Escola pede para meninas treinarem de calça. Aluna bate o pé e vai de short
Felipe PereiraDo UOL, em São Paulo
As vítimas foram punidas na Escola Professor Remo Rinaldi Naddeo, em São Paulo. As meninas do time de handebol receberam orientação para treinar de calça porque os alunos ficavam olhando demais as garotas. Nicole de Sousa Borges, 12 anos, não quis saber. Desobedeceu a recomendação.
Além do desconforto por correr de calça, Nicole não gosta porque o treino acaba às 13h30, mesmo horário que começam as aulas na escola que fica em Perus, periferia de São Paulo. E uma atitude da garota tem moral perante a equipe. Além de defender o colégio, ela joga pelas categorias de base do Corinthians.
(Esta reportagem faz parte do Especial #QueroTreinarEmPaz. Quando decide praticar esporte quase toda mulher enfrenta uma série de dificuldades que não deveriam existir. Dificuldades que homens não enfrentam. Se você, só porque é menina, já teve problema para praticar esporte, conte sua história nas redes sociais usando a hashtag #QueroTreinarEmPaz)
“Eles falaram que era melhor usar calça por causa dos meninos. Mas, aí, eu falei 'não vou ficar usando calça porque sinto muito calor'. E, como já tenho que ficar para escola, fico muito suada. Aí só treino de shorts e coloco a calça por cima [para ir à aula após o treino]”.
A estudante não tem nenhuma queixa do professor e explica que a sugestão ocorreu por preocupação com as atletas. No mesmo horário, o time de futsal masculino treina em outra quadra.
Ela reclama que até circular pelo colégio com shorts gera problemas e os garotos falam coisas como “nossa que gostosa!”. Para evitar escutar grosseiras, Nicole revela que quando passam entre meninos, as integrantes do time de handebol conferem se o short subiu e esticam o máximo que podem o tecido.
“É chato, muito chato. Eu acho uma coisa não normal porque tem vez que a gente tem que passar e tem que esticar o short porque eles ficam olhando, comentando o que você tá usando. Acaba que não é legal”.
Por causa deste comportamento as meninas do handebol sempre treinam com as arquibancadas da quadra vazias. O professor fecha o portão para evitar o assédio dos alunos do colégio.
Nicole diz que se deixar aberto enche de gente. Há duas consequências desagradáveis: os meninos secam as atletas e atrapalham o treino. Mas mesmo com o portão fechado, um grupo sobe no muro que cerca a escola, que fica separado da quadra por uma pequena faixa de grama, para assistir. Isto em pleno horário de almoço.
“Eles ficam no muro para ficar vendo a gente treinando. Gente da escola que vai mais cedo”.
Pai vê liberdade de Nicole afetada
Dimas Bolivar Borges é pedreiro, tem 48 anos e é pai de Nicole. Ele se diz incomodado em ver a filha passar por esta situação. Em sua visão, o colégio é um lugar de estudo e não é adequado ir como se estivesse vestido para balada. Mas não concorda em impor um padrão de roupa porque os garotos não se comportam.
“Com certeza incomoda. Todo pai se incomoda porque tira a liberdade (da filha)”.
Ele também tem um garoto de 13 anos que joga futebol e hoje está num campeonato na Suécia. Dimas explica que sempre é difícil deixar um filho ir, mas é pior com meninas porque sabe as condições que as mulheres são submetidas.