Olimpíadas 2016

Estudo aponta que Rio terá legado, mas precisa de outro projeto urgente

Buda Mendes/Getty Images
O Rio de Janeiro recebe a primeira edição da Olimpíada em território sul-americano imagem: Buda Mendes/Getty Images

Bruno Freitas e Vinícius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

Os efeitos na vida das pessoas ainda podem ser questionáveis, mas a frieza dos números permite ao Rio de Janeiro e a sua Olimpíada sonharem com o pódio na prova do tão discutido legado para a cidade e seus habitantes.  

Essa é a conclusão de um estudo do Centro de Políticas Sociais da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro). Desde a eleição do Rio pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), em 2009, a cidade evoluiu mais que a média brasileira em praticamente todos os indicadores mensuráveis. “Não foi algo que decolou logo após o anúncio das Olimpíadas, mas sim nos últimos dois ou três anos”, afirma o economista Marcelo Neri, especialista responsável pela pesquisa.

Mas, segundo Neri, o ápice desse plano foi atingido e, agora, vem por aí uma ressaca, cuja cura será o Rio se reinventar. E com urgência. “Independentemente do mérito ou demérito de organização, foi um projeto. E ele acabou. Daqui a três semanas, não tem mais aquilo que se viveu nos últimos sete anos”, afirma.

"Os cariocas costumam ter uma nostalgia depressiva, lembrando os anos da Bossa Nova, da época de capital do país”, analisa o economista. “Mas agora o Rio precisa de um novo projeto pós-olímpico. A mensagem desse estudo é de cautela. O Rio vai ter que fazer o dever de casa, principalmente cuidar melhor das suas crianças”, completa Neri, especialista em políticas públicas voltadas à distribuição de renda e ministro-chefe da Secretaria Assuntos Estratégicos no primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Cidade dos megaeventos

Professor da Universidade de Zurique, o urbanista Christopher Gaffney concorda com o parecer da FGV sobre o esgotamento do modelo carioca que, na visão dele, foi baseado numa política de foco na organização de megaeventos internacionais com fins desenvolvimentistas - ele acompanhou in loco os preparativos para a Copa de 2014 e a Olimpíada.

Gaffney lembra que em 1993, quando César Maia foi prefeito da cidade pela primeira vez, o Rio viu nessa estratégia uma forma de atrair investimentos e incentivar obras na cidade.  “A ideia de realizar uma Olimpíada no Rio surgiu em 1993. Desde então, o Rio recebeu os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada”, lembra o urbanista. “Agora, a cidade já não tem mais um grande evento para atrair. Vai ter que buscar uma nova narrativa e se reinventar”, completa.
 
O professor ressalta que a tarefa não será fácil. “Será preciso ter criatividade. Pensadores e políticos terão que conversar de forma franca para definir um novo rumo para a cidade”, disse. “Eu não acho os megaeventos foram bons para o Rio. Mas a cidade buscou os megaeventos e, agora, precisará se desenvolver de outra forma”, completa.

Para Neri, o novo projeto precisa ter em seu centro a curva demográfica brasileira. O Rio, assim como todo o país, enfrenta um processo de envelhecimento populacional. Isso leva o economista a acreditar que as políticas públicas e o planejamento estratégico precisam passar por temas de interesse da camada mais jovem, principalmente a reforma da Previdência Social. "Estamos entregando uma mochila cheia de pedras para as futuras gerações carregarem. É muito covarde. O Rio é o espelho do Brasil nesse sentido, vai enfrentar esses dilemas com uma população envelhecida", afirma.

Saneamento e transporte

O estudo da FGV indica que os Jogos Olímpicos reverteram uma tendência negativa dos indicadores sociais que o Rio apresentava entre 1992 e 2008. Os avanços aconteceram em categorias como acesso a casa própria, educação, uso de tecnologia e coleta de lixo. Outros aspectos cotidianos do cidadão também foram avaliados, como educação, trabalho, serviços públicos, habitação e transporte - tudo apoiado em uma base de dados públicos.

O termo “legado olímpico” refere-se em geral à projeção dos ganhos a serem colhidos pela cidade após a realização do megaevento esportivo. Mas, no intervalo entre o anúncio e a realização da Olimpíada, já foi possível perceber inflexões relevantes de caráter social, com impacto que alcança, ao menos do ponto de vista estatístico, até mesmo o cidadão da base da pirâmide.

O placar social apontou avanços em 36 categorias e retrocessos em apenas duas, mas vitais - trânsito e saneamento básico. A pesquisa ainda confrontou esses dados com números dos 40 anos anteriores (1970 a 2010). Segundo Neri, a constatação indica um movimento de gráfico em forma de "V", em que antes os índices apontavam para baixo, mas recentemente adotaram tendências de ascensão.

"A gente tinha uma visão que a organização da Olimpíada não impactou o cidadão comum. Mas não é isso que se vê, olhando pelo retrovisor de coisas objetivas. De 27 capitais brasileiras, o Rio foi aquela que apresentou o maior crescimento de renda do trabalho nos últimos três anos, por exemplo", comentou Neri. "Não dá para dizer exatamente que foi a Olimpíada que fez isso com os indicadores. Mas a gente tem uma arma fumegando em mãos. Temos um suspeito preferencial, só não temos o vídeo do sujeito puxando o gatilho", completa.

Além de índices favoráveis em relação a renda, o Rio também celebrou reversão estatística positiva em áreas como habitação, educação e coleta de lixo. Dentre os aspectos que pioraram na vida do carioca, destaque para o transporte. Segundo os indicadores da FGV, o cidadão local teve sua rotina no trânsito impactada: média de 5 minutos a mais no deslocamento até o trabalho e 5 minutos no trecho de volta - ao todo, 4h30 a mais por mês dentro de carros, ônibus, etc. No entanto, esse impacto em particular se credita a todas as obras de melhorias de mobilidade, que devem ser aproveitadas pela população após a realização da Olimpíada.

Mas, na opinião de Marcelo Neri, o saneamento básico foi o pior quesito na avaliação preparada pela FGV. "O Rio não fez o dever de casa. A gente não avançou. Creio que o grande erro desses Jogos foi não ter feito as provas de vela em outro lugar. Mas pelo menos talvez tenha chamado atenção para o problema na Baía de Guanabara. Acho que essa situação reflete a dificuldade cultural brasileira em soluções coletivas", opinou.

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