Olimpíadas 2016

Rede de empresas 'amigas' é suspeita de fraudar licitações do esporte

Daniel Brito e Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio de Janeiro

Investigado pela Polícia Federal, o esquema de fraudes com dinheiro público para preparação de atletas brasileiros para a Olimpíada do Rio-2016 tem a suspeita do uso de uma rede de empresas com o objetivo de manipular licitações. Os indícios apontam que a principal beneficiada é a SB Promoções, do Rio de Janeiro, que obteve contratos no total de R$ 2,4 milhões com verba de convênios do Ministério do Esporte. O UOL Esporte constatou que diversas concorrências vencidas por essa agência de marketing tinham a presença de empresas de familiares, amigos ou funcionários que perderam a disputa.

O uso de verba pública na preparação de atletas funciona assim: o Ministério do Esporte montou um programa de apoio às confederações olímpicas para as Olimpíadas de Londres-2012 e Rio-2016. Para isso, estabeleceu convênios com confederações e clubes esportivos. O dinheiro é público e, portanto, sujeito a regras de concorrência e licitação, mas são as entidades que o administram.

A SB Promoções ganhou 14 licitações ou contratos para prestar serviços de assessoria contábil e na organização dos convênios das entidades esportivas. Entre os contratantes, estavam as confederações de tiro esportivo, tiro com arco, taekwondo, esgrima, entidades paraolímpicas e clubes. No total, a empresa participa de convênios que somam R$ 24 milhões, ficando com cerca de 10% desse total para a gestão.

E como a SB Promoções conseguiu tal volume de negócios?

Para cada contrato é preciso fazer uma concorrência com três propostas diferentes. A reportagem descobriu indícios de que várias das propostas concorrentes à SB Promoções são de empresas de funcionários, familiares ou amigos dos sócios da SB, Sérgio Borges e Maria Aparecia Borges. 

É mais uma prova de que as licitações foram forjadas. O programa “Fantástico”, da Rede Globo, já descobrira que havia assinaturas falsas em algumas das propostas de concorrentes da SB. A Polícia Federal investiga o caso há dois anos e suspeita de fraudes nas disputas e desvio de dinheiro público que deveria ser aplicado na preparação de atletas olímpicos. 

Reprodução/UOL Esporte
Documento com a proposta da Onze Marketing, de maio de 2011 imagem: Reprodução/UOL Esporte

Um exemplo da rede de empresas é a concorrência relacionada a serviços de viagem para seleções permanentes do vôlei paraolímpico, em 2011. A proposta é teoricamente feita pela Onze Marketing, de São Paulo. Mas essa empresa já negou em nota ter feito qualquer proposta de convênio para o Ministério do Esporte. 

Quem assina a proposta da Onze Marketing é Cristien Paterson. Esse é o nome de uma funcionária da SB Promoções à época. Cristien aparece em fotos obtidas pelo UOL Esporte em comemorações da empresa ao lado de Sérgio Borges, dono da SB. O registro do domínio de internet da SB está em nome de Cristien.

Em outro convênio, em 2015, a Confederação de Tiro Esportivo fez uma cotação de serviços de assessoria financeira para um projeto de viagens de atletas para torneios de preparação para o Rio-2016. Uma das concorrentes a apresentar proposta foi a Luxx Marketing, cuja responsável é Juliana Paterson, irmã de Cristien - há foto de ambas juntas. A Luxx Marketing fez uma proposta superior e perdeu a licitação para a SB Marketing.

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imagem: Reprodução

A funcionária da SB Promoções, Cristien, ainda aparece em outra concorrência com verba do Ministério do Esporte. O Grêmio Náutico União lançou um projeto para aquisição de equipamentos de modalidades olímpicas como ginástica e remo. A SB Promoções ganhou a licitação para dar suporte nas compras e nas edições de concorrências. Depois, a empresa Doha Tradings, de propriedade de Cristien Paterson, ganhou o direito ao serviço de acompanhamento e monitoramento da liberação dos equipamentos do remo. Recebeu R$ 44 mil para isso.

A reportagem encontrou outras empresas cujos donos são ligados a sócios da SB Promoções, seja por amizade, seja por parentesco. Entre elas, estão a Alfa Quality, Akarui, MD Consultoria e Arca Turismo. Essas firmas entram nas concorrências e perdem para a SB Promoções, ou para outras empresas. Essa rede de empresas de amigos também é investigada pela Polícia Federal porque pode demonstrar que as licitações foram armadas para favorecer a SB.

O Ministério do Esporte informou aos policiais inicialmente, apenas problemas nas contas da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD). Mas ressalta que não tem como verificar todos os documentos de licitações. “Tínhamos ciência dos primeiros indícios de irregularidade na CBTKD, da SB Promoções e tomamos as providências internas”, contou o ex-secretário de alto rendimento do Ministério do Esporte Ricardo Leyser. “Mas há a questão criminal, que é, por exemplo, a falsificação de documentos. Isso é crime. Quando detectamos uma fraude, passamos ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal. Quando demos prosseguimento a este procedimento, a investigação já estava em curso na Polícia Federal. Fomos procurados pela PF, que já tinha a denúncia, mas não era uma coisa visível, porque a gente só tem relação com a confederação.”

Outros lados

Reprodução/facebook
Cristien Paterson é fotografada ao lado de Sérgio Borges; ao lado, ela aparece com a irmã, Juliana imagem: Reprodução/facebook

Questionada pelo UOL Esporte, a SB Promoções não respondeu sobre a coincidência de empresas de amigos e familiares em concorrências. Soltou a seguinte nota: “Informamos que a SB é uma empresa que está há 19 anos no mercado, já participou de diversos processos licitatórios de órgãos públicos que foram informados por meio do Sincov, e de empresas privadas, obtendo êxito em alguns certamente. Para fins de esclarecimento, todos os processos licitatórios são por meio do Sincov, portanto, todas as empresas interessadas podem participar em condições de igualdade, a exemplo do que ocorre em diversas entidades.”

O UOL Esporte tentou entrar em contato com Cristien Paterson pelo telefone de sua empresa e pelo Facebook, mas não obteve sucesso.

Entre as confederações que contrataram a SB, o presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esporte, Durval Balen, afirmou que vai se colocar a disposição da Polícia Federal para ajudar na investigação: “E vou, inclusive, sabe do que se tratar. Porque sei, depois da denúncia do Fantástico, que há problemas num convênio de 2010, mas eu só assumi a confederação em 2014”, disse ele. “A licitação é publicada, é um documento público, aparece quem quer ou pode. Fazemos o pregão eletrônico, que é um procedimento muito recomendado, e se apareceram três concorrentes, porque temos que fazer investigação nas duas que perderam? Se for para analisar, que façamos na empresa vencedora. Mas até agora não há nada.”

O presidente da Confederação de Esgrima, Gerli dos Santos, não quis comentar o assunto. E o presidente da Confederação de Taekwondo, Carlos Fernandes, não foi encontrado. 

O Grêmio Náutico União explicou ter feito dois convênios com o Ministério do Esporte, no total de R$ 7,3 milhões. Um teve as contas auditadas pelo Ministério e o segundo ainda não se encerrou a prestação de contas. “Os editais foram publicados no SICONV, possibilitando a participação de empresas interessadas, que encaminhavam para e-mail projetos@gnu.com.br as propostas. Em ambos os casos, a SB Marketing foi a vencedora, aliando atendimento aos critérios de seleção e menor valor. Se houve alguma irregularidade, o Clube desconhece, pois sempre cumpriu os processos licitatórios de acordo com a norma vigente.”

O ex-secretário de alto rendimento do Ministério do Esporte Ricardo Leyser, ressaltou que a responsabilidade dos convênios é das entidades esportivas. “Quando o Ministério fecha o convênio com a confederação, a entidade não diz com quem vai fazer contratos. Ao Ministério, essa empresa só terá alguma visibilidade na prestação de contas. Aliás, um ponto que precisa ser esclarecido diz respeito às atribuições; A Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento, que é quem faz os convênios com as confederações, cuida do aspecto técnico. Quem vê a prestação de contas é o departamento de prestação de contas, onde há técnicos especializados para isso.”

Para Leyser, os problemas nos convênios com participação da SB não inviabilizam tiram o mérito do programa do programa de investimento do Ministério do Esporte: “Existe país sem crime? Não dá para dizer que a polícia não funciona porque os crimes continuam a ocorrer. Ou então, seria o mesmo que falar que a Receita Federal não consegue coibir a sonegação. Mas qual país tem zero porcento de sonegação? O que o taekwondo fez seria o equivalente a uma pessoa que manipula uma nota de despesa com médico para apresentar no imposto de renda. O Estado não tem como ver a tudo e a todos.”

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