A odisseia dos 40 australianos que só queriam ver um jogo de hóquei em paz
Fernanda SchimidtDo UOL, no Rio de Janeiro
“É uma situação estressante. Quando elas perdem, nós sentimos também. Vimos o duro que deram, acompanhamos todo o esforço dos últimos quatro anos. Então, a família toda está aqui”, contou Scott Sablowski sobre o sentimento compartilhado por todos familiares de sua mulher, a jogadora de hóquei sobre grama da Austrália, Casey Sablowski.
O time havia perdido seus dois primeiros jogos, contra a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, ambos por 2 a 1, então a tensão era aparente na manhã desta quarta-feira (10). Esta talvez seja a terceira e última participação olímpica de Casey, 27, que ainda sonha em levar para casa uma medalha olímpica, após ter ficado na quinta colocação em Londres e Pequim.
“Elas jogaram bem, mas acabaram perdendo. Então, é muito importante que consigam uma vitória hoje”, explicou. Eram 7h30 quando Scott reuniu-se com cerca de 40 torcedores australianos no metrô Cantagalo, em Copacabana, para juntos seguirem até o Centro Olímpico de Hóquei, em Deodoro, onde a equipe feminina enfrentaria a Índia.
Ele estava acompanhado de seus pais, dos pais de Casey e agregados da família, além dos familiares das jogadoras Jodie Kenny e Emily Smith, e dos maridos de Karri McMahon, Kirstin Dwyer e Rachel Lynch. Todos vestidos a caráter, com bandeiras, camisetas, meiões, bonés, mochilas e echarpes em homenagem às Hockeyroos, como o time é conhecido.
O clima era de reunião familiar, apesar da ansiedade. Amigos e parentes aproveitavam para passar o tempo e conversar durante todo trajeto, que incluiu um metrô e dois BRTs. Os ânimos se exaltaram apenas quando o motorista do BRT errou o caminho entrando numa rua indevida e, ao tentar consertar, colocou o veículo no sentido contrário ao da Vila Militar, para onde deveria ir. O tamanho avantajado do ônibus impedia uma simples meia-volta.
“Este é o exemplo perfeito destas Olimpíadas para nós. Como o motorista de um ônibus gigante não sabe o próprio caminho? Tivemos sorte que tinha alguém no ônibus que falava inglês e pode nos explicar o que estava acontecendo, porque muitos dos voluntários não falam. São essas coisas que dão uma impressão ruim deste adorável país”, disse Daryl Downes, casado com a mãe de Casey, Janette Eastham.
O grupo teve de voltar uma estação, descer do ônibus e aguardar o próximo, que já chegou lotado de passageiros. Esperaram o seguinte, fazendo figas para que viesse menos cheio. “Nós vamos entrar nesse não importa o que aconteça!”, gritou Janette, enquanto o veículo se aproximava da plataforma. Eles tinham pouco mais de uma hora para o início da partida, tempo apertado caso as filas na entrada do Complexo de Deodoro estivessem longas como em dias anteriores.
Os contratempos, no entanto, começaram já na vinda para o Brasil. O avião que os levaria de Perth para Dubai pegou fogo e o voo teve de ser cancelado. A alternativa sugerida pela companhia aérea era o voo do dia seguinte, o que faria com que perdessem o jogo de estreia, no sábado. “Tivemos de ir para Abu Dhabi, pegar um ônibus para Dubai, então voar para Paris e depois para o Rio. Era a única opção para que chegássemos a tempo!, contou Scott sobre o início da saga.
Então, logo no primeiro dia na cidade, um dos rapazes teve o bolso dos shorts cortado e a carteira, furtada. A mesma coisa aconteceu com a mochila de Kayleen Sablowski, mãe de Scott. “Não senti absolutamente nada, nem sei onde ocorreu. Acho que foi no trem indo para o campo de hóquei. Por sorte não havia nada de valor para levarem”, comentou a sogra da atleta.
O pai de Casey, Keith Eastham, contou que antes de comprar as passagens para o Brasil amigos na Austrália questionaram a viagem. “Saíram coisas muito ruins na imprensa de lá sobre o Rio. Muita gente perguntava ‘você vai mesmo fazer isso?’”. Mas para ele e a ex-mulher não havia outra opção. Afinal, sua filha entraria mais uma vez em campo de hóquei numa Olimpíada. “Mas não tem sido tão ruim quanto falaram que seria”, ponderou, ainda que na comparação o Rio esteja perdendo. “Aqui, tenho de andar demais. Está pior do que em Pequim em termos de estrutura”, reclamou ele, que se recupera de uma cirurgia no ombro realizada há sete semanas para reparar um tendão.
Apesar dos problemas, eles não perderam o otimismo. “Vai dar tudo certo. Está ótimo”, falou Daryl, o padrasto da atleta. Pouco depois das dez da manhã, estavam todos dentro do centro olímpico, prontos para celebrar a vitória de 6 a 1, sob chuva, e aproveitar para assistir a outros eventos. Scott gosta de prestigiar outras equipes da delegação de seu país, como o rúgbi masculino. “Não tem aquela pressão de estar vendo os seus familiares jogar”, disse.
Vida árdua também para a família
Não são apenas os atletas que sofrem com a rotina pesada para atingir um desempenho de alto rendimento. A família e, principalmente, os maridos e mulheres acabam sendo impactados ao mesmo tempo e em quase na mesma intensidade.
“A maior questão é que eles ficam muito tempo longe. Só neste ano, a Casey passou uns dois ou três meses fora de casa. Todas as competições e a agenda intensa, sem grandes folgas são o principal. O treinamento nunca termina de verdade, em termos de dieta e reabilitação. Ela tem uma folga só por semana, aos domingos, ou alguma semana aleatória depois de um torneio, então nunca conseguimos viajar”, desabafou Scott. O casal começou a namorar há seis anos e se casou em 2014, em uma cerimônia intimista em Bali.
Mesmo com toda a família na cidade, a interação entre eles é mínima durante os Jogos. A quantidade de encontros vai depender do número de partidas disputadas. “Depois dos jogos matinais, ela vai para a banheira de gelo e, então, conseguimos nos ver por uns 15 minutos”, explicou ele. Em Londres, Scott e Casey puderam passar mais tempo juntos devido à localização da vila dos atletas. “Tinha um grande shopping do lado da vila, então a gente conseguia ir tomar um café rápido. Aqui, temos de nos deslocar até mais longe, o que consome um tempo importante de preparação”, falou.
O marido da atleta trabalha como professor de educação física em uma escola voltada para esportes e teve de pedir licença das aulas para poder viajar ao Brasil. Os sacrifícios, para ele, valem a pena. “Coisas como esta aqui [estar nas Olimpíadas] são fantásticas. Poder vê-la competir no nível que está -- no topo de sua modalidade. Fico muito orgulhoso”, disse.
Filha de ex-jogadores de hóquei, Casey vestiu a camisa da seleção australiana pela primeira vez aos 17 anos, e é uma das principais revelações do esporte na última década. Atualmente, é apontada como uma das melhores meio-campistas do mundo.
Após as Olimpíadas do Rio, ela pretende dar uma pausa no hóquei para se concentrar em uma possível gravidez. “Ela não vai se aposentar. Queremos começar uma família, então ela vai ficar um tempo longe e depois veremos o que acontece”, contou o futuro pai.