"Quero que o Irã trate mulheres como pessoas", diz feminista do vôlei

Adriano Wilkson
Do UOL, no Rio de Janeiro
UOL
Darya Safai, iraniana que protesta pelo direito de mulheres irem a estádios

No sábado passado, uma foto da ativista feminista Darya Safai, seu rosto triste com as bochechas pintadas nas cores da bandeira do Irã, rodou o mundo. Intimidada por alguns compatriotas, ela precisou baixar uma faixa em que pedia para que o governo de seu país permita que mulheres frequentem arenas esportivas.

Na última segunda-feira, Darya, 41 anos, repetiu seu protesto, mas dessa vez não foi incomodada. Passou o dia dando entrevistas a jornalistas e explicando sua militância a favor dos direitos das mulheres iranianas.

Veja o especial #QueroTreinarEmPaz do UOL Esporte sobre dificuldade das mulheres em praticar esportes

Hoje, via de regra, mulheres não podem frequentar jogos masculinos no Irã, de acordo com uma interpretação própria da doutrina islâmica levada a sério pelo governo.

“Três anos e meio atrás”, explicou Darya após a seleção iraniana ser batida pela russa no Maracanãnzinho, “no vôlei e no basquete era liberada a entrada de todos, e na época um terço do público era feminino. Aí um dia, eles disseram: ‘Não vendemos mais ingressos pra mulheres.’ Hoje estamos tentando ter nossos direitos de volta”.

“Com a ajuda do COI, da Fifa, da federação de vôlei, a República Islâmica do Irã não vai ter outra alternativa a não ser dizer: ‘Ok, nós queremos continuar parte da comunidade internacional, então devemos tratar as pessoas como pessoas.’ Mulheres iranianas são pessoas!”

PILAR OLIVARES/PILAR OLIVARES

Muito apoiada por brasileiros e estrangeiros que se reuniram em volta dela para tirar fotos e mostrar solidariedade, Darya divide opiniões entre os próprios iranianos. Na última segunda, um grupo de torcedores lhe lançava olhares tortos, enquanto outros diziam abertamente que ela não deveria estar ali.

O comerciante Hossein Moezzy, de 46 anos, disse que “ela não representa a verdadeira mulher iraniana e não deveria misturar esporte com política”. Os críticos também apontam o fato de Darya não viver no Irã desde 1999, quando foi morar na Bélgica após passar 24 dias presa por protestar contra o governo.  “Nós viemos aqui para nos divertir e ela só quer aparecer”, disse o comerciante.

“Nossa mensagem não é política, mas é de direitos humanos”, rebateu a feminista. “É sobre igualdade, e a maioria das pessoas do Irã apoia isso. Eles sabem que não podem respirar, não podem fazer nada, não podem sair de casa, fazer festa, beber álcool, ir à praia, não podem viver. As pessoas estão de saco cheio. Por isso que direitos humanos são tão importantes, não podemos viver assim.”

Restrições: apartheid de gênero ou cultura?

No Irã, o aparato policial está atento a qualquer interação entre homens e mulheres considerada inadequada. Um simples aperto de mão entre um homem e uma mulher que não sejam parentes próximos pode render uma visita à delegacia e algumas horas de dor de cabeça.

Sob um argumento parecido – o de que os gêneros diferentes não podem se misturar – mulheres são proibidas de frequentar estádios de futebol em jogos de homens. Nos de vôlei, há algum tempo iniciativas tímidas procuraram abrir espaços específicos para elas nas arquibancadas.

“A cultura iraniana é diferente da de outros países e precisa ser respeitada”, disse Mohammad Reza Dehkhoda, membro do Comitê Olímpico Iraniano durante uma conversa na Vila dos Atletas. “Talvez a sociedade não esteja totalmente preparada para aceitar mulheres em todos os esportes nesse momento.”

“Eles dizem que a religião diz que mulheres não podem fazer isso e aquilo”, afirmou a ativista Darya. “Não podem se divorciar, não podem ter a custódia de seus filhos. Na universidade, ficam homens de um lado, mulheres de outro. Isso é apartheid de gênero, uma ditadura religiosa, um regime de terror.”

Como a “família olímpica” iraniana reflete os costumes do país

Um voluntário iraniano usava bermudas numa tarde quente na última semana no Sambódromo, onde acontecia o torneio de tiro com arco. Se ele fizesse a mesma coisa em seu país, teria problemas com a polícia de costumes porque mostrar as pernas em público é considerado conflitante com os preceitos islâmicos.

“Eu não ligo porque moro na Alemanha”, disse ele. “Mas muitos iranianos quando saem do país evitam tocar as mãos, beijar na bochecha, para não ter problemas e não ter que responder perguntas quando voltarem.”

Duas atletas iranianas disseram, com um sorriso tímido, que não apertariam a mão de um homem não parente por causa “das nossas religiões.” Por outro lado, duas torcedoras que vestiam hijab (o véu que mulheres mulçumanas costumam levar sobre os cabelos) apertam as mãos de qualquer pessoa que estenda a sua.

Vivendo há 17 anos na Europa, Darya Safai acredita que o povo iraniano não é tão conservador quanto o regime islâmico quer sugerir. Ela veio ao Brasil especialmente para divulgar sua luta pelo direito de qualquer mulher entrar em qualquer lugar também aberto aos homens.

“Sou dentista na Bélgica e tenho duas crianças”, disse ela. “Meu marido ficou lá cuidando delas enquanto eu vim fazer meu trabalho.”

Ela promete voltar a levar sua faixa ao próximo jogo do Irã, na quarta. Diz não temer novas reações contrárias. “Já fui presa, não tenho medo, eles não vão me intimidar.”

Procurada, a Rio-2016 disse que, desde que uma liminar garantiu o direito ao protesto nas Olimpíadas, não vem interferindo em faixas e cartazes políticos levados por torcedores. Darya confirma que os homens que a fizeram baixar sua faixa no último sábado foram iranianos, segundo ela, “trabalhando a serviço da república islâmica”.