Como Felipe Wu ignorou gritos, buzina e confusão para fazer história
Do UOL, no Rio de JaneiroA concentração é vital para o sucesso no tiro esportivo. Um milímetro pode significar a chave da vitória, mas também da eliminação. Felipe Wu é moldado nesta realidade. Responsável por recolocar o Brasil no pódio olímpico da modalidade após 96 anos, o atirador de 24 anos teve que lidar com muito barulho em Deodoro, no último sábado (6), quando ficou com a prata na pistola de ar de 10 m da Rio-2016. Ele conviveu com gritos de apoio, buzina de torcedores rivais e até mesmo um princípio de confusão na arquibancada.
Num dos momentos marcantes da conquista de Felipe Wu, um torcedor russo lançou mão de uma buzina para tentar desconcentrá-lo. Alguns fãs brasileiros não gostaram da atitude, e formou-se um princípio de confusão. Mas a torcida brasileira também se valia do artifício, gritando “Wu, Wu, Wu”, toda vez que um rival do brasileiro se preparava para atirar. O ambiente destoava do padrão nas competições de tiro.
“Eu ouvi o barulho da torcida, a buzina da Rússia, vi que um pouco depois teve uma confusão ou algo assim. Mas eu sempre digo que eu tenho que pensar só em mim, no alvo e na arma. Até porque não existe [mais] regra que proíba o barulho”, afirmou Wu após a conquista da prata.
O barulho durante as provas é uma novidade nas provas de tiro esportivo. Desde 2014, uma nova regra permite a livre manifestação de torcedores no local das competições. Fato novo que fez com que os atletas tivessem que se readaptar ao ambiente de disputa.
Cérebro treinado para não perder o foco
Desde o início do ano, a equipe de tiro esportivo do Brasil aposta na alteração e no treinamento dos cérebros de seus atletas a fim de melhorar a atenção e, portanto, o desempenho esportivo. O método é conhecido como neurofeedback.
Para atingir os melhores resultados, os atiradores têm que manter seus cérebros em uma zona que nem seja muito relaxada, nem tenha ansiedade demais. Tanto que remédios para aumentar a atenção são considerados doping.
O treinamento é desenvolvido pelo psicólogo Silvio Aguiar, ex-atirador olímpico que se especializou nas reações cerebrais. Ele utiliza aparelhos para medir a frequência cerebral dos atletas (presos à testa) em diversas situações, seja parado, de olhos fechados, abertos. Conforme a reação, Aguiar identifica comportamentos cerebrais que representam distrações.
Mas, a partir do momento em que sabe como o cérebro de cada um tem que funcionar, como o psicólogo induz a cabeça do atleta a atingir o ideal? Aí entra uma técnica de condicionamento. O esportista fica na frente de um vídeo qualquer que lhe seja prazeroso, seja uma corrida de carros, seja um filme etc. Enquanto seu cérebro funcionar da forma que mandar o computador, o vídeo continua. Caso ele se distraia, para.
“O cérebro busca o prazer e se afasta do desprazer. Assim, conseguimos uma modelagem cerebral. Queremos um cérebro mais flexível. Queremos reduzir o ruído mental”, contou Aguiar ao UOL, há cerca de um mês. A modelagem é feita em um nível não consciente, isto é, sem que o atleta perceba diretamente.
E o que provoca o ruído mental? Lembrar de experiências passadas ou criar expectativas sobre o futuro na competição, por exemplo, são processos que tiram a concentração do atleta do que ele tem de executar naquele momento na prova. Ou seja, um cérebro de atirador ideal irá apenas se concentrar no presente.
“Você aprende a controlar. É meio complexo, mas importante porque o tiro é com a mente. Me sinto focado só no que estou fazendo, sem pensar no passado ou no futuro”, contou Felipe Wu ao UOL Esporte no mês passado.
Foi assim que Felipe Wu treinou nos últimos meses para situações como a buzinada russa ou mesmo os gritos de apoio da torcida brasileira. O cérebro do atirador paulista é treinado para se fechar, como se ele estivesse em uma ilha deserta. Não pensar no futuro, no ambiente ou no passado. Por este motivo, a frase: "Tenho que pensar só em mim, no alvo e na arma".