Legado olímpico: transporte supera meta; meio ambiente e segurança falham
Acontece na sexta-feira (5) a cerimônia de abertura da Olimpíada. O evento marca o fim do período de sete anos de preparação do Rio para os Jogos de 2016. Cerca de R$ 40 bilhões foram investidos na capital fluminense visando ao evento. Todos esses recursos serviram para custear grandes projetos de mobilidade urbana e revitalização da cidade. Não foram suficientes, porém, deixar um legado contundente para o meio ambiente e para segurança da capital fluminense.
Segurança, sustentabilidade, transporte e revitalização da cidade eram temas centrais do dossiê de 2009 da candidatura do Rio à sede da Olimpíada de 2016. Metas objetivas sobre cada um desses temas foram incluídas no documento visando a garantir que o evento deixasse melhorias para a população. Segundo governos e até o Comitê Organizador Rio-2016, entretanto, em algumas dessas áreas, a capital carioca não avançou como esperado. “Poderíamos ter feito mais na melhoria da qualidade da água”, admitiu a Tânia Braga, gerente-geral de sustentabilidade e legado do Comitê Organizador da Rio-2016, lembrando da Baía de Guanabara e das Lagoas de Jacarepaguá, que ficam ao lado do Parque Olímpico.
A despoluição das lagoas e da baía foram promessas promessa do dossiê de candidatura, de 2009, ratificadas no plano de legado da Olimpíada, lançado em 2014. Na baía, a meta era tratar 80% do esgoto despejado no espaço diariamente. Já nas lagoas, a promessa era o desassoreamento e recuperação. O governo do Estado do Rio ficou responsável pelas tarefas. Não as cumpriu.
Para o oceanógrafo David Zee, esse descumprimento retrata bem o legado ambiental da Olimpíada. “Foi mais uma oportunidade perdida”, disse ele. “Houve alguma melhora na situação da Lagoa Rodrigo de Freitas e em outros aspectos pontuais. Mas as duas grandes metas foram abandonadas. O legado é quase nulo.”
O governo do Rio reconhece o descumprimento das promessas, mas disse que não as abandonou. Segundo o Estado, o tratamento do esgoto despejado na Baía de Guanabara avançou de 11% para 51% desde 2009. Já a limpeza das Lagoas de Jacarepaguá não aconteceu por problemas no licenciamento ambiental da obra, mas ainda faz parte dos planos do Estado.
Rio não ficou mais seguro
A segurança também recebeu atenção especial no dossiê de candidatura do Rio à sede da Olimpíada. Um amplo programa de investimentos e treinamentos de policiais foi apresentado no documento visando à redução da criminalidade na capital fluminense.
Esse programa chegou a dar resultado. Baseado na instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em favelas cariocas, o número de homicídios dolosos na capital fluminense caiu de 2009 a 2015. De janeiro a junho do ano da escolha do Rio como sede dos Jogos, por exemplo, 3.198 pessoas foram assassinadas na cidade. No mesmo período de 2015, foram 2.105.
Acontece que no ano olímpico, a quantidade de assassinato nos primeiros seis meses do ano subiu. Foram 2.459 só em 2016.
Para Paulo Sotari, antropólogo e ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia do Rio, o dado é prova que o legado olímpico de segurança é pequeno. “Houve um avanço, mas não houve a mudança de padrão prometida”, disse.
“O Rio não conseguiu tornar-se uma cidade segura”, ratificou o economista e professor da FGV, Mauro Rochlin. “Isso é ruim também porque reduz o ganho com o turismo que a cidade poderia ter após a Olimpíada. Hoje, um cidadão carioca se sente seguro. Isso influencia na decisão de um turista de viajar para o Rio.”
O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, admitiu ainda antes da Olimpíada o aumento da criminalidade no Rio. Ele lembrou que isso tem a ver com crise econômica do Estado, que comprometeu até o pagamento de policiais. Beltrame disse que, espera que após a Rio-2016, ações que haviam dado resultado anos antes dos Jogos sejam retomadas.
Mobilidade com projetos entregues
Se o legado ambiental e de segurança ficou abaixo do esperado, o de transporte superou expectativas. O dossiê de candidatura do Rio à sede da Olimpíada previu a construção de três corredores expressos de ônibus, os chamados BRTs, e uma extensão do metrô. A cidade ganhou os três corredores e ainda construiu para a Olimpíada uma linha de metrô completamente nova.
Ao todo, R$ 14 bilhões em melhorias no transporte e mobilidade urbana foram investidos visando à Rio-2016. Apesar dos atrasos e aumentos de custo, tudo ficou pronto a tempo para os Jogos. Para Pedro Trengrouse, isso é um ponto positivo. “A cidade recebeu muito investimentos: os BRTs e o metrô enfim saíram do papel”, disse ele. “Esperávamos essas obras há décadas. ”
O pesquisador Martin Muller, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, ressaltou que boa parte do novo sistema de transporte foi idealizado para transportar turistas para áreas olímpicas, o que não é bom. Mesmo assim, vê avanços.
Sobre o desenvolvimento urbano, aliás, o Rio de Janeiro também cumpriu suas principais promessas: revitalizou a região portuária da cidade, viabilizando investimento de R$ 8 bilhões na área, e ainda investiu na infraestrutura urbana da Barra da Tijuca e em Deodoro –bairros com as principais instalações esportivas da Rio-2016.
O investimento em Deodoro, aliás, é um dos maiores legados olímpicos, para Tânia Braga, do Comitê Rio-2016. Por conta da Olimpíada, o bairro do subúrbio, com um dos menores índices de desenvolvimento do Rio, ganhou um sistema de saneamento básico, melhorias no transporte e um parque público, que foi aberto antes dos Jogos.
Esse espaço é o chamado Parque Radical de Deodoro. O local será usado na Rio-2016 nas competições de canoagem slalom, ciclismo BMX e mountain bike. Depois do evento, a corredeira artificial construída para os Jogos será usada como piscina pública pela população. No verão passado, essa piscina já foi aberta para lazer e atraiu milhares de pessoas aos finais de semana.
“Deodoro para mim é um dos pontos altos”, disse ela. “A Olimpíada não pode não ter resolvido todos os problemas no Rio, mas fez muita coisa. Há avanços no saneamento e na mobilidade urbana. Todas as arenas ainda foram pensadas para que não houvesse elefantes brancos. Deixamos um saldo positivo. ”
A Prefeitura do Rio, principal responsável pelas obras da Olimpíada, ratificou que houve muitas melhorias na cidade por conta dos Jogos. Lembrou, contou, que o evento não pode ser visto como uma solução para tudo.
"Os Jogos Olímpicos são um catalisador para a realização de projetos em diversos setores, incluindo meio ambiente e segurança. Porém, não podem ser considerados a solução para todas as questões de uma cidade, sobretudo num período de menos de sete anos", declarou.