. O garoto, quando ouviu isso, decidiu começar a trabalhar. Encontrou um emprego como tirador de areia, função que consistia em remar até o meio de um rio, saltar da embarcação e usar uma pá para retirar do solo o material que posteriormente seria usado em construções.
Erlon não tinha sequer um remo para percorrer esse trajeto. Improvisou o adereço com uma vara e uma pá, e assim teve a primeira vivência como canoísta. “Ele sempre foi alguém que correu muito atrás. Isso é muito marcante na personalidade dele”, contou Dona Eliete.
Numa das viagens até o meio do rio, Erlon viu garotos que treinavam canoagem velocidade. Era um programa chamado Segundo Tempo, que também revelou Isaquias Queiroz e funcionou por menos de um ano – foi fechado por problemas na prestação de contas.
“Ele tinha dez anos, e eu disse que era pequeno demais. Ele falou que os meninos poderiam segurá-lo”, contou Dona Eliete. Depois de um mês treinando, Erlon foi a um campeonato em Itacaré-BA. “À tarde, chegou com uma camisa lá embaixo, muito maior do que o corpo, e a medalha no pescoço. Eu o peguei, abracei e beijei. Foi ali que começamos a apostar nisso”, completou.
A lógica de correr atrás permeou toda a trajetória de Erlon no esporte. O canoísta não tinha patrocinadores ou incentivos públicos no início da carreira, e por isso teve de correr atrás de um tipo diferente de apoio. “Eu era diretor da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Ele teria um campeonato em Curitiba na quarta-feira, e no domingo me procurou porque não tinha como viajar. Consegui ajudá-lo, e na quarta ele foi vice-campeão brasileiro”, recordou Wesley Faustino (PDT), vice-prefeito de Ubatã.
O curioso é que a figura propositiva e cara de pau contrasta com uma característica fundamental de Erlon. Sobretudo por fazer dupla com Isaquias Queiroz, que é expansivo e falastrão, o canoísta se destaca por ser quieto, comedido e introvertido.
“Ele é bem na dele. Bem tímido e tranquilo, na verdade. Ele é evangélico, casado, gosta de ficar com a família. A gente senta para conversar, mas ele só dá risada e mal fala”, contou Faustino.