! Casa na Lapa vira refúgio para travestis expulsas das ruas durante os Jogos - 19/08/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Casa na Lapa vira refúgio para travestis expulsas das ruas durante os Jogos

Luiza Oliveira

Do UOL, no Rio de Janeiro

O sobrado fica escondido em uma rua escura da Lapa. Na entrada, a escada leva para o segundo andar. À vista, uma decoração colorida e um sofá desgastado pelo tempo. Mas os rabiscos na parede dão a dica de quem manda ali: as travas! É lá que elas, as travestis, se encontram para socializar. Fumar um baseado, preparar um bolo e cantar feliz aniversário para a amiga. Mais que isso: é onde várias delas conhecem o conceito de lar, algo que lhes foi negado pela família. A Casa Nem virou um refúgio do mundo real.

“A vida de travesti não é fácil. Porque o povo sempre olha a travesti com outro olhar, com medo, com pavor”, resume Daniela Faria, que se mudou para a Casa Nem depois de uma saga entre as ruas do Rio de Janeiro e os abrigos da cidade.

O projeto foi criado pela ativista e prostituta Indianara Siqueira. Ela queria receber meninas desenganadas em busca de uma vida melhor. Durante os Jogos, abriu as portas para quem sentiu na pele a exclusão da Olimpíada.

Vanessa Silva é uma delas. Hoje ela já consegue mostrar mais vezes o sorriso tímido. Passou a se montar com alegria. Bem diferente de quando chegou há algumas semanas, depois de ser enxotada das ruas do centro da cidade, onde morava com o marido. Ela conta que agentes da prefeitura colocaram em prática uma "campanha de higienização", interrompendo até a distribuição de alimentos e cobertores que eles recebiam regularmente.

“Falavam que a partir da Olimpíada a gente ia ser obrigada a sair da rua ou a voltar para o abrigo e que, infelizmente, a gente não poderia sair do abrigo até a Olimpíada acabar. A gente estava dormindo, quieto, sem mexer com nada, vem uma pessoa e te obriga a sair do lugar por causa de Olimpíada”, reclama Vanessa. “A gente chegou a sofrer violência. Meu marido estava dormindo e chegou um guarda com cassetete e começou a bater no pé dele, para ele acordar. Ainda agiu com ignorância: ‘aqui não é lugar de dormir não, já passou da hora de acordar”, completa.

Lidiane Lafayete também chegou à casa depois de passar por momentos difíceis nas ruas. Ela conta como sofreu com a abordagem da guarda municipal em conjunto com agentes da Secretaria Municipal de Assistência Social. "Eles nas ruas nos agridem, vem a van de madrugada para levar as pessoas para o abrigo, eles vão empurrando a gente para a van. Parece uma carrocinha de cachorro".

O abrigo habitualmente não é uma opção para as travestis. De lá, vêm as piores lembranças. Quase todas que hoje estão na Casa Nem já passaram por um deles durante a Copa do Mundo. Elas relatam um histórico de desrespeito - não eram chamadas pelo nome social, tinham que usar o banheiro masculino e recebiam kits de higiene reduzidos, tanto que eram obrigadas a dividir a lâmina de barbear.

“Eles respeitavam por você ser travesti, mas não respeitavam seu nome social. Era uma coisa dolorosa. Eu quero ser chamada de Daniela, a outra quer ser chamada de Scarlet, a outra quer ser chamada de Priscila. Mas não era assim, era o nome civil ali na porta era uma fila. Tinha dias que eu chegava a chorar. A gente tinha horário para tomar banho e tinha que respeitar o horário deles. Enquanto tivesse um machista dentro do banheiro, você não podia tomar banho”, conta Daniela.

Hoje essas meninas podem tentar mudar o rumo de suas vidas. Na Casa Nem, elas têm um lugar decente para dormir e a chance de entrar em um projeto para estudar. Algumas delas estão em busca de emprego. Daniela entrou em um projeto social para a inclusão de travestis e já conseguiu uma vaga para limpeza do restaurante. Está radiante com a primeira semana de trabalho.

Casa Nem abre portas para prostitutas

Mas esse caminho ainda é árduo. São muitas as portas fechadas para elas. Na maioria das vezes, a única saída encontrada é a prostituição. A Casa Nem também recebe as meninas que entram para o mercado do sexo - seja  por necessidade ou porque escolheram esse caminho por convicção. Lá elas estabelecem uma rotina sem depender de nenhum cafetão.

Ludmilla Ferraz diz que quer sair dessa vida, mas ainda precisa do dinheiro. “Para ganhar dinheiro, está sendo [melhor] a prostituição. A gente vai procurar um serviço e não acha. As pessoas fecham as portas. É triste, mas tem que ir para a esquina. É a única opção que está tendo”, afirma.

Mas elas não estão contentes com o faturamento nos Jogos. Além da concorrência com as mulheres, as travestis costumam frequentar mais o centro da cidade. E é na Zona Sul que o turismo sexual é alavancado.

“Eu tenho trabalhado pouco, tenho ido pouco ao meu ponto de prostituição. Mas tem sido melhor, um fluxo maior de pessoas, uma busca maior pelo nosso trabalho, pelo nosso oficio, notório, mas não uma grande coisa também”, diz Sabrina Alves.

Evelyn Gutierrez também está bem irritada. Teve gastos extras e não viu resultado. “Para mim que sou puta, ativista e militante, está uma bosta. A gente faz investimento para pagar site, pagar anúncio e não adianta. Eu paguei R$ 850 de anúncio, meu telefone tocou duas vezes. Hoje de manhã fiz um programa só. Só tenho esses clientes penosos, sem grana pedindo WhatsApp, pedindo foto. Está horrível. Acho que vou sair pelada pela rua porque o site não está dando o resultado que esperei”, afirma.

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