Crise fez Rio-16 virar questão "secundária" no Brasil, diz Rodrigo Pessoa

Fabio Aleixo e Gustavo Franceschini
Do UOL, em São Paulo

A menos de quatro meses para o início da Rio-2016, a imagem dos Jogos ainda não está no dia a dia do brasileiro. A visão de Rodrigo Pessoa, maior nome do hipismo nacional e medalha de ouro na modalidade em 2004 é que a crise política e econômica do país tem tudo a ver com isso. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o cavaleiro avalia que os Jogos são uma preocupação secundária para o torcedor verde-amarelo.

“Esses problemas dos últimos meses tomaram mais atenção do público que coisas boas dos atletas. Zika, mormo, mensalão, petrolão, corrupção, Petrobras e lava-jato... Isso daí infelizmente tomou espaço porque são problemas gravíssimos. A nossa preparação e a vinda dos Jogos pro Brasil são secundárias em vista desses problemas que afetam o dia a dia dos brasileiros”, avaliou o cavaleiro em uma conversa que ocorreu na última sexta, dois dias antes da aprovação do processo do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados.

A declaração é uma resposta à pesquisa divulgada na semana passada pela empresa Hello Research, que entrevistou 1.200 pessoas em cinco regiões do Brasil e apontou uma realidade complicada para o esporte no país: oito de cada dez entrevistados não sabem citar o nome de um atleta olímpico. Esse cenário com o torcedor distante da Rio-2016 é sintomático, mas não chega a surpreender Rodrigo Pessoa, que em agosto se tornará o primeiro atleta a representar o país em sete edições dos Jogos.

Em uma entrevista de pouco mais de meia hora, Rodrigo fala sobre o reconhecimento que recebe do público, seus planos para o futuro e a impressão dos estrangeiros sobre a crise no Brasil. Leia os principais trechos a seguir:

Imagem do Brasil no exterior está péssima

Esses assuntos são gravíssimos no nosso país. Mesmo morando fora a gente não deixa de ser brasileiro. Esses assuntos nos dão muita tristeza. A imagem que está passando do Brasil no exterior é uma imagem péssima. É o que a gente fala com outros concorrentes. Não sei se todos têm um interesse político importante, o [interesse] deles é: ‘Será que a Olimpíada vai estar pronta? Vai conseguir entregar uma boa Olimpíada?’ Essa é a maior preocupação dos atletas, mas eu acredito que o nosso Comitê Olímpico e o Comitê Organizador possam passar por todas essas dificuldades e entregar bons Jogos. Mas a gente com certeza lamenta muito o momento difícil que o Brasil está passando, especialmente para quem vive no Brasil.

Nota da Redação: Embora sua família seja do Rio de Janeiro, Rodrigo Pessoa nasceu na França e nunca morou no país – atualmente vive na Bélgica.

Estrangeiros têm medo e Jogos serão afetados

Obviamente o Brasil nunca teve uma reputação de país seguro. Infelizmente a gente sempre teve esse problema de crime sempre muito alto, de assalto, então a gente tá acostumado a ouvir isso. Aos estrangeiros que vão ao Brasil a gente sempre avisa para tomar cuidado porque infelizmente não é um país seguro. A gente está passando por muitos problemas. Esse problema político abala. Não tem problema maior que esse. Estamos pensando no impeachment da presidente do país. É algo muito sério. Vai afetar os Jogos de uma maneira ou outra. É um assunto gravíssimo, mas acho que o Brasil merece uma conduta melhor dos seus dirigentes. Espero que isso tudo sirva para uma coisa: que a gente possa ter um Brasil melhor para nossos familiares.

Zika pode afastar estrangeiros da Rio-16

O zika é um problema que afeta todo mundo. É uma preocupação importante, uma coisa que é muito difícil de controlar. É um risco que se está tomando. Aí cada um tem de decidir o que vai fazer, é um problema que é difícil de solucionar e infelizmente está chegando em uma hora péssima. Vai deixar muita gente em casa que gostaria de assistir ou até participar das Olimpíadas.

Depois da Rio-2016, é hora de repensar a carreira

Como eu já falei antes, depois dessa Olimpíada vou tomar um pouquinho de tempo para tomar meu rumo depois. São agora 27 anos de carreira internacional, eu não tenho a vontade e a energia do Ian Millar [canadense que vai à sua 11ª Olimpíada] de continuar a montar com 70 anos. O que eu vou fazer é tomar um tempo, refletir um pouco no que eu vou fazer. Tenho algumas possibilidades, mas nada de concreto. Quero tomar um tempo depois da Olimpíada para pensar nisso. Qualquer que for o resultado, bom ou não, vou tomar tempo para pensar no que fazer.

Por que o esporte olímpico não é tão conhecido no país?

Sempre se pode conhecer mais. Se o futebol não tomasse tanto espaço e os problemas do país não tomassem tanto espaço no jornal, poderia ser mais conhecido. Mas isso é um trabalho que as confederações têm de fazer, que o COB tem de fazer. As companhias têm de utilizar mais atletas olímpicos em propagandas para poder promover mais esses atletas, para promover o esporte de cada um. Com a situação econômica que o país vem enfrentando, muitas firmas estavam com orçamento apertado e não conseguiram dar a mesma visibilidade que teriam gostado utilizando atletas para poder ter mais espaço na mídia. Esses problemas dos últimos meses tomaram mais atenção do público que coisas boas dos atletas. Zika, mormo, mensalão, petrolão, corrupção, Petrobras e lava-jato... Isso daí infelizmente tomou espaço porque são problemas gravíssimos. A nossa preparação e a vinda dos Jogos pro Brasil são secundárias em vista desses problemas que afetam o dia a dia dos brasileiros

Apesar da crise, ciclo teve mais apoio do governo

Acho que pela Olimpíada ser no nosso país nesses últimos dois anos teve mais apoio. Não muito, mas pelo menos teve alguma coisa. Porque realmente antigamente não tinha muita coisa a não ser as despesas das viagens. Dessa vez esses últimos dois anos tivemos um pouquinho mais de apoio, o que foi bom. Foi uma boa ajuda, mas a gente não pode depender disso, cada um continua a trabalhar forte para chegar agora na véspera em boas condições.

Rodrigo diz que não acumulará funções de cavaleiro e técnico

Eu não sou técnico. Sou um dos integrantes da equipe, mas pela minha experiência e currículo eu posso aconselhar a comissão técnica. Estou trabalhando próximo ao nosso novo técnico, o americano George Morris, com quem eu tenho muito bom contato há muitos anos. Ele não conhece todos os conjuntos, todas as características dos cavalos e dos cavaleiros, então eu estou ajudando ele a se informar. A minha função é realmente poder ajudar a montar um grupo sólido, forte e unido para poder representar o Brasil. Esse é o papel que o líder da equipe tem de fazer. Mas vou só aconselhar a comissão técnica com meu ponto de vista se ele for pedido, o resto é a comissão técnica e o treinador que vão decidir.

Conquistar medalha no hipismo custa (muito) caro

Contar quando custa a medalha é difícil porque você pode ter cavalos de 500 mil euros ou cavalo de 5, 6 milhões de euros, como os cavalos têm sido vendidos. Isso é muito difícil de quantificar. Depois com os gastos é mais fácil. Um cavalo vai te custar, mais ou menos por ano, entre 100 e 150 mil euros. São US$ 150 mil por ano para um cavalo entre viagem, inscrição, veterinário, treinamento... Você tem de ter dois ou três cavalos. Você faz a conta e não vai ser um fundo do BNDES que vai cobrir esse gasto, mas como eu te falei, já é uma ajuda.

Competição em casa vai fazer pressão aumentar

Obviamente sendo em casa vamos ter mais cobrança. A imprensa vai cobrar mais da gente, vai cobrar na nossa língua. Tem de usar isso como [fator] positivo, não se deixar afetar. Se preparar da melhor forma possível e depois a competição vai nos reservar as surpresas que vêm quando a gente compete. Claro que o nervosismo você pode passar para o cavalo, mas é um grupo experiente que já tem Mundial, Pan e competições importantes, sabe aguentar a pressão. Isso é muito importante, não chegar com uns gaiatos ou marinheiros de primeira viagem porque a pressão vai ser maior em casa. A gente tem de se preparar bem, mas acho que o grupo que está aí é frio, tem cabeça, vem competindo em competições muito fortes na Europa e nos Eua e estão preparados.