Nadador que se aposentou aos 22 por álcool e drogas vira zen para Rio-2016

Guilherme Costa
Do UOL, em Omaha (EUA)
Reuters
Anthony Ervin foi campeão olímpico aos 19 anos. Aos 22, deixou o esporte para tentar ser astro de rock

O nadador mais rápido dos Estados Unidos já foi usuário assíduo de álcool, cigarro e outras drogas, acumulou diversas passagens pela prisão e até fraturou o ombro em um acidente de motocicleta quando foi perseguido por policiais. Além disso, abandonou o esporte aos 22 anos, época em que era considerado um dos melhores do planeta nas piscinas, porque o sonho dele era ser astro de rock. Classificado para representar o país no revezamento 4x100m livre da Rio-2016 e livre das semifinais nacionais dos 50 m livre, Anthony Ervin, 35, não é apenas o mais velho na equipe norte-americana. Hoje adepto de um estilo de vida zen, também é o atleta com história de vida mais cheia de altos e baixos.

A relação conflituosa de Ervin com o esporte remonta à infância do nadador. Aos dois anos, ele escapou da supervisão da mãe e caminhou até a piscina da casa em que a família vivia. Não chegou a mergulhar, mas causou um trauma nos pais, que contrataram uma empresa para instalar uma cerca de metal em volta do tanque de água. A partir daquele momento, a piscina transformou-se em uma metáfora de liberdade para o garoto.

Ervin era uma criança de comportamento extremamente arredio. Os pais resolveram colocá-lo em um time local de natação para tentar incutir no filho um pouco de disciplina, mas isso teve outro efeito: a piscina, antes sinônimo de liberdade, passou a representar compromisso e limite. Aos nove anos, quando já havia obtido destaque em âmbito regional e quebrado recordes da Califórnia, o pequeno nadador já queria deixar o esporte.

Antes de chegar ao ensino médio, Ervin começou a intensificar os arroubos de comportamento. Quando ficava nervoso, xingava excessivamente. Além disso, desenvolveu tiques e passou a piscar numa velocidade incomum. Os pais o levaram a um neurologista, que diagnosticou a Síndrome de Tourette, transtorno psiquiátrico hereditário.

O relatório do médico mexeu com a autoestima de Ervin. O garoto que já tinha um comportamento errático entendeu aquilo como se ele tivesse “problemas no cérebro”. Isso intensificou reações e aumentou os problemas do nadador com disciplina. Pouco depois, por exemplo, Ervin foi expulso de um campeonato regional porque ateou fogo em lençóis do hotel. Para ele, era apenas brincadeira.

Ainda assim, Ervin era um dos nadadores mais rápidos e promissores dos Estados Unidos. E o desempenho, como costuma acontecer no esporte, mascarou uma série de problemas. Ele ganhou uma bolsa integral na universidade de Berkeley, onde encontrou mais liberdade. Começou a beber muito, experimentou maconha e passou a usar diferentes tipos de droga.

Mesmo com problemas fora da piscina, Ervin chegou ao auge no esporte

Foi esse repertório que levou Ervin pela primeira vez aos Jogos Olímpicos. Em Sydney-2000, o nadador norte-americano conquistou a medalha de ouro nos 50 m livre e ainda integrou o time que ficou com a segunda posição no revezamento 4x100 m livre. Um ano mais tarde, venceu os 50 m livre e os 100 m livre no Mundial de esportes aquáticos disputado em Fukuoka (Japão).

Era o auge da carreira esportiva de Ervin. Fora das piscinas, as coisas também haviam ficado mais intensas. Pouco mais de um ano depois do ouro olímpico e meses depois do sucesso no Mundial, o nadador tinha desenvolvido uma rotina pesada de álcool e drogas. Foi preso e teve uma série de apagões. “Foi uma fase que agora parece repugnante. Não era um estilo de vida viável. Eu não podia seguir lidando com aquilo”, contou o atleta.

O período de degradação incluiu uma tentativa de suicídio. Ervin, que toma medicação por causa da Síndrome de Tourette, engoliu uma enorme carga de comprimidos e caiu desacordado. Não morreu, e isso teve reflexos gigantescos nos excessos fora do esporte: “Eu não consegui me destruir, e isso me fez pensar que talvez eu não pudesse ser destruído”.

Tentativa de suicídio e a aposentadoria precoce

Isso levou o nadador a testar limites. Em 2004, aos 22 anos, Ervin abandonou o esporte e a faculdade. Adotou dreads no cabelo, começou a cobrir o corpo com tatuagens, comprou uma motocicleta e começou a investir na carreira musical. Tudo que ele queria era virar um astro de rock.

Foi um período de experiências. O ex-nadador tentou diferentes religiões, conheceu drogas, viajou e mudou muito. O gosto musical, por exemplo, migrou do hip-hop para artistas como David Bowie. “Comecei a me distanciar de coisas que eram classicamente masculinas e deixei de ouvir aquelas canções misóginas que costumava escutar quando era atleta”, relatou Ervin em entrevista à revista “Rolling Stone”.

O distanciamento do esporte também fez Ervin abrir mão dos símbolos de suas conquistas. A medalha de ouro de Sydney-2000, por exemplo, ele doou à Cruz Vermelha em uma campanha para arrecadar fundos para vítimas de um Tsunami na Ásia. O artefato foi vendido no site “eBay” e rendeu US$ 17 mil.

Nos anos em que ficou longe do esporte, Ervin tentou seguir a vida como músico – toca guitarra – e DJ. No entanto, o mercado estava difícil. Essa foi a principal razão para ele ter aceitado um convite de um ex-companheiro de equipe e iniciado um trabalho como treinador de crianças.

Como as crianças fizeram campeão olímpico voltar a nadar

Quando começou a treinar garotos, Ervin reencontrou o prazer. Voltou a estudar e conseguiu uma graduação justamente em pedagogia. Paralelamente, ingressou em uma reabilitação em 2010. Em 2012, voltou aos Jogos Olímpicos e conseguiu um quinto lugar nos 50 m livre.

No ano seguinte, em Barcelona, Ervin fez parte do time norte-americano que ganhou a medalha de prata no revezamento 4x100 m livre no Mundial de esportes aquáticos. O retorno do nadador estava completo. “Ou talvez eu ainda tivesse algo a provar”, ponderou o atleta nesta semana.

O processo de retomada de Ervin foi acompanhado por uma mudança no estilo de vida. O nadador abraçou rotinas que ele mesmo descreve como “zen”. Depois de anos em que procurou formas de escapar, finalmente descobriu que gostava do processo.

“Em 2000 eu nem pensava sobre o que ia acontecer no futuro. Vivia o momento e pronto. Agora eu tenho uma série de planos e interesses, mas ainda tenho muitas escolhas a fazer. Espero poder definir isso depois dos Jogos”, disse Ervin. Em 2016, o nadador lançou um livro chamado “Chasing Water” (“Perseguindo água”, em tradução livre) para relatar todos os altos e baixos de sua vida.

Na seletiva da natação dos Estados Unidos, em Omaha, ele obteve um lugar no revezamento 4x100 m livre e fez o melhor tempo das semifinais dos 50 m livre. A prova decisiva da modalidade em que Ervin foi medalhista acontecerá na noite deste sábado (02), com início previsto para 20h45 (de Brasília). O nadador é o segundo mais velho na história a representar o país na modalidade em Jogos Olímpicos – perde apenas para Jason Lezak, que tinha 36 anos em 2012.

“Eu ainda tenho sonhos e quero conquistar coisas. Estou curtindo muito o momento e estou feliz com tudo que está acontecendo, mas espero poder fazer mais”, concluiu o atleta.

No braço esquerdo, que é totalmente coberto por tatuagens, um dos desenhos de Ervin é uma frase sobre “perseguir sonhos”. Anos depois de uma das carreiras mais atribuladas do esporte, ele só quer mostrar que isso é suficiente.