Turismo olímpico nas favelas é 10% do obtido na Copa do Mundo

Daniel Lisboa, Rodrigo Bertolotto e Vinícius Segalla
Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)
Ugo Soares/UOL
Teleférico é a principal atração turística do Complexo do Alemão

A tocha não passou, o turista não subiu o morro, e a favela não foi convidada para festa. As Olimpíadas e os bairros populares do Rio vivem mundos paralelos nesses dias. Segundo líderes comunitários e comerciantes locais, o movimento chega apenas a 10% dos números conseguidos na Copa do Mundo de dois anos atrás.

“A maior preocupação das autoridades era mostrar a parte boa do Rio, por isso não vieram para dentro da favela. Normalmente, você vê gringos na comunidade. Agora está baixo da média”, afirma Carlos Eduardo Barbosa, presidente dos moradores da Rocinha, a maior favela carioca e uma das mais turísticas.

Tanto na Rocinha como no Santa Marta, os guias dos passeios apontam que o movimento de visitantes é bem abaixo do esperado. Há cinco empresas de turismo no Santa Marta - elas fizeram 20 tours até agora. Em 2014, no Mundial de futebol, foram mais de 200.

As razões para queda são múltiplas. O noticiário deste ano criou temor de contágio de zika e dengue, e também apontou o aumento da criminalidade. Vários consulados, como o dos EUA e da Austrália, alertaram para evitar áreas com histórico de violência.

Por outro lado, o perfil do turista olímpico é diferente do torcedor de Copa do Mundo. É formado mais por famílias e pessoas de meia-idade, mais afeitos ao turismo convencional, com pacotes comprados já no país de origem. Já a Copa trouxe mais jovens, um tipo de visitante que busca mais hospedagens e excursões alternativas e que busca ter uma experiência mais autêntica do país.

Um terceiro fator é que as Olimpíadas são mais intensas que a Copa, o que deixa menos dias livres, sem competição. E a maioria das comunidades fica fora de mão para quem precisa se deslocar para os locais de competição rapidamente.

Alemão sem turistas

“Na Copa e na visita do Papa, foi uma maravilha aqui. Investi para receber os turistas, mas eles não apareceram. Alguns brasileiros chegam aqui, mas os estrangeiros é que não vieram”, disse Dimas Lemos, que tem uma barraca de lanches e açaí no topo de uma das estações do teleférico do Complexo do Alemão.

 

Os artesãos locais também sofrem com as notícias dos tiroteios quase diários no Alemão. Os tiros atrapalharam o negócio da Fabíola Farias, 11. Ela e outras crianças do complexo pintam quadros com as paisagens coloridas de barracos, em um projeto chamado Favela Art. Quando um quadro é vendido, metade do valor vai para a criança que pintou.

Os coordenadores do Favela Art esperavam vender de 15 a 20 quadros por dia durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Para isso, produziram um estoque com as crianças. Foram incentivados pelo projeto Turismo no Alemão, que contou com verba federal para preparar a favela, que foi “pacificada” em 2011 e voltou a ser controlada por facção criminosa recentemente.

“Se vendemos dez quadros desde o início da Olimpíada, foi muito. A verdade é que esconderam a favela nesses Jogos Olímpicos”, disse Cléber Araújo, 40, há 18 morando no Alemão. Ele e sua mulher, Mariluce Mariá, coordenam o projeto Art Favela.

“A maioria dos gringos nem sabe que está tendo tiroteio aqui. O problema é que estão tentando esconder as favelas. Nós já ouvimos de alguns turistas que eles estão sendo aconselhados a não vir para cá. Não foi esse tipo de comunicação que nos prometeram”, diz Cléber.

Favela barrada dos Jogos

Dimas Lemos iria levar seu açaí do Alemão direto para o Parque Olímpico de Deodoro. Ele foi um dos 17 empreendedores gastrônomicos escolhidos para montar barraquinhas e mostrar os alimentos nacionais por lá. Mas a iniciativa foi cancelada duas semanas antes da abertura olímpica, quando Dimas já tinha comprado estoque para trabalhar no ambiente olímpico.

“Iria ter tapioca, queijadinha, vatapá, angu e vários sabores do Brasil. Foi uma decepção para a gente. Depois Deodoro ficou sem comida para a torcida”, contou Sérgio Bloch, que organizou a feira cancelada oficialmente por cortes no orçamento. De urgência, diante da fome dos frequentadores que só tinham pipoca e amendoim para comer em Deodoro, foram convocados às pressas food trucks para vender os nada brasileiros hambúrgueres por lá.

“A Olimpíada ficou para quem é da zona sul. As comunidades ficaram de fora dessa festa”, resumiu Lemos após seu fracasso olímpico.