Natação

Rivalidade entre irmãos ajudou a moldar 1ª negra campeã olímpica na natação

Adam Pretty/Getty Images
Simone Manuel chora no pódio após virar a primeira negra medalhista na natação olímpica imagem: Adam Pretty/Getty Images

Guilherme Costa e José Ricardo Leite

Do UOL, no Rio de Janeiro

Quando tinha nove anos, Simone Manuel interpelou os pais na sala da casa em que a família morava e fez um aviso em tom decisivo: “Eu vou ser uma atleta olímpica na natação”. Parecia um sonho distante para uma menina que tinha começado a nadar quatro anos antes e que ainda flertava com outras modalidades – principalmente o basquete, esporte praticado pelo pai e pelos irmãos mais velhos. Também parecia uma escolha ousada devido a um aspecto que era tabu na época – no alto rendimento, as piscinas ainda eram território inóspito para afrodescendentes nos Estados Unidos.

Nesta quinta-feira (11), Simone tornou-se a primeira negra a conquistar uma medalha de ouro olímpica na natação. A garota resoluta conseguiu muito mais do que havia anunciado. E isso tem muito a ver com uma rivalidade entre irmãos.

Simone é a filha mais nova entre três irmãos. Os mais velhos, Chris e Ryan, sempre foram ligados ao esporte – os pais da nadadora foram atletas até a universidade, e isso influenciou os gostos dos rebentos. Chris e Ryan já praticavam natação quando a caçula começou a frequentar as piscinas.

“Ela não gostava de perder. Era menor, mas queria sempre competir com os meninos e queria chegar ao nível deles”, relatou a mãe da nadadora, Sharron, em entrevista concedida ao UOL Esporte durante a seletiva norte-americana de natação para a Rio-2016, em Omaha, em julho deste ano.

A rivalidade com os irmãos mais velhos acabou fazendo com que Simone se tornasse uma atleta sempre acima da média para sua faixa etária. Isso acelerou consideravelmente o desenvolvimento da nadadora e a ajudou a escolher definitivamente as piscinas. Chris e Ryan já haviam trocado as águas pelas quadras de basquete, mas ela ficou.

Em 2013, aos 17 anos, Simone conseguiu um lugar na equipe que representaria os Estados Unidos no Mundial de esportes aquáticos de Barcelona (Espanha). Conseguiu uma medalha de ouro no revezamento 4x100 m livre. Dois anos depois, em Kazan (Rússia), perdeu rendimento e não conseguiu ajudar o time nacional a manter o título na prova – as norte-americanas ficaram com o bronze em 2015.

Entre os dois Mundiais, Simone empilhou bons resultados nas provas de velocidade disputadas em âmbito local. No entanto, também acumulou performances decepcionantes para alguém que era cercada por tanta expectativa. O rendimento claudicante criou dúvidas sobre a capacidade de desenvolvimento da nadadora.

Mike Ehrmann/Getty Images
Simone Manuel ficou surpresa ao ver que tinha ganho a prova e quebrado recorde olímpico imagem: Mike Ehrmann/Getty Images

Essas dúvidas começaram a se dissipar em 2016, quando Simone encaixou um bom desempenho na seletiva nacional disputada em Omaha. Conseguiu vagas para representar os Estados Unidos em quatro provas das Olimpíadas (50 m livre, 100 m livre, 4x100 m livre e 4x100 m medley). A atual seleção, que também tem Lia Neal, 21, é a primeira equipe norte-americana de natação em uma edição de Jogos que tem duas mulheres negras.

“Eu penso muito nisso e luto para hoje. Tentei tirar o peso da comunidade negra dos ombros – é uma coisa que carrego comigo hoje –, mas gostaria que chegasse um dia em que nós sejamos mais numerosos. Gostaria que não fosse Simone, a nadadora negra. Esse título significa que não devo ganhar ou quebrar recordes, mas eu quero isso tanto quanto todo mundo”, disse a nadadora na última quinta-feira.

Instantes antes, Simone havia feito história. Bateu na parede da piscina ao mesmo tempo em que a canadense Penny Oleksiak e conquistou a medalha de ouro nos 100 m livre.

“Significa muito para mim. Essa medalha não é só minha, mas de todos os afrodescendentes que vieram antes de mim e foram inspirações para mim. Espero poder ser inspiração para outros. Essa medalha é para as pessoas que virão depois de mim. Que entrem nessa guerra e tenham entusiasmo”, pediu a nadadora.

Assim como havia feito na infância, Simone resolveu ignorar o discurso da diferença. Na primeira oportunidade, isso ajudou a forjá-la como atleta – e campeã – olímpica. E agora, afinal, até onde a norte-americana pode chegar?

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