! Apagar a tocha olímpica é crime? Para polícia sim; para juristas, não - 01/07/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Apagar a tocha olímpica é crime? Para polícia sim; para juristas, não

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

De acordo advogados especialistas em direito penal, apagar ou tentar apagar a chama da tocha olímpica não é um crime tipificado no Código Penal Brasileiro. Na última semana, três pessoas foram presas por tentarem.

Uma delas, Daniel Ferreira, de Cascavel (PR), passou dois dias na cadeia por acionar um extintor de incêndio perto da tocha. Ele também disse que protestava contra o governo Temer, acusando-o de promover um golpe de Estado.

Mas um juiz de primeira instância relaxou a prisão, e o acusado foi solto na manhã desta sexta-feira.

Na decisão, o juiz Marcelo Carneval entende que “é fundamental distinguirmos manifestações/protestos de crimes e contravenções penais.” Na visão do magistrado, Daniel ter tentado apagar a tocha foi um protesto legítimo, não um crime.

Delegado diz que prisão é pra 'não manchar imagem do país'

O delegado Adriano Chohfi, da Polícia Civil de Cascavel, discorda, mas respeita a decisão judicial. Ele prendeu em flagrante Daniel enquadrando-o no artigo 163 do Código Penal, que trata do crime de “dano”.

Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

O delegado também disse que o crime seria qualificado (com pena maior), já que a tocha, em seu entendimento, seria parte do patrimônio público. A prisão em flagrante seria uma forma de “dar o exemplo” a potenciais novos manifestantes.

“Tem que ser dado exemplo pra que não ocorra esse tipo de manifestação agressiva no Brasil e no mundo”, afirmou o delegado. “Eu fico pensando: pra quê tem segurança [no revezamento], Guarda Nacional, polícia, tudo, se e o Judiciário entende que não é crime apagar a tocha. Então a gente quer que apague a tocha? Acho que deveria ter uma atitude mais enérgica.”

Advogados dizem que ato não está tipificado no Código Penal

Marcio Guedes Derti, advogado e professor de direito penal, entrou com um pedido de habeas corpus para soltar Daniel. Seu entendimento é que a tentativa de apagar a tocha não seria um crime por não estar tipificado na legislação. Ela não caberia no artigo 163, apontado pelo delegado.

“Não é crime, portanto ele não podia ser preso. Além disso, houve ausência de dolo, ou seja ele não atuou com a intenção de causar dano a nada ou a ninguém”, disse o advogado. E acrescentou: “A liberdade de expressão é um direito de todas as pessoas.”

Outro advogado sem relação com nenhum dos casos disse concordar com esse entendimento. William Cezar Pinto de Oliveira, criminalista e professor de direito penal, afirmou que “o crime de dano pressupõe a intenção de destruir, inutilizar ou deteriorar” e que ele “não vê que as pessoas tenham agido com essa finalidade” nas manifestações em torno da tocha.

Apagar a tocha poderia ser uma contravenção penal?

O Brasil tem uma lei de contravenções penais, editada em 1941. Contravenções são atos menos graves do que crimes. Nessa lei existe um artigo no qual manifestações contra a tocha poderiam, em tese, ser enquadradas:

Art. 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembleia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave;

Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Mesmo assim, muitos juristas questionam a constitucionalidade da lei. Daniel Guimarães Zveibil, defensor público de São Paulo, afirma que até seria possível enquadrar protestos nesse artigo, mas isso seria uma “interpretação conservadora”.

“O delegado é a primeira autoridade que faz o juízo”, disse o defensor, “e se a tocha não ficou inutilizada, no máximo ele poderia [fazer o suspeito] assinar um termo circunstanciado e soltar o rapaz.”

“Teoricamente poderia ser apurado até se houve um abuso de autoridade”, disse o defensor sobre o fato de Daniel ter ficado dois dias preso por um ato não tipificado como crime.

Outra manifestante pagou fiança e vai responder em liberdade

Uma mulher que protestava na passagem da tocha em Maringá (PR) também foi presa na última quarta-feira, mas pagou fiança de aproximadamente um salário mínimo e vai responder em liberdade.

O delegado Osmir Ferreira a enquadrou no crime de dano ao patrimônio público, argumentando que, mesmo que ela não tenha consumado o ato, houve a tentativa e de que a tocha é “patrimônio imaterial da nação brasileira”.

Ela também responderá pelo crime de desacato porque, segundo o delegado, ela teria ofendido os policiais militares que a abordaram.

O que diz a organização da Olimpíada

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Rio-2016 disse que não ia comentar o assunto.

Topo