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Único a não perder casa para Jogos, morador relata 'terror' a mídia gringa

Adriano Wilkson/UOL
Casa de Delmo de Oliveira, a última ainda de pé na Vila Autódromo, ao lado dos destroços da penúltima imagem: Adriano Wilkson/UOL

Adriano Wilkson

Do UOL, no Rio de Janeiro

Dezenas de jornalistas dos países envolvidos na Olimpíada têm procurado nos últimos dias o único morador que manteve sua casa intacta na Vila Autódromo. A comunidade um dia já abrigou quase 3 mil pessoas, mas hoje míngua com 21 casas ao lado dos modernos prédios construídos para os Jogos.

Em apenas três horas, a reportagem do UOL Esporte viu que repórteres e documentaristas de lugares tão diferentes quanto o Canadá, a Suíça e a Estônia procuraram o ex-pescador Delmo de Oliveira, de 51 anos, para que ele contasse sua história de resistência contra a pressão dos governos para derrubar sua casa.

Na quarta-feira (03), seu vizinho Rudney teve a casa demolida por um trator. A de Delmo, três andares improvisados em uma espécie de exoesqueleto de metal, seria derrubada no dia seguinte, mas um mandado de segurança impediu a ação.

“Parece que o prefeito e o governador fizeram um curso intensivo de terrorismo físico e psicológico porque eles têm sido bastante eficientes em tirar as pessoas daqui”, repete Delmo a cada entrevista. “Mas daqui eu não saio. Estamos há 30 anos nessa terra, 30 anos lutando para ficar, e não é agora que vou sair.”

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Delmo de Oliveira relata sua história de resistência ao lado de sua casa; na parede se lê um manifesto que ele escreveu imagem: Adriano Wilkson/UOL

A cada repórter ele diz que nos últimos dois anos a pressão do poder público para remover a comunidade e dar lugar às obras olímpicas foi feita através de cortes de luz e água, ameaças verbais e o uso da força. A maioria cedeu e hoje vive em apartamentos construídos pela prefeitura ou ganharam indenização.

Poucos resistiram e se mudaram para uma pequena rua pavimentada ao lado. Hoje vivem em pequenas casas de dois quartos, um banheiro e um pequeno pátio. A casa de Delmo é a única que mantém sua estrutura original.

O cenário está a poucos metros do centro de mídia do Parque Olímpico, o local que reúne jornalistas do mundo inteiro credenciados para cobrir os Jogos.

Na tarde desta quinta, Yves Boisvert, do jornal La Presse, de Montreal, Canadá, conheceu a história de Delmo com a ajuda de um intérprete. O jornalista participa de sua quarta cobertura de Jogos Olímpicos. “Essas remoções por causa de grandes eventos sempre acontecem, mas não da forma dramática como vemos aqui no Brasil”, disse ele.

“De certa forma, a opinião pública do Canadá e do Ocidente em geral adora os Jogos, mas essas histórias de remoções, essas tragédias que elas geram, fazem as pessoas se questionarem se tudo vale a pena em nome da festa.”

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imagem: Adriano Wilkson/UOL

O documentarista suíço Samuel Chalard acompanha a história da Vila Autódromo há dois anos e pretende finalizar um filme sobre os removidos e os resistentes no próximo ano. Nesta quinta, ele fez mais imagens e entrevistas com os moradores que continuam vizinhos aos Jogos.

“Os que ficaram são verdadeiros heróis”, disse o suíço, que nos últimos anos conseguiu filmar momentos em que o poder público tentou derrubar as casas. “Se não fosse a imprensa, estrangeira e branca, filmando tudo, talvez eu já não tivesse aqui”, cogita Delmo.

Um grupo de jornalistas franceses e italianos se convidou para assistir à cerimônia de abertura, na quinta, pela televisão da casa dele.

Outros veículos estrangeiros passaram a tarde filmando e entrevistando moradores como Maria da Penha, uma liderança da região que hoje mora em uma das casas recém-construídas. “Eu não sou contra a Olimpíada, não”, dizia ela a um jornalista americano, “mas acho que é uma coisa que não é para todos e sim para uma minoria.”

Uma outra moradora, que tinha acabado de se mudar, disse ter fé que as coisas vão melhorando com o tempo. “A gente se acostuma e vai levando”, disse ela enquanto varria a frente de casa. “Vou ouvir as Olimpíadas no radinho porque minha televisão ainda não chegou.”

Segundo a prefeitura do Rio, a remoção das casas da Vila Autódromo foi necessária para as obras viárias no entorno do Parque Olímpico. 

O prefeito Eduardo Paes havia se comprometido a entregar as novas casas para aqueles que não aceitaram sair até o começo dos Jogos, o que aconteceu.

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