Infraestrutura

Se Rio-2016 não abrir as contas perderá credibilidade, diz ministro do TCU

Alan Marques/Folhapress
Ministro Augusto Nardes é responsável por fiscalizar o uso de recursos públicos na Olimpíada imagem: Alan Marques/Folhapress

Jefferson Puff Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

O recente apelo do Comitê Rio-2016 por R$ 270 milhões para "salvar" a Paraolimpíada é "falta de planejamento", já que os organizadores reiteraram ao longo dos preparativos que usariam somente recursos privados e agora há cada vez mais injeção de dinheiro público nos Jogos, avalia Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) encarregado de fiscalizar o uso de recursos públicos na Olimpíada.

Em entrevista à BBC Brasil, Nardes afirma que o TCU pressiona para que todas as contas do Comitê Rio-2016 sejam divulgadas e diz que há 30 auditorias em curso relacionadas ao uso de verbas públicas nos Jogos.

"Se não abrirem (as contas) eles perdem a credibilidade junto à opinião pública", opina o ministro.

Alguns exemplos são os aportes estão a segurança nos locais de competição e inspeções de raio-X na entrada das arenas, que eram responsabilidade do comitê e passaram ao Governo Federal, assim como a garantia do fornecimento de energia elétrica no Parque Olímpico.

Além disso, Nardes ressalta a doação de R$ 2,9 bilhões da União ao Estado do Rio, os R$ 120 milhões já repassados ao Comitê Rio-2016 para as cerimônias de abertura e encerramento e mais R$ 100 milhões que podem ser enviados pelo governo federal aos organizadores para ajudar a "resgatar" a Paraolimpíada (ainda são discutidos outros R$ 150 milhões podem vir dos cofres municipais do Rio).

O Comitê Rio-2016, no entanto, diz que não fez uso de dinheiro público na Olimpíada. "O fato de que fomos capazes de realizar os Jogos Olímpicos no meio de uma crise como a qual nos encontramos sem usar recursos públicos é algo histórico. Estamos muito orgulhosos disso porque é algo que nos permite sermos transparentes em nossos números", disse Mario Andrada, diretor de comunicação do comitê.

Sobre a Paraolimpíada, Andrada justifica a necessidade de ajuda do governo por conta das tímidas vendas de ingressos. "O motivo pelo qual receberemos recursos para os Jogos Paraolímpicos é porque as vendas de ingressos e o patrocínio estão abaixo das nossas expectativas. De 2,3 milhões disponíveis, nós vendemos cerca de 300 mil, ou seja, cerca de 12%", explica.

A quantia que o Comitê Rio-2016 pede ao governo deve ser usada basicamente para serviços para clientes e atletas, incluindo passagens aéreas e alimentação.

Leia os principais trechos da entrevista com Nardes:

BBC Brasil: Como o senhor classifica o acesso às informações financeiras e ao orçamento dos gastos com a Olimpíada, com relação à transparência dos gastos do Governo Federal, Governo do Estado do Rio, Prefeitura e Comitê Rio-2016?
Augusto Nardes: Nós tínhamos solicitado isso com relação a várias obras que estavam sendo feitas e eu tive uma reunião com o ministro do Esporte no dia 4 de agosto, e eles começaram a publicar, (ainda que) parcialmente. Mas já estão publicando mais detalhes sobre os gastos com a Olimpíada como um todo, que se aproximam de R$ 40 bilhões, entre Estado, município e União.

BBC Brasil: A Justiça Federal proibiu a liberação de novos recursos públicos para financiar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos até que o Comitê Rio-2016 abrisse suas contas. O Comitê recorreu e um desembargador revogou a decisão. Como o TCU vem acompanhando essa questão?
Nardes: Vamos continuar fiscalizando, especialmente quando os recursos saírem da União, seja do Governo Federal diretamente ou das estatais, para verificar se estão sendo bem aplicados e se não está havendo desperdício desse dinheiro ou sobrepreço.

BBC Brasil: Embora o Comitê Rio-2016 reitere que seu orçamento é 100% privado, sabe-se que o Governo Federal já assumiu gastos como a segurança dos locais de competição (no interior e no controle de raio-X) e a garantia do fornecimento de energia elétrica no Parque Olímpico. Além disso, o comitê e seus patrocinadores e prestadores de serviço receberam isenções fiscais no valor de R$ 3,8 bilhões e o Estado do RJ recebeu recentemente R$ 2,9 bilhões para garantir a segurança da Olimpíada. Isso poder servir de justificativa para a abertura das contas do comitê?
Nardes: O TCU vai fazer um levantamento do que foi gasto pela União com a segurança, e esperamos que o Estado e o município façam o mesmo, para não ficar essa história de que foi o Comitê Rio-2016 que fez os Jogos sem participação do governo.

Ficou claro na recente reunião com o presidente interino Michel Temer no Parque Olímpico que sem o apoio da União - especialmente sem a doação de R$ 2,9 bilhões ao Estado do Rio - não teria sido possível realizar os Jogos. Portanto tem que haver transparência em todo o conjunto.

Eu não fui o relator da matéria, mas foi o TCU que liberou o envio dos R$ 2,9 bilhões ao Rio. Foram feitas todas as demandas, mas sei que o fato de existir um estado de calamidade pública na área da segurança deu o caráter de excepcionalidade à questão.

As isenções fiscais também são uma decisão política. É uma decisão que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente afastada Dilma Rousseff tomaram lá atrás. Não cabe a mim comentar isso, mas somente verificar se a aplicação dos recursos foi correta ou não.

BBC Brasil: Como encarregado de fiscalizar o uso dos recursos federais nos Jogos, qual é sua preocupação com o legado da Olimpíada e da Paraolimpíada? Acha que vai ter valido a pena, no futuro, todo o investimento público na realização desses megaeventos?
Nardes: Eu acho que a segurança melhorou, mas a preocupação de que ficasse um legado permanente para o Rio de Janeiro foi um dos itens que eu discuti com o governador e com o secretário de segurança, José Mariano Beltrame.

Como o Rio é a porta de entrada para o turismo no Brasil, uma das cidades mais importantes do país, o legado para a segurança deveria ser permanente. E aí o que me preocupa é que o Estado e o município demonstrem mais organização para isso, para que não seja somente a União colaborando em determinados eventos como está acontecendo com os Jogos Olímpicos.

BBC Brasil: Em outubro do ano passado, o Governo Federal revogou um artigo da "Lei da Olimpíada" em que se comprometia em sanar déficits do Comitê Rio-2016. No novo governo, já houve R$ 2,9 bilhões doados ao Rio para segurança e R$ 120 milhões para as cerimônias de abertura e encerramento. Agora cogita-se enviar mais R$ 100 milhões para a Paraolimpíada. O que explica a liberação de mais verbas públicas?
Nardes:
O que se pode verificar é que não houve um planejamento adequado do Comitê Rio-2016 e da organização porque disseram que não iam precisar de dinheiro público e agora recorrem à União. Isso é falta de organização.

BBC Brasil: No caso da Paraolímpiada, há disposição de a União investir R$ 100 milhões e a Prefeitura do Rio, R$ 150 milhões, após apelo do Comitê Rio-2016. A União estuda fornecer patrocínio por meio do BNDES, Caixa Econômica Federal e talvez Petrobras. Como o TCU vê a decisão de fornecer esse aporte emergencial não programado?
Nardes:
Não posso emitir posição quanto à decisão política. Só podemos tomar posição quanto aos gastos. Nossa preocupação vai ser proteger o dinheiro público. Vamos fiscalizar e auditar e já estamos acompanhando tudo isso.

São cerca de 30 auditorias em curso atualmente, com relação aos recursos públicos empregados nos Jogos. Segurança, ambiente, infraestrutura e legado são algumas das áreas. Quando esse trabalho estiver finalizado, poderemos dar um parecer mais claro. Se ficar comprovado que as estatais estão dando recursos à Paraolimpíada, caberá a nós fiscalizar.

BBC Brasil: O TCU espera que o Comitê Rio-2016 abra 100% de suas contas ao público? Dadas as transferências de recursos públicos, o senhor considera aceitável que as contas permaneçam fechadas?
Nardes:
Eu acho que se não abrirem eles perdem a credibilidade junto à opinião pública. Seja com recursos privados ou públicos, deve haver uma demonstração disso para a sociedade. A transparência é fundamental.

BBC Brasil: No passado o senhor manifestou preocupação com o legado positivo dos Jogos, como uma forma de verificar se as verbas públicas foram bem empregadas. Recentemente o TCU cobrou do prefeito Eduardo Paes e do Ministério do Esporte mais detalhes sobre o plano de legado para o Parque Olímpico. Como ficou isso?
Nardes:
Tive uma reunião recente com o ministro do Esporte e, depois de muita insistência do TCU, o Ministério disse que vão se feitas quatro escolas em uma das arenas e que a piscina olímpica do Estádio Aquático virará duas piscinas.

Quanto a Deodoro (outro polo olímpico), ainda não está bem claro o que vai acontecer com as instalações da canoagem slalom, que eu acho que seria muito interessante que ficassem com a confederação da modalidade. No dia 4 de agosto, um dia antes da abertura dos Jogos, o ministro do Esporte nos entregou um plano que estamos avaliando.

Agora, a nossa preocupação com o relação ao legado é que venhamos a ter o desempenho que a Inglaterra está tendo nos Jogos do Rio, por ter sido a última sede. Um dos grandes legados vai ser o número de medalhas do Brasil em Tóquio, em 2020, com base na estrutura que vai ser deixada para o esporte brasileiro.

Um grande legado seria a construção de uma política nacional de apoio ao esporte no Brasil, que não está estabelecida ainda, apesar de a lei prever isso há 13 anos.

BBC Brasil: O fato de que a grande maioria das medalhas do Brasil nos Jogos ter sido conquistada por atletas patrocinados pelas Forças Armadas seria um indicativo da ausência de uma política nacional de apoio à formação de atletas de base impulsionada pelo Ministério do Esporte?
Nardes:
Isso é uma demonstração de que as confederações precisam se organizar melhor. Os militares conseguem ter um melhor desempenho porque são mais organizados. Isso mostra de certa forma a timidez de algumas confederações e a falta de verbas do Ministério do Esporte na formação de atletas de base.

Topo