Por que Sarah Menezes teve de mudar para o Rio para sonhar com bi olímpico
Bruno DoroDo UOL, no Rio de Janeiro
Por fora, Sarah Menezes, a piauiense que conquistou a primeira medalha olímpica de ouro de uma mulher no judô, continua a mesma. O olhar é sério e a cara, de poucos amigos. Mas converse um pouco com Expedito Falcão, técnico da judoca desde os nove anos...
Ele sabe que a maior atleta com quem já trabalhou foi obrigada a mudar em quatro anos para não abandonar o sonho do bicampeonato. “Imagine uma menina, de uma hora para outra, ganhar uma medalha olímpica, virar celebridade, ganhar mais dinheiro e poder ir para um restaurante, viajar... Aconteceu isso com ela. E tivemos de lidar com isso”.
Sarah foi a melhor do planeta em 2012, passou por uma fase ruim em que não venceu por quase um ano e chegou aos Jogos do Rio de Janeiro como favorita - sua categoria será disputada no sábado, a partir de 10h. Como? A resposta está no Rio de Janeiro.
Mudar de cidade para crescer
“O nordestino é um povo muito família. A mãe quer sempre os filhos debaixo da sua asa. Por isso foi tão difícil mudar”, explica Expedito Falcão. A mudança, no caso, foi de cidade. Sarah Menezes deixou Teresina e foi para o Rio de Janeiro. E com isso o Piauí deu adeus a sua maior atleta.
Adeus, não. Até logo: “Porque ela não virou carioca. É uma piauiense que está treinando temporariamente por lá”, ressalta o treinador.
Temporariamente ou não, sair de casa foi um grande passo para a judoca. Aos 26 anos, ela está morando sozinha pela primeira vez. Cuidando da casa, lavando a própria roupa, cozinhando... “Estou aprendendo, ainda. É uma parte nova. Eu vario muito, mas faço arroz, batata doce, macarrão, um suco. Almoço sempre em casa. A comida que eu faço”, diz a atleta.
Esse processo de crescimento é importante para ela. Uma maneira de crescer e ganhar independência. Algo que, em Teresina, não estava acontecendo: Sarah era a atleta número um da cidade, uma celebridade, vivia cercada de mimos da família. E os resultados, que a colocaram nessa posição, desapareceram.
9 meses sem conquistar uma medalha
Sarah era a atleta mais constante do Brasil no ciclo olímpico de Londres-2012. Não à toa saiu da Inglaterra com a medalha de ouro. Mas nos últimos quatro anos, as coisas mudaram para ela. Mais conhecida, foi marcada pelas rivais, que sabiam como a brasileira lutava. E a fama pelo ouro não ajudou. Sarah deveria treinar, mas sempre tinha uma participação em um programa de TV, uma palestra marcada, um compromisso com patrocinadores. E Não sobrava muito tempo para a preparação.
Com as lutas mais difíceis e treinos mais leves, as derrotas, claro, apareceram. Entre 2014 e 2015, ela passou nove meses sem conquistar nenhuma medalha em torneios internacionais. Em 2015, só venceu um torneio, o Mundial Militar – sem rivais de nível alto. Nesse período, deixou de competir nos Jogos Pan-Americanos de Toronto e perdeu na primeira luta no Mundial de Astana, no Cazaquistão – em 2014, já tinha saído do Mundial sem vitórias.
“A Sarah atingiu o ápice aos 22 anos. Poucos atletas chegam às Olimpíadas. Pouquíssimos chegam ao pódio. Campeões olímpicos são especiais. Querendo ou não, você dá uma acomodada. Foi isso que aconteceu. E a mudança para o Rio, por mais que a gente sempre tenha sido contra, foi boa para isso. Ela amadureceu”, explica Expedito.
Rotina na cidade olímpica
A mudança aconteceu no fim de 2015. A piauiense se mudou para Jacarepaguá, para ficar perto do CT do Comitê Olímpico do Brasil, onde passaria a treinar – a estrutura foi montada dentro do Centro Aquático Maria Lenk, no Parque Olímpico. Ela treina pelas manhãs com a japonesa Yuko Nakano, uma das técnicas da comissão da Confederação Brasileira de Judô. À tarde, faz musculação, fisioterapia e tem sessões com uma psicóloga, sempre dentro da estrutura do COB ou da CBJ.
À noite, treina no Instituto Reação, de Flávio Canto, ao lado de atletas como a campeã mundial de 2013, Rafaela Silva. “Em Teresina, ela já não tinha mais com quem treinar. Quando ela começou a se destacar, conseguia treinar com os garotos. Que só apanhavam dela. Mas hoje, esses garotos cresceram, encorparam. Um dos poucos que continua no judô tem 80 kg. Não pode mais treinar com ela, que tem 48 kg... Ela tinha só duas meninas com quem treinar. Pensando nisso, a mudança para o Rio de Janeiro foi boa", fala Expedito.
Além disso, a mudança para o Rio também aproximou Sarah e seu namorado, Loic Pietri. Francês campeão mundial da categoria até 81kg, ele ainda não conhece Teresina. "Eu mudei para o Rio de Janeiro. Não tinha porque ele conhecer a minha cidade agora", explica a campeã. A data está marcada para a visita: dezembro. Até lá, os dois vão focar na Rio-2016.
Vivendo o sonho de outra pessoa
Não é à toa que Expedito Falcão comanda a vida de sua pupila tão de perto. Quando Sarah Menezes foi campeã olímpica em Londres-2012, ela estava realizando um sonho do seu treinador. Não dela. “Eu comecei no judô muito cedo, com nove anos. Era brincadeira. Nunca sonhei em ser atleta. O que eu queria mesmo era ser veterinária”, admite a atleta.
“Quando ela chegou eu vi que era diferente. Ela tinha uma garra que você não vê em outras meninas. O Piaui é um estado em que você não vê muitos atletas de ponta. Mas eu sabia que ele era muito especial. Eu sabia que, se a gente trabalhasse direito, um dia ela poderia ser campeã mundial, ganhar uma medalha de ouro olímpica. Então, assim que eu vi o que ela fazia com as outras meninas, comecei a sonhar. Era o meu sonho. Até os 15 anos, a Sarah não sabia nem o que era Olimpíada”, conta Expedito.
Não que tenha sido fácil. A família de Sarah nunca foi muito presente no judô. O técnico lembra de dias em que a judoca precisava perder peso, mas sua mãe continuava servindo a ela o mesmo que toda a família comia. “Tivemos até de comprar uma geladeira para a Sarah manter no quarto, para poder se alimentar de uma maneira melhor”, lembra.
Mas Expedito nunca desistiu. Após as primeiras vitórias, convenceu empresários a apoiar sua joia dos tatames. Montou uma equipe com preparador físico, nutricionista, fisioterapeuta e os resultados apareceram. Em 2007, foi convidada pela primeira vez para participar da seleção principal. Em 2008, já era titular. Em 2012, veio o ouro olímpico. Em 2016, se vier mais uma medalha dourada, Expedito promete dar um tempo para a judoca.
“Quando ela voltou de 2012, tentou enrolar. Eu disse para ela voltar a treinar. Eu só vou dar folga quando ganhar o segundo ouro olímpico. Aí ela poderá fazer o que quiser”.