Brasil se afasta da mídia e até recusa a Vila Olímpica em nome das medalhas
Bruno Doro e Gustavo FranceschiniDo UOL, no Rio de Janeiro
O Brasil tem a sonhada Olimpíada para chamar de sua. E os atletas brasileiros têm transparecido seriedade, sem espaços para brincadeiras. Mirando o top 10 do quadro de medalhas, a maior parte dos favoritos ao pódio da delegação seguem uma cartilha rígida: estão longe da agitação que marca uma Olimpíada.
A Vila Olímpica, a Disney World dos esportes, foi rejeitada por parte deles. Nada de caminhar no sol até o refeitório e encarar filas para se alimentar. Nem distrações de conviver ao lado de astros como Nadal, Bolt e Phelps. Tem gente até bloqueando redes sociais. Pedindo para esposas, maridos, pais, irmãos não ligarem. Os amigos que se contentem com a caixa de mensagens. Entrevistas? Essas sofrem no primeiro corte. Tudo para evitar qualquer distração no caminho do sucesso.
Foi assim com o campeão olímpico da ginástica Arthur Zanetti. Seu técnico, Marcos Goto, o orientou a parar de postar nas redes sociais e o proibiu de dar entrevistas. Vetou, também sua participação na cerimônia de aberturas. E ele era um dos favoritos para ser o porta-bandeira do país. O mesmo aconteceu com Diego Hypólito, colega de Zanetti no time de ginástica e um dos candidatos a medalha na primeira semana de competição.
Dono de três títulos mundiais na canoagem de velocidade, Isaquias Queiroz levou essa estratégia ao extremo. Ele não vai entrar na Vila dos Atletas. Isaquias e seu técnico, o espanhol Jesus Lopes, vão ficar na Urca, onde o Comitê Olímpico do Brasil (COB) montou um QG, pela proximidade com a Lagoa. Além disso, desde o começo do ano, ele concede apenas duas entrevistas por mês para focar completamente nos treinamentos.
O judô também foi mais longe. Literalmente. Os judocas brasileiros estão isolados do mundo em Mangaratiba, no litoral sul do Rio de Janeiro – são cerca de 130 km do Rio de Janeiro e existe um plano de emergência de mandar os atletas de helicóptero para a Olimpíada caso o trânsito apresente algum problema.
A confederação brasileira da modalidade adaptou um hotel dentro de um resort de luxo. Montou um tatame com absorção de impacto e academia com o que mais há de moderno no planeta em dois salões de conferência – revestidos com pisos de mármore. O mais importante, porém, é a segurança: o local conta com casas de personalidades conhecidas e o acesso é controladíssimo. Lá dentro, só quem interessa ao judô verde-amarelo. E o fato de o sinal do celular ser ruim e a internet sem fio ser limitada só ajudou...
"Esse isolamento é muito importante. Mais perto do Rio, existem distrações e você não fica focado no objetivo. Além disso, aqui temos tudo perto. Local de treino, refeitório, academia, fisioterapia. E o uso é exclusivo. É um ambiente positivo", diz o medalhista de bronze dos Jogos de Londres-2012, Rafael Silva. “É importante, também, ter um lugar só nosso para analisar os adversários. Se estivéssemos no ambiente olímpico, nós teríamos de dividir o tatame com outras equipes e não poderíamos fazer trabalhos específicos que estamos fazendo”, completa a campeã mundial de 2013, Rafaela Silva.
A estratégia é mais ou menos a mesma do vôlei nacional. As duas equipes passaram as últimas semanas de preparação internadas no CT de Saquarema. O local sempre abrigou os times nacionais na preparação para grandes competições. Mas, vez ou outra, a imprensa era chamada, para mostrar como as coisas estavam indo. Não desta vez: o público só ficou sabendo do que aconteceu por lá por canais oficiais.
As cenas vão se repetindo em todos os nomes que aparecem nas listas de prováveis medalhistas. Fabiana Murer, do salto com vara, não dá entrevistas há um mês e adiou ao máximo sua entrada no cenário olímpico. Pedro e Evandro, do vôlei de praia, também abriram mão das acomodações oficiais e ficarão fechados nas instalações militares da Urca. As campeãs mundiais do handebol se reuniram no Brasil há algumas semanas. Mas só mostraram três treinos.
Até quem está um pouco mais fora do radar entra nesse ritmo. Na última semana, a equipe de luta fazia seus últimos preparativos na sede da confederação, na Tijuca, em conjunto com a equipe cubana. Com um bicampeão olímpico no time, os caribenhos não evitaram o contato com a imprensa em momento algum. Já os brasileiros, entre eles a vice-campeã mundial Aline Silva, recusaram qualquer entrevista. Equipes do tiro com arco, do medalhista olímpico da juventude Marcus D’Almeida, e do tiro esportivo, do líder do ranking mundial Felipe Wu, também estão evitando dar entrevistas após os treinos. Só os treinadores falam.
Não é uma estratégia centralizada. Não há, ao menos oficialmente, orientação do COB para que se evite a parte festiva dos Jogos Olímpicos. Prova disso é que nomes como Alisson e Bruno Schmidt estão liberados para fazerem exatamente o oposto. Os atuais campeões mundiais e favoritos ao ouro no vôlei de praia decidiram ir à Vila Olímpica assim que pisaram no Rio de Janeiro.
“Eu respeito a decisão de todo mundo. Tem de se sentir bem. Tem gente que se sente bem ficando em casa, gente que se sente bem ficando na Urca... E nós buscamos isso, de acreditar, de estar nos Jogos. Então, a gente tinha de vivenciar a Vila. Estar entre os melhores, trocar experiências”, disse Alisson, medalha de prata em Londres ao lado de Emanuel.