Maratona com TVs e patrocinadores adia festas de medalhistas brasileiros

Bruno Doro, Gustavo Franceschini e Pedro Ivo Almeida
Do UOL, no Rio de Janeiro
TV Globo/Reprodução
Martine Grael e Kahena Kunze no estúdio da Globo

“A mídia? De novo não”. A frase, ainda que em tom de brincadeira, da campeã olímpica Kahena Kunze resume o sentimento dos medalhistas brasileiros após cada conquista nos Jogos Rio-2016. Apesar da felicidade por subir no pódio, os atletas não conseguem celebrar imediatamente o sucesso na principal competição esportiva do mundo. Antes da sonhada festa, uma verdadeira maratona de entrevistas com as emissoras de TV, compromissos com patrocinadores e agenda do COB (Comitê Olímpica do Brasil) precisa ser cumprida.

“Só quero meus amigos, dar uma abraço neles e comemorar”, desabafou a bem-humorada Kahena, campeã ao lado de Martine Grael da classe 49ers FX da Vela. “Estou até agora salgada, cheia de areia no tênis. Não sei que horas a festa começa e nem quando vai terminar”, completou, já na madrugada de sexta-feira (19), após a conquista no início da tarde de quinta (18).

Kahena e Martine queriam um banho, trocar de roupa, ver amigos e, enfim, festejar. Coisas simples, mas cada vez mais complicadas para os medalhistas. E outros também passaram por verdadeiras maratonas para conseguir comemorar.

Mayra Aguiar ganhou sua segunda medalha olímpica e pulou na arquibancada para abraçar a família e dar um beijo no namorado. Foi o máximo que a judoca conseguiu. No dia em que ganhou, ficou duas horas, após o pódio, dando entrevistas. Logo depois, falou ao vivo no Jornal Nacional e no canal à cabo SporTV, ambos do grupo Globo, um dos patrocinadores da Olimpíada. Às 22h30, ela foi para o espaço Time Brasil, mais uma aparição protocolar.

Lá, subiu ao palco, dançou com o mascote do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Ginga, mostrou alguns passos de funk e cantou com Preta Gil. A festa durou pouco: uma hora depois, voltou para a Globo, para participar, ao vivo, da Balada Olímpica, programa comandado pelo ex-judoca, também medalhista olímpico de bronze, Flávio Canto.

No dia seguinte, a maratona seguiu. Às 10h da manhã ela estava de volta à casa Time Brasil para dar entrevistas, em uma rotina que terminou perto das 22h.
Era hora, então, de reunir os amigos e festejar com quem sempre a acompanhou. Qual o local escolhido? Justamente a Casa do Time Brasil. Afinal, o amigo Rafael Silva tinha acabado de conquistar outro bronze para o judô.

Seria o lugar perfeito para a festa. Mas como vida de medalhista olímpico não é fácil, já estava cheio. Mayra poderia entrar, mas metade de seus amigos ficaria de fora. Como queria passar o dia com quem a acompanhou diariamente nos últimos anos, a viu suar e chorar para chegar ao auge no esporte, ela procurou outro lugar. Mayra e seus amigos, um grupo de 20 pessoas, encontrou abrigo na Casa França.

TV Globo/Reprodução

Rafaela e o sonho do Mc Donalds

Primeira medalhista de ouro do Brasil na Rio-2016, Rafaela Silva foi também a primeira a sentir a maratona na pele. E no estômago. Entre os problemas que enfrentaria depois de ser campeã olímpica, a fome não era um que ela estava pronta para enfrentar. Pudera: uma pessoa que sente fome diariamente para se manter nos 57 kg de sua categoria nunca imaginaria que ficaria sem comer depois de chegar ao ápice de sua carreira.

Quando foi perguntada sobre o que queria fazer agora que era campeã olímpica, respondeu rápido: “Agora eu só quero comer. Estava segurando o peso”. Seu objetivo, ela disse, era conhecer o Mc Donalds da Vila dos atletas.

Não era para acontecer. Depois de sair da Arena Carioca 2, onde ganhou suas cinco lutas na Olimpíada, ela começou a maratona que todo medalhista olímpico brasileiro deve enfrentar. Primeiro foi aos estúdios da TV Globo, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca – a tempo do Jornal Nacional. Depois, foi a vez do estúdio do SporTV, montado em frente ao portão de entrada da sede dos Jogos.

Ela só chegou à Vila Olímpica perto das 3h, após participar de quatro programas diferentes. Sabe o que ela comeu nesse meio tempo? Dois hambúrgueres, comprados pela equipe de comunicação da CBJ (Confederação Brasileira de Judô) na lanchonete que atende aos jornalistas na Olimpíada.
A lanchonete da Vila, aquela que Rafaela estava ansiosa para conhecer, estava fechada.

E ainda não tinha aberto quando ela saiu, às 9h da manhã, para mais uma maratona. Rafaela foi para o Espaço Time Brasil, um pavilhão montado pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) em um shopping na Barra. Lá, mais entrevistas e fome. “Eu não consegui nada ainda. Só bebi água e suco. Acordei com o pessoal batendo no quarto, querendo abraçar, ver a medalha”, disse a judoca na ocasião.

Já tinham se passado 24 horas da conquista da medalha. E aquela lanchonete da Vila dos Atletas, em que ela poderia comer à vontade e não pagar nada, ainda estava longe da campeã olímpica.

Foi assim com Martine, Kahena, Mayra, Rafaela... O campeão do salto com vara, Thiago Braz, chegou a ficar sem dormir após conquistar o ouro à noite no Engenhão. No início da madrugada desta sexta (19), Alison e Bruno Schmidt conquistaram o título no vôlei de praia. O dia promete mais maratonas, agora para a dupla das areias. E a festa novamente ainda estará longe.