Refugiada passou fome e morou na rua em favelas para disputar a Rio-2016
Bruno DoroDo UOL, no Rio de Janeiro
Yolande Mabika chegou ao Rio de Janeiro em 2013 para o Mundial de judô. Fazia parte da delegação da República Democrática do Congo mas nunca chegou a lutar. O presidente da Federação e o técnico desapareceram no segundo dia dos congoleses no Brasil. Nunca mais voltaram. E a judoca passou três dias no hotel, sem poder comer.
O local abrigava todas as delegações convidadas para o evento. Mas não era um hotel comum. Quem estava lá, ao chegar, ganhou tíquetes de alimentação. Os de Yolande ficaram com o presidente que sumiu. Ela tomou café da manhã duas vezes. Almoçou e jantou uma vez. Depois, mais nada.
"No terceiro dia, eu estava fraca. Na minha geladeira, os iogurtes acabaram. Quando bebi a última garrafa de água, decidi procurar ajuda. No hotel, nós falávamos francês. Os funcionários, só português. E ninguém ajudava. Não tinham boa vontade. Então fui até a rua procurar ajuda".
Abordava pessoas, mas a barreira da língua atrapalhava. Após muitas tentativas frustradas, ela passou a abordar apenas negros. A pergunta era: “Você é africano?”. A abordagem era feita em francês. Só uma pessoa entendeu. A levou a um salão onde estavam vários imigrantes africanos. Lá, uma camaronesa ouviu a história. “Ela perguntou porque eu tinha saído do meu país para passar fome aqui. Então eu contei que tinha sido abandonada”.
A congolesa estava com fome e um prato de comida foi comprado. Ela agradeceu, comeu e queria voltar. Mas quem disse que ela encontrou o hotel? "Era tudo muito grande. Muitas pessoas, muitas casa, muitas ruas. Eu me perdi. Fiquei dando voltas, voltas e voltas. E não encontrei mais o hotel".
Ela voltou para aquele salão. Passou dois dias dormindo por lá. O local não tinha banheiro. Foram dois dias sem banho. Então ela foi expulsa. Mulher não podia ficar ali daquele jeito. Então, aquele mesmo homem, agora seu amigo, que a levou para lá alugou uma cama em uma casa dentro de uma favela. Yolande, agora, conhecia os problemas do Brasil urbano.
Ficou na favela por alguns dias. Mas não tinha dinheiro. Acabou sem aquela cama. Não falava português. Não tinha documentos. Era impossível trabalhar. “Eu fiz amigos. Pedia um prato de comida. Um lugar para dormir. Eu pedia 30 minutos, 40 minutos em uma cama. Só para descansar um pouco”.
Até que alguém falou sobre Brás de Pina, um bairro da zona norte do Rio. “É lá que ficam os congoleses. Alguém do seu país vai ajudar”. Ela foi. A história se repetiu e ela acabou em uma favela. “Lá tinham traficantes. E eles estavam fazendo bagunça. Eu saí do Congo na violência. E cheguei ao Brasil e encontrei mais violência”.
Yolande era uma refugiada, mas não sabia disso. Ela encontrou lugar na casa de um novo amigo. Mas a mulher desse amigo ficou grávida. Não tinha mais espaço para ela. E a judoca foi para a rua. Desabrigada. “Chorava todo dia. Saí do meu país no medo. E cheguei aqui e tudo estava ruim. Eu me perguntava: Deus, todo dia vai ser assim? Você me mandou ao mundo para sofrer?”
Não, Yolande. Ele não te mandou para sofrer. Dois anos depois de chegar ao Brasil, o socorro chegou. Flávio Canto, judoca, ouviu a história de refugiados congoleses que tinham vido para uma competição no Rio de Janeiro e acabaram ficando, perdidos em uma favela. Ele foi atrás, descobriu Yolande e Popole Misenga, que foi abandonado junto com Yolande.
Canto, então, chamou os dois para treinar no Instituto Reação. “Passamos a dar uma ajuda aos dois. Era passagem de ônibus e uma cesta básica”, lembra Geraldo Bernardes, técnico que levou Canto a à medalha de bronze dos Jogos Olímpicos de Atenas-2004. Ele é quem dá as aulas no Reação.
Não que fosse tudo uma maravilha. Yolande, nessa época, morava com uma amiga angolana na comunidade do Cordovil. E os treinos eram na Freguesia. “Eu precisava de três ônibus para chegar ao treino. E terminava às 21h. Chegava muito tarde em casa”.
O calvário estava terminando. Um ano depois de começar a treinar com Canto e Bernardes, o Comitê Olímpico Internacional confirmou o convite: Yolande faria parte do time de refugiados nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ela está morando na Vila Olímpica desde a abertura, no dia 24 de julho. Compete no dia 10 de agosto.
“Eu comecei a chorar quando o convite veio. Mas vou chorar mais quando terminar e eu puder dizer que disputei a Olimpíada. Porque eu estou aqui representando todos os congoleses refugiados pelo mundo. E estou representando minha família, que eu amo demais. Não os vejo há 18 anos. Não sei se eles estão ouvindo o que falo. Mas quero dizer que os amo. E que, se eu estou aqui, é por eles. Estou organizando a minha vida para trazê-los para cá. Hoje estou sozinha, mas Deus vai ajudar e vamos nos reunir novamente. Eles estão longe, mas perto do meu coração”.