Flecha da morte e gringos animam o "desfile" do tiro com arco no Sambódromo

“Drama, intensidade, emoção, mistério. Vem aí... a flecha da morte rarara...”. Assim, no assustador estilo, semelhante a brinquedos de terror dos parques de diversão do interior, é que o animador do tiro com arco se referia aos sets de desempate, quando cada uma das três atletas da equipe dispara uma flecha em vez das duas de sempre.
Tensas, atentas e circunspectas. As atletas empunham arcos de 4 kg e 10 mil reais. A 70 m, está o alvo. Além do alvo, elas veriam, se prestassem atenção, os aros olímpicos à frente da obra de Niemeyer que simboliza o sambódromo. A síntese da simbiose. O tiro com arco, esporte de movimentos repetitivos e mecânicos, está no sambódromo, local de movimentos e evoluções criativas.
As atletas, treinadores e árbitros eram recebidos ao som do samba e do remelexo de duas mulatas siliconadas e um passista. Entre os três, havia espaço para fotos. O venezuelano Jesus Soto, que estava ali por diversão, se fartou.
Silêncio, braço esticado, flecha voando. E a alegria vem das arquibancadas. A cada dez ou nove anunciados, a torcida grita muito. Eram poucos, na manhã de muito calor.
Vanessa estava com o marido Hernani e os filhos Beatriz e Heitos. Escolheram o tiro com arco pela mesma razão que tem ingressos para BMX e hóquei sobre a grama: buscar novas emoções. “Queremos conhecer coisa nova, porque o futebol não está muito bom”, diz Hernani.
E como torcer no tiro com arco? “A gente não sabia bem, então gritou Brasil antes e depois do tiro. Quando as meninas se concentravam a gente ficou quieto e também não atrapalhamos as rivais”, diz Vanessa.
Torceram bem. A derrota por 6 a 0 para a Itália poderia ter contornos maiores do que as parciais de 54/50, 52/43 e 56/55, diz Ane Marcele Gomes do Santos, principal arqueira do Brasil. “Os gritos foram ótimos, me fizeram sentir em casa. Ajudaram nos dois dez que eu tirei. Me senti em casa”.
Não foi tão difícil assim. Ela é de Maricá, interior do Rio, e passista do Salgueiro. “A emoção de desfilar é mais alegre, a de competir é mais tensa”, diz.
Eliminada, ela se prepara para as competições individuais. As quartas de final são a meta. E depois, a incerteza. “Ninguém sabe o que vai acontecer, se a ajuda vai continuar. Um arco como esse custa R$ 10 mil e eu não tenho como pagar. Uso este, que é do COB. Não sei se teremos competições, não sei nada”.
Sarah Nikitin, companheira de time e de incertezas, comemora, aos menos, a Olimpíada no Brasil. “Não precisamos passar por qualificatórias, estamos aqui e não sei o que pode vir depois”. Marina Canetta vai na mesma linha. “A presença em uma competição olímpica traz muito de bom para o atleta. Há um desenvolvimento técnico. Agora, é esperar”.
Gringos estão mais acostumados com tiro com arco
Difícil que Ane Marcele ou algum atirador brasileiro consiga ter, algum dia, um torcedor tão entusiasmado como o indiano Hussaini, que comandava, a todos pulmões uma torcida de oito compatriotas. “Nossos ancestrais eram arqueiros há mais de 50 mil anos. O arco é o nosso esporte e tenho 100% de certeza que vamos vencer”.
Devi, Deepika e Laxmirani, alvo de tanta confiança pareciam tímidas após vencer a Colômbia, por 5 a 3. Agradeceram o apoio, deram entrevista e saíram rapidamente. Devi chegou a falar algo sobre o empoderamento feminino. “Cada vitória ajuda a que mais mulheres pratiquem esporte na Índia. Isso é muito importante para mudar a sociedade”.
Na sessão da tarde, a animação melhorou. Haidé Maria usava ao extremo o insuportável barulho de uma matraca para animar a amiga Ainda Román, arqueira mexicana. O que as une não é o amor ao esporte ou laços familiares. “Temos a mesma psicóloga”, diz. O difícil é entender uma profissional ter clientes tão diferentes; alguém que busca a concentração e outra, tão barulhenta e animada.
Os gritos de muitos países se uniam. Ni-pon, Ni-pon, andiamo ragazze e Dé han min guk predominavam. Os japoneses eram comandados por Koichi Sumi, todo uniformizado, incentivando Yuki Aiashi, parente distante.
Dé han min guk é "Coreia, mesmo". Havia muitos no Sambódromo, com bastonetes de plástico que faziam apenas vista e não barulho. A animação vinha das palmas comandadas por... Meriele, carioca da Tijuca. “Tenho um namorado coreano e me apaixonei pela cultura deles”. O namorado não veio.
E as ‘ragazzas’ italianas eram alentadas por jornalistas. Lorenzo Roata era o mais animado. Longe e perto dos microfones. “Sou narrador de televisão. Narro um tiro como se fosse um golaço brasileiro. Eu sou um tifoso, um torcedor”. O contraponto na narração vinha de Sante Spigarelli, arqueiro que disputou as Olimpíadas de 1972, 1976 e 1980.
A Coreia acabou campeã. Pela oitava vez seguida. Com 500 pontos em 540 possíveis. Aproveitamento de 92,6%. Nada mais justo que o trio corresse para galera, comemorando com a torcida.
Durou pouco. Rapidamente as jogadoras saíram e o espaço entre atiradores e alvos foi tomado por 15 passistas, cinco mulatas, uma porta-bandeira e um mestre sala.
O Sambódromo estava de volta ao samba.