! Leo nasceu sem braço, aprendeu a nadar com boto e agora dirige. Com os pés - 21/06/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Leo nasceu sem braço, aprendeu a nadar com boto e agora dirige. Com os pés

Adriano Wilkson*

Do UOL, em Manaus

Eu conheço um garoto que nasceu sem os dois braços, com uma perna maior que a outra e que até os três anos não conseguia andar. Um dia ele conheceu alguns botos de água doce e esses curiosos animais, que têm fama de encantados, mudaram a vida dele.

O menino não apenas começou a andar, como também virou campeão estadual de natação, competindo contra pessoas com braços e pernas intactos. O que aconteceu foi simples: ele aprendeu a nadar emulando o movimento dos botos, exímios nadadores que também não têm força nos membros de cima.

Como os botos, o garoto usa a potência do abdômen e a flexibilidade da coluna para se mover na água. Ele também aprendeu a segurar o fôlego por muito tempo, já que não pode ir à superfície com tanta frequência quanto nadadores que dão braçadas.

Grato aos amigos aquáticos, ele se engajou em um projeto terapêutico que aproxima botos e seres humanos, buscando benefícios mútuos para as duas espécies.

Leonardo Cavalcante, que todos chamam de Leozinho, nasceu e vive em Manaus. Por ocasião da passagem da tocha pela cidade, telefonei para encontrá-lo. Hoje ele está com 18 anos.

Ele me escreveu de volta: “Nos encontramos amanhã às 10h.”

Às 9h51 eu estava dentro do nosso ponto de encontro, uma loja de departamentos na periferia de Manaus. Ele me escreveu outra vez. “Tô chegando aí na frente.” E logo depois: “Em um buggy preto.”

Do outro lado da rua, efetivamente ele estava lá, dirigindo seu simpático veículo recreativo. Um carro pequeno para um corpo pequeno, a manga da camiseta pendendo dos ombros sobre os braços inexistentes.

Na falta deles, Leozinho usa apenas os pés para guiar o buggy. Com o direito segura o guidom; com o esquerdo troca a marcha e pisa no acelerador ou no freio, conforme o caso.

Quando me aproximei, ele abriu um sorrisão generoso e, sem tirar os pés do guidom e da caixa de câmbio, apontou com a cabeça ao banco do carona e me perguntou:

“E aí, tens coragem?”

Adriano Wilkson/UOL
imagem: Adriano Wilkson/UOL

Eu disse que tinha e demos uma volta pelo bairro. Leozinho me assegurou que sabia muito bem o que estava fazendo, e realmente dirigiu com destreza pelo trânsito movimentado da cidade. As pessoas em volta deram tchauzinhos quando passamos, e algumas sorriram da situação insólita de um motorista sem braços dirigindo com o pés.

Adriano Wilkson/UOL
imagem: Adriano Wilkson/UOL

Na casa dele – uma construção modesta meio de madeira, meio de tijolos – ele estendeu sobre a cama suas medalhas e me contou como tinha ganhado cada uma. “Como eu não tenho os braços, alguns professores me deixam competir com pés de pato. Assim equilibrava um pouco mais as coisas”, explicou.

De vez em quando seu celular tocava. Nessas situações, Leozinho agarra o aparelho com os dedos de um dos pés e o posiciona no pescoço – ele tem uma flexibilidade incrível nas pernas. É também com a ponta dos pés que ele digita na tela do celular.

Com os ombros ele cozinha. Com os pés joga videogame. Com o queixo, costumava escalar umas prateleiras que ele tem no quarto, mas parou de fazer isso quando um dia caiu e quase se estrepou no chão.

Adriano Wilkson/UOL
imagem: Adriano Wilkson/UOL

“Tem alguma coisa que você gostaria de fazer e não consegue?”, pergunto. Ele sorri e diz: “Tudo que eu quero, eu dou um jeito e faço dar certo.”

E em seguida me mostra um vídeo em seu celular que gravou a partir de um drone, um aviãozinho que ele pilota com os pés: um para guiar a máquina e o outro para controlar a câmera.

Sim, ele está fazendo isso também.

No dia seguinte, Leozinho estaria no comboio dos condutores da tocha olímpica de passagem pela cidade em seu caminho ao Rio de Janeiro. Acompanharia o “Tio Igor”, o fisioterapeuta que primeiro teve a ideia de usar botos na terapia de crianças e adolescentes com deficiência.

Porém, acabou não aparecendo no revezamento porque teve prova na escola. Tio Igor conduziu a tocha sozinho, representando o projeto da bototerapia.

Após a nossa entrevista, Leozinho me ofereceu uma carona em seu buggy até perto do hotel onde estou hospedado. No caminho, se mostrou empolgado com um festival de carros rebaixados que aconteceria logo mais na cidade. “Vou rebaixar todo meu buggy”, disse ele, explicando como faria cada modificação no carro.

“Chegamos”, Leozinho anuncia. “Daqui um táxi até o hotel vai ser coisa de R$ 5.” Nos despedimos e eu sigo em frente.

Horas depois, ele me escreve outra vez.

“O que achou?”

“Muito bom. Você dirige bem.”

“Quanto deu o táxi?”

“R$ 20”

“Muito caro. Ele lhe roubou. Era pra ser 10.”

***

*O repórter viaja a convite do Bradesco

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