Olimpíadas 2016

Judoca brasileiro que vai à Rio-2016 precisou de "jeitinho" por faixa preta

Daniel Zappe/MPIX/CBJ

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

Ney Wilson, gestor-técnico de alto rendimento da CBJ (Confederação Brasileira de Judô), recebeu da confederação a incumbência de avisar aos atletas que haviam sido convocados para os Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro – são sete categorias no masculino e sete no feminino, e o país tem direito a inscrever um lutador por peso. Na quinta-feira (01), quando a lista foi anunciada, o dirigente não titubeou ao eleger quem havia se surpreendido mais com a notícia: Rafael Buzacarini, 24, que representará o país no meio-pesado (até 100kg). O judoca que desbancou Luciano Corrêa, 33, campeão mundial em 2007 e medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos do ano passado, ganhou a vaga apenas na reta final. Antes disso, precisou superar reprovação em peneiras, problemas com peso e a dificuldade para obter a faixa preta.

Em competições internacionais, é obrigatório que judocas usem faixa preta. Buzacarini, hoje o melhor brasileiro no meio-pesado, é profissional desde 2010, mas chegou somente até a marrom – a escala de cores tem a ver com o grau de evolução técnica dos judocas. Até o ano passado, acumulou tentativas malfadadas de atingir a cor que define a elite da modalidade e precisou pegar faixas emprestadas.

“Tem uma competição em São Paulo chamada Paulista por faixa, e o campeão ganha a preta. Eu participei várias vezes, mas perdia no começo ou na final. Estava até desistindo”, contou Buzacarini em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

No ano passado, depois de o judoca ter perdido mais uma vez a disputa do Paulista, a CBJ ofereceu a ele uma faixa preta. Dessa forma, mesmo depois de ter desistido de brigar pela cor, Buzacarini não precisou chegar aos Jogos Olímpicos como o único judoca brasileiro de faixa marrom – a situação era motivo de piada entre os próprios atletas da seleção.

A história da faixa preta é um bom resumo da trajetória de Buzacarini no esporte. O judoca de Barra Bonita, no interior de São Paulo, também sofreu para começar na modalidade – foi reprovado em três peneiras do Projeto Futuro, na capital, e cogitou desistir.

“Eu fazia os testes, e depois eles anunciavam na internet. Nem chegaram a falar nada. Eu sempre olhava, via que meu nome não estava lá e me desanimava”, contou o atleta.

Depois da terceira negativa, Buzacarini foi convencido pela mãe a fazer uma investida derradeira. Em 2010, disputou os Jogos Abertos do Interior por Jaú, cidade do interior paulista que fica perto de Barra Bonita. Aproveitou que a competição foi sediada em São Caetano, na Grande São Paulo, e pediu ao técnico da equipe local uma chance de treinar por ali.

Foram duas semanas de treino em São Caetano, onde Buzacarini conheceu um de seus ídolos: Carlos Honorato, 41, medalhista de prata no judô de Sydney-2000, fazia parte da equipe da cidade.

“O Honorato disse: ‘Esse menino não vai aguentar o treino’. Mas aí eu acabei ganhando várias competições no mesmo ano em que fui para lá, em 2010, e me destaquei. Aí eu acho que o pessoal começou a acreditar em mim”, contou Buzacarini.

Já em São Caetano, o judoca teve de superar mais uma questão que parecia irreversível: controlar a balança. Buzacarini chegou a ter 120kg, o que o colocava entre os judocas mais pesados, e precisou cortar drasticamente para chegar ao corpo atual.

“Quando eu virei atleta profissional era mais gordinho. Pesava uns 120 quilos. Eu emagreci, mas minha genética não é tão favorável. Tenho de estar sempre me policiando e preciso ser regrado. Comecei a ter resultado dentro do tatame e gostar. O pessoal fala que vai sair para comer e eu tenho de pedir calma. ‘Eu sou gordinho ainda, gente’. Não posso ir na onda dos outros”, disse o atleta.

Classificação de última hora foi a mais desgastante no judô brasileiro

Buzacarini ganhou a vaga na Rio-2016 apenas nos últimos meses. A CBJ definiu o ranking mundial como critério básico para escolher os atletas que representariam o país nos Jogos, e ele fechou o ciclo na 24ª posição. Com isso, tirou da competição o experiente Luciano Corrêa, 27º do planeta.

Corrêa, um dos judocas mais respeitados e mais próximos da comissão técnica, já tinha definido que a Rio-2016 seria sua última competição pela seleção brasileira. Entre os preteridos, ele foi o único que soube pessoalmente que não estaria nos Jogos.

“No ciclo eu fiquei sempre atrás dele no ranking, mas no final passei. Sempre fiquei com o pé atrás porque o Luciano é medalhista de Mundial e é mais experiente, mas estava confiante. Sei que estou fazendo boas lutas e boas competições”, avaliou Buzacarini.

O judoca soube na terça-feira (31) que seria um dos representantes do Brasil na Rio-2016. Foi informado por Ney Wilson em uma conversa por telefone.

“Ele disse que tinha uma má notícia para mim. Quando eu perguntei o que era, disse que eu teria de treinar dobrado nos próximos meses porque iria aos Jogos Olímpicos. Eu nem desliguei o telefone e comecei a gritar. Acho que ele deve ter escutado”, contou Buzacarini, ainda sem jeito com todo o assédio gerado pela classificação.

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