Canoagem

Mago dos números na canoagem moldou o mito chamado Isaquias

Juca Varella/Folhapress
Jesus Morlan, técnico da seleção brasileira de canoagem, posa ao lado de Isaquias Queiroz, Ronilson Oliveira e Erlon Silva imagem: Juca Varella/Folhapress

Bruno Doro e Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

Não foi com Jesus Morlan que Isaquias Queiroz deu suas primeiras remadas. Mas foi ele que transformou um baiano promissor em um mito de seu esporte. Antes dele, nenhum atleta da canoagem (dez fizeram o mesmo no caiaque) tinha subido ao pódio em três provas na mesma Olimpíada. Como ele fez isso? A resposta são os números.

O espanhol é fissurado por contas. Desde que chegou ao Brasil, ele usa planilhas com somas de horas de trabalho, menos horas de descanso para chegar ao atleta ideal. A fórmula é simples: para um canoísta ser competitivo nas Olimpíadas, é preciso remar 4400km e treinar por 750 horas no ano pré-olímpico. “A canoagem é simples. Existem caminhos bem definidos a seguir. Não temos atalhos", costuma dizer.

A linha dura, baseada em números, fez os brasileiros sentirem na pele o que é treinar para os Jogos Olímpicos. Isaquias, Erlon Souza e os outros membros da equipe ficavam isolados em Lagoa Santa. Cada período de treinamento tinha oito semanas ininterruptas, sem descanso. Folgas só a cada 56 dias.

Por isso que, quando disputou sua última prova no Rio, e conquistou a segunda medalha de prata, no C2-1000m ao lado de Erlon, Isaquias só queria pensar em descansar. “Eu combinei com o Jesus que se ganhasse as três medalhas estaria de folga até dezembro. Ontem, falei com ele e ele disse: ‘Só tem duas. Volta a treinar em outubro’. Agora são três, ele só me vê no fim do ano”, brincou o baiano.

A linha dura de Morlan ficou famosa na delegação brasileira. Os canoístas chegaram como o time mais blindado contra a imprensa do Brasil. Em 2016, Isaquias só separou dois dias para dar entrevistas. No restante do tempo, os atletas falaram apenas em eventos oficiais. Mais do que isso: quando o espanhol chegou, a sede da canoagem brasileira era São Paulo. Eles treinavam na raia olímpica da USP, na Marginal Pinheiros. Ele não aprovou.

O técnico, então, visitou seis cidades com grandes cursos de água e escolheu Lagoa Santa, em Minas Gerais, como sede para a seleção. Lá encontrou um lugar ideal de treinamento, com características ideais de profundidade de água e ventos, além de isolamento para seus atletas. Mais do que isso, encontrou tranquilidade para fazer suas contas em paz.

“Em 2012, eu tinha sumido do mapa da canoagem. Nem sei se pensava mais na Rio-2016. Em 2013, o comitê olímpico fez uma contratação muito importante para a gente. Vocês podem ver que depois que contrataram o Jesús Morlán os resultados do Brasil melhoraram muito na canoagem. A gente foi para Mundial na primeira temporada e conseguiu prata, bronze e ouro. Sem ele, eu não teria conseguido essa medalha. O pessoal pode falar que eu tenho talento, que isso e aquilo, mas sem um bom cara para lapidar o diamante você não tem como chegar ao ponto certo. O cara tem cabeça, sabe o que faz”, elogia Isaquias.

O que Jesus fez com o Brasil ele já tinha feito com a Espanha. Seu pupilo mais vitorioso até hoje é David Cal, que se tornou o maior atleta olímpico vivo espanhol, dono de cinco medalhas olímpicas em três edições dos Jogos. Cal chegou a treinar com os brasileiros em Minas, mas não encontrou ritmo para voltar ao esporte competitivo.

A dúvida, agora, é se Morlán terá a chance de levar Isaquias a um patamar superior ao de David Cal. O contrato do espanhol vence neste ano e o COB (Comitê Olímpico do Brasil) decidiu começar a tratar da renovação apenas após a Olimpíada.

"Sempre me recusei a falar sobre o futuro porque sou do norte da Espanha e lá somos muito supersticiosos. Primeiro, o objetivo era lutar por uma medalha que sabíamos que era possível. Os jogos agora acabaram e estamos felizes. Mas eu não falo em ficar ou não. Falo em projeto. Se tiver um projeto de quatro anos, que é como trabalhamos, podemos conversar", completou Jesus Morlan. 

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