A 10 de Marta está nas lojas. Mas o torcedor resiste a pôr Neymar no banco

Luiza Oliveira*
Do UOL, no Rio de Janeiro

Neymar não saiu da Olimpíada. O detalhe é que a irregularidade do astro em jogos pela seleção permitiu a Marta entrar como nunca na área do torcedor. Pela primeira vez a camisa 10 é mais celebrada que seu similar do time dos meninos. Ao menos é o que as redes sociais mostraram nesta semana, com a hashtag #saiNeymarentraMarta bombando. Mas será que a idolatria virtual pela craque se confirma na prática?

Um dos termômetros para verificar essa popularidade é a camisa mais vista nas ruas e estádios. A 10 da seleção é clássica. Fãs desfilam trajando amarelo pelo Parque Olímpico e ginásios. Mas o nome de Marta, eleita por cinco vezes a melhor jogadora do mundo, ainda é raríssimo nas camisetas.

Ok, você pode apontar o caso do menino Bernardo. Sua foto usando uma camisa da seleção com o “Marta” escrito acima de um “Neymar” riscado, além de um coração desenhado, viralizou. Copiar a ideia virou febre em Manaus, sede do time feminino na primeira fase do torneio olímpico. Mas, na fila do mundo real dos torcedores, apenas as mulheres mantêm o discurso de empolgação com a mudança. Muitos homens ainda colocam sub judice o #saiNeymarentraMarta enquanto fardamento do futebol.

“Com certeza eu compraria a camisa dela. A gente assistiu ao jogo da Marta, é uma das melhores jogadoras do mundo, já foi titulada como tal. E eu prefiro hoje em dia muito mais o futebol feminino”, conta a professora Aline Grizolia. A também professora de Educação Física Maria José faz coro.“Sou mais Marta que o Neymar. É uma jogadora de verdade, que saiu do povo e dá alegria para o povo. Eu se eu puder achar a camisa, eu compro”, disse.

Na ala masculina, as opiniões são divididas. Muitos dizem que usariam, sim, um “Marta” nas costas. Mas há quem ainda se sinta reticente de usar o nome de uma mulher. “Acho difícil eu usar porque iriam me ironizar. Mas eu só não usaria pelo nome Marta, pela Marta em si eu usaria porque ela é um diferencial na seleção. Ela dá mais sangue do que aqueles jogadores [da seleção masculina] que estão lá hoje em dia”, disse o comerciante Freddy Harari.

O publicitário André Galhardo, pai dos pequenos João, 11, e Tom, 3, admite que acharia a situação estranha. “Eu tenho um filho, não sei se eu colocaria uma camisa escrito Marta. Tem uma questão de gênero aí. É um estímulo para meninas, mas não vejo um bando de marmanjos usando”, afirma.

“Eu usaria se ninguém falasse nada, mas eu usaria. É que as pessoas dão muito mais moral para o futebol masculino que o feminino, e aí um homem usar a camisa de uma mulher vão zombar”, afirma Henri Farai, 13.

Nem as jogadoras têm

O debate sobre Neymar e Marta como principal atleta de futebol do Brasil virou meme depois que viralizou a imagem de Bernardo. Ele ainda tem um vídeo que está circulando nas redes. “A seleção feminina do Brasil ganhando todas, arrebentando, para mim é símbolo de feminismo no Brasil. Porque elas arrebentam, são as melhores para mim. Acho que ela mereceu totalmente, acho que ela merece essa camisa aqui muito mais que Neymar”, diz o menino.

Mas e quem quiser comprar a camisa da Marta? O uniforme da craque está nas lojas ou é ignorada? O ator global Alexandre Nero chamou atenção para a questão ao se manifestar no Facebook e escrever um textão em que reclama de não ter acesso à camisa.

"Não posso ter uma camisa da seleção brasileira de futebol com o nome de uma das melhores jogadoras do mundo, simplesmente porque algum pensamento medieval de mercado achou que nenhum homem usaria uma camisa com o nome Marta. Continuo sem camisa da seleção, e vontade zero de ter uma", postou.

Quem também endossa as críticas é a própria comissão técnica da seleção feminina. O técnico Vadão diz que nem as próprias atletas têm uniformes, apenas os usados nas partidas. "Muitas vezes as pessoas vêm tirar uma foto e pedem uma camisa, querem comprar. Mas não existe, nem nós temos, nem as meninas. Nós temos só as roupas usadas nas partidas", lamenta o técnico Vadão.

O supervisor Marco Aurélio Cunha põe a culpa na Nike, fornecedora de material esportivo, por não produzir as peças em quantidades maiores. “A Nike não tem sensibilidade de produzir nossos uniformes. Já cansei de pedir. O lojista tem medo de comprar e arcar com prejuízo caso encalhe", afirma.

A camisa está nas lojas

Tanto na loja virtual quanto nas lojas físicas da Nike, a camisa da seleção feminina de futebol está à venda nos tamanhos de PP a GG. Não é possível encontrar a camisa da Marta, nem tampouco a de Neymar. Isso porque não existe customização prévia nas lojas. O torcedor pode pagar um valor a mais para colocar o número e o nome que quiser.

“A Nike não produz nenhuma camisa, seja masculina ou feminina, com customização prévia de nome e/ou número de qualquer atleta. Toda a parte de customização é feita diretamente nas lojas ou no site Nike.com, onde qualquer consumidor tem a escolha de colocar o número e nome que quiser. Isso vale para masculino, feminino ou infantil. Produtos expostos nas lojas com nomes de jogadores são de decisão pura e inteiramente do lojista. A versão feminina está disponível na versão para torcedores, ao preço sugerido de R$ 249,90, e a infantil por R$ 219,90”, explica a empresa em comunicado oficial.

A diferença é que no caso da seleção masculina de futebol existe a camisa na versão jogador, feita com material de tecnologia mais avançada, a mesma que os atletas usam nos jogos. O preço é bem mais salgado: R$ 449,80. No feminino, essa versão não é comercializada.

O UOL Esporte visitou outras duas lojas de artigos esportivos. Em ambas são encontradas o uniforme das duas seleções apenas na versão torcedor. Mas a masculina tem uma demanda muito maior junto ao público. E qual o nome que o pessoal mais quer gravar? Neymar.

“Os clientes vêm à loja e pedem para pôr o número, e grande maioria coloca o nome e o número do Neymar. As crianças pedem bastante. A aceitação é grande pelos torcedores. Não temos uma procura muito grande pelo nome da Marta, mas acredito que daqui para a frente vá ter uma procura maior. Mesmo as mulheres quando vêm, procuram mais o número e nome do Neymar”, afirma o supervisor da loja da Centauro no Barra Shopping, Paulo César Martins.

Museu da CBF esquece Marta

Se nas ruas e nas lojas a preferência é pelo futebol masculino, como a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) lida com a craque Marta? O museu da entidade tem uma ala pequena voltada para a seleção feminina. Lá, os fãs podem ver uma coluna com troféus de conquistas importantes, uma braçadeira de capitã da jogadora Formiga e um monitor que repete lances de jogos. A única referência a Marta são imagens numa televisão.

No caso do masculino, também não há seções específicas a qualquer atleta, nem mesmo a Pelé. Mas muitos jogadores são lembrados de forma mais evidente. No museu, há um grande painel com o nome de todos os jogadores que vestiram a camisa da seleção em pelo menos um jogo. Há também uma ala com camisas históricas, como as que Ronaldo, Thiago Silva e Dunga, por exemplo, usaram em Copas do Mundo.

O gerente de memórias do acervo, Antônio Carlos Napoleão, explica por que não há uma menção específica a Marta.  Ele diz que a ideia do museu é valorizar a seleção como um conjunto, e não como destaques individuais, além de ter um foco maior em Copas do Mundo.

“Diferentemente de um clube onde você tem ídolos históricos por determinadas décadas, a seleção brasileira é a junção de todos os ídolos. A homenagem é para a seleção, não para um jogador especifico. Tem casos emblemáticos de jogadores que se destacaram em Copas e outras competições, mas não ganham a competição sozinho. O peso é o mesmo para todos”, disse. A Marta cai no mesmo contexto do Pelé e de outros grandes craques que tiveram conquistas na história da seleção brasileira porque a concepção do museu é a seleção brasileira, não uma personalidade individual”, completou Napoleão.

*Colaborou Roberto Salim