Infraestrutura

Agentes querem revidar para não passar por "Farsa Nacional de Segurança"

Felipe Dana/AP
11.ago.2016 - Após o ataque a membros da Força Nacional na última quarta (10), oficiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) realizaram operação no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Na ação, houve troca de tiros e apreensão de drogas imagem: Felipe Dana/AP

Felipe Pereira, Vinicius Konchinski e Vinicius Segalla*

Do UOL, no Rio de Janeiro

Quase todos os agentes da Força Nacional convocados para a operação de segurança da Olimpíada de 2016 não estão portando armas. Afinal, foram enviados para o Rio olímpico. Mas, na última quarta-feira (10), eles encontraram o Rio não olímpico no Complexo da Maré, comunidade dominada por traficantes. O resultado foi fatal.

Uma caminhonete na qual estavam três agentes foi alvo de disparos. O soldado Hélio Vieira Andrade, 35, foi atingido na cabeça. Chegou a ser socorrido e passou por cirurgia, mas morreu na noite de quinta-feira (11). O capitão Alen Marcos Rodrigues Ferreira, 41, sofreu ferimentos leves.

Revoltada, a tropa quer pegar em armas e revidar o ataque. A declaração de um soldado ainda no local do incidente, enquanto a perícia era realizada, sintetiza o espírito da Força no Rio: "Eles [traficantes] derramaram sangue nosso. Devíamos meter aço e derramar um pouco de sangue deles também”.

Os agentes só falam com jornalistas sob a condição de anonimato. Ordens, e uma carreira militar de sucesso exige hierarquia e disciplina. Mas os soldados distribuem indignação quando estão entre si. É assim no grupo de WhatsApp da Força ao qual o UOL Esporte teve acesso. O tom das conversas é de não passar impressão de fraqueza da corporação. Ou pior: que o apelido "Farsa Nacional de Segurança", dado por integrantes da Polícia Militar do Rio, pegue entre a população.

A receptividade dos agentes à convocação ao revide foi imediata. Houve quem se candidatasse para a operação de guerra mesmo na folga. A mensagem que queriam, ou querem, passar aos criminosos é simples: um homem da Força Nacional não é só mais um policial morto, e quem confrontá-los sofrerá sérias consequências.

Um integrante da corporação disse no grupo que a inércia encorajaria os criminosos. “Em cada quebrada vai ter um lebre atirando em VTR (viatura) da FN (Força Nacional) porque sabe que não vai dar nada”, escreveu o soldado no grupo. Uma das preocupações mencionadas são os ônibus que transportam a tropa.

Esses veículos carregam entre 30 e 40 homens desarmados. Não é caracterizado como sendo da Força ou qualquer outra instituição. Mas o temor ainda é forte, porque o tiro que matou o soldado Hélio Vieira não foi o primeiro ataque contra integrantes da Força Nacional.

Sem clima de festa

Os brasileiros estavam orgulhosos com o mundo se desmanchando em elogios à cerimônia de abertura da Olimpíada. Mas a noite não foi boa para todos. Foi quando ocorreu o que a Força considera o primeiro ataque. Um ônibus com agentes foi alvo de pedradas na saída do Maracanã. Houve três feridos, incluindo dois policiais de São Paulo que tiveram lesões nos olhos.

Mas o segundo ataque foi fatal. Na quinta-feira, os grupos de WhatsApp e Telegram não pararam durante a madrugada. O comando da Força Nacional se preocupou em manter a tropa atualizada sobre o estado de saúde do soldado Hélio Vieira Andrade. Outra função da mensagem era manter a calma e evitar o clima de vingança que poderia manchar o nome da corporação, da Olimpíada e do Brasil.

Na tarde de quinta-feira, ainda antes da morte do soldado Hélio, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que o ataque não manchava a Rio 2016. Ele estava em um evento na Casa Brasil e falou que os primeiros sete dias foram “extremamente positivos”. Mas medidas adotadas pelo ministro na sequência não convenceram os agentes, como mostram as mensagens do grupo de WhatsApp.

No evento na Casa Brasil, o ministro foi questionado se prender os autores do ataque se trata de uma questão de honra. Respondeu que prender é uma obrigação. Mais uma vez, os integrantes da Força Nacional desconfiam. Eles dizem que já ouviram promessas antes e consideram que nem todas foram cumpridas.

Elisandro Lotin é presidente da Anaspra (Associação Nacional de Praças), cargo que lhe permite dar o nome e falar o que pensa. Ele afirma que as condições de trabalho no Rio olímpico nunca foram ideais. A maioria da tropa estar desarmada gera críticas pesadas. Os agentes que operam máquinas de raio-x, cuidam das arenas e imediações e fazem segurança patrimonial têm no máximo uma arma de choque.

Esse perfil representa a imensa maioria dos cerca de 8,4 mil homens enviados ao Rio. Há ainda o agravante que aproximadamente 3 mil são reservistas – o que no mundo militar significa aposentados. Lotin afirma que era uma "tragédia anunciada" colocar policiais desarmados em uma das cidades mais perigosa do país.

Outra reclamação do presidente da Anaspra é não haver nenhum integrante das autoridades do Rio junto às unidades da Força, fosse um policial nas viaturas ou a escolta de um carro ou moto da PM fluminense. Lotin afirma que é uma "temeridade" se guiar por aplicativos numa cidade em que entrar numa rua errada pode levar à morte. “Na Maré, a contenção é de fuzil” é um pensamento comum entre policiais militares.

O domínio do tráfico na Maré pode ser medido pela precaução tomada na perícia: foram enviados três blindados e 60 policiais ao local do ataque, a Vila do João. Eles circulavam entre muros com pichações do TCP, facção que domina a região.

Política atrapalhando

Inicialmente, a Força Nacional teria 9.600 agentes trabalhando na Rio-2016. Entretanto, menos de um mês antes da Olimpíada começar foi divulgado que só 6.000 agentes trabalhariam nos Jogos. Estados em dificuldade financeira reduziram o envio de seus policias ao Rio.

Governadores que haviam prometido à então presidente Dilma Rousseff ajudar na segurança do evento também reviram seus planos dias antes de o presidente interino Michel Temer assumir o poder. O UOL Esporte apurou que, como o acordo foi com a presidente afastada, os governadores consideraram que não teriam ganho político com esse apoio.

O presidente da Anaspra disse que, a partir daí, ficou claro que o plano de segurança da Olimpíada não seria o ideal. Segundo ele, quem teve que arcar com o improviso foram os agentes da Força Nacional.

“Todo o plano de segurança parecia bonito no papel. Mas nada se concretizou”, afirma Lotin. “O governo resolveu enviar agentes de todo o Brasil para o Rio, mas não deu a mínima condição e estrutura para eles trabalharem”, completa.


Essas falhas apontadas por Lotin foram constatadas logo que a Força Nacional chegou ao Rio, no início de julho. Os agentes foram hospedados em um condomínio do Minha Casa Minha Vida recém-construído. Os apartamentos, no entanto, não tinham mobília e nem chuveiro, além de terem problemas estruturais.

O conjunto ainda fica numa área dominada por uma milícia carioca, que impôs regras aos agentes: “Falaram que só podemos resolver gás e internet com eles. E deram um aviso para que não a turma não fique passeando fardada e com armamento pela região”, contou um agente, que falou com o UOL Esporte dias depois da chegada da Força.

Jornadas extenuantes e exposição a risco

Os agentes têm também trabalhado longas jornadas para darem conta da operação de segurança da Olimpíada. Como menos policiais que o inicialmente previsto, a Rio-2016 tem exigido dos soldados jornadas de até 16 horas seguidas para terem direito a 12 horas de descanso – isso quando não são convocados para emergências.

“Imagine um policial de pé, carregando todos os equipamentos que tem que carregar para o trabalho numa Olimpíada, por todo esse tempo”, disse Lotin, da Anaspra. “É desumano”, completa.

O governo, contudo, não vê problemas na operação. Na quinta-feira (11), horas antes da morte do agente Vieira, o Ministério da Justiça comunicou em nota que as condições de alojamento dos policiais são boas. “O efetivo está em apartamentos novos, de dois quartos (mais banheiro e cozinha) e concentrados num único condomínio, para reforçar sua integridade e facilitar deslocamentos”, dizia o comunicado.

O Ministério defendeu também que a Força Nacional é composta por profissionais experientes, que passaram por seleção e treinamento para a Rio-2016. Por isso, estão preparados para o evento.

O Governo do Estado não comentou o ataque a agentes da Força Nacional no dia da abertura da Olimpíada nem as restrições ao uso de armas durante a Olimpíada.

*Colaborou Aliny Gama

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