Tiro com Arco

Cadeirante, arqueira do Irã vira "rainha da Sapucaí" e ofusca campeão

Harry Engels/Getty Images
Ouro nos Jogos Paraolímpicos de Londres, Zahra Nemati foi convidada a ser porta-bandeira do Irã no Rio de Janeiro, onde ela também disputa a Olimpíada imagem: Harry Engels/Getty Images

Adriano Wilkson

Do UOL, no Rio de Janeiro

Na avenida Marquês de Sapucaí, palco do samba de mestres-salas e portas-bandeiras, os arqueiros fincam os pés firmes no chão de grama sintética, fixam o olhar no alvo por alguns segundos, puxam a corda de seus arcos retesando-os até um ponto em que eles parecem prestes a quebrar e então, de repente, uma flecha corta o ar. Um tiro na mosca são 10 pontos.

Um arqueiro olímpico dispara até 72 flechas por rodada de competição.

A cada série de seis, ele caminha até o alvo em silêncio, confere com um juiz o local exato de cada flechada, anota sua pontuação e assina um documento concordando com a marcação do árbitro. Volta caminhando até sua posição de disparo com o bolso cheio de flechas outra vez, finca novamente os pés no chão e prepara o tiro seguinte.

Mas entre os 128 arqueiros e arqueiras que estão no Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos, tem uma que faz tudo diferente. “Tudo o que eu quero é tirar uma foto com aquela maravilhosa”, diz uma voluntária brasileira sobre Zahra Nemati, iraniana, ex-faixa preta de Taekwondo e cadeirante desde 2003 quando um acidente de carro lhe tirou os movimentos das pernas.

Sentada, Zahra virou a melhor de seu país no tiro com arco

Sem poder andar, ela trocou de esporte e virou referência nacional no tiro com arco recurvo. Seu técnico posiciona a cadeira com as rodas paralelas à linha de tiro e ela dispara o arco, sentada, com naturalidade. Quando toca o sinal e seus adversários caminham para buscar as flechas, Zahra continua parada e abre uma sombrinha pintada com as cores de um alvo para se proteger do sol carioca.

É o técnico quem lhe busca as flechas e conta seus pontos. No primeiro dia de competição, ela conseguiu 609 pontos e a 49ª posição entre 64 mulheres.

Zahra é melhor arqueira do Irã. Depois de ganhar medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos de Londres em 2012, se classificou também para os Olímpicos do Rio e compete com adversários sem deficiência.

Paul Gilham/Getty Images
Kim Woojin, da Coreia do Sul, campeão mundial, bateu o recorde do arco recurvo na sexta-feira imagem: Paul Gilham/Getty Images

Uma rampa foi montada ao lado do estande de tiro especialmente para ela. Na sexta-feira, no dia em que o sul-coreano Kim Woojin quebrou o recorde mundial da modalidade, a atleta mais tietada, a que mais deu entrevistas e tirou fotos com fãs foi Zahra, que atendeu a todos, público e jornalistas, com um sorriso tímido no rosto.

"Eu sempre quis chegar nas Olimpíadas com o Taekwondo e fiquei muito feliz quando consegui no tiro com arco", disse ela de acordo com um voluntário iraniano que traduziu a conversa do farsi ao português. A voz de Zahra é fina e calma, e seu rosto transparece menos idade do que seus 31 anos.

“Eu tive uma sorte muito grande de ter sido escolhida para carregar a bandeira do Irã”, afirmou ela um pouco antes de se dirigir ao Maracanã para a cerimônia de abertura dos Jogos. Os persas trouxeram 63 atletas ao Brasil, entre os quais nove mulheres.

A história de Zahra inspira e anima outras pessoas com deficiência

Fany Inoki é uma japonesa bem pequena que vive de bicos. Já trabalhou como maquiadora, esteticista, alongadora de cílios, cantora, agente de comediante japonês e intérprete do lutador de MMA Lyoto Machida.

No mês passado, uma emissora de TV japonesa a convidou para ajudar na produção de reportagens na Olimpíada. Como Fany mora em São Paulo há décadas e fala português fluente, topou na hora. Estudando sobre os atletas que participariam dos Jogos, ela deu de cara com a foto de Zahra em um livro.

Sua reação foi emocional. “A história dela me lembrou da importância de não desistir. Ela era uma atleta, sofreu o acidente, ela parou de andar, mas continuou sendo uma atleta.”

Fany nasceu com uma perna menor que a outra e caminha com dificuldade. Durante seus 41 anos combateu a vergonha de falar sobre o assunto e aprendeu a conviver com a deficiência.

Quando soube que estaria no mesmo local que Zahra, decidiu que precisava falar com ela, dizer o quanto o exemplo dela e de outras pessoas deficientes a ajudavam a seguir em frente. Depois de uma sessão de treino, quando o trabalho das duas já tinha terminado, Fany tomou coragem e abordou a arqueira.

“Eu queria te dizer que você é muito importante para mim e que eu vou torcer muito para que você se saia bem na Olimpíada”, disse a japonesa, em inglês, com uma barreira de metal separando as duas acima da cintura.

Zahra sorriu e agradeceu, transparecendo surpresa. Fany então tomou coragem e pediu para tirar uma foto com ela. A japonesa saiu segurando seu caderninho de anotações. A iraniana, fazendo um jovial V da vitória.

UOL
imagem: UOL

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