Crise política e zika geram preocupação internacional com Olimpíada
Em meio a turbulência política, crise econômica, epidemia de zika e acusações de corrupção que nos últimos dias chegaram às obras olímpicas, especialistas internacionais apontam um "coquetel preocupante" de fatores que, segundo eles, já atingem os Jogos do Rio 2016 e seguirão cada vez mais sob os holofotes internacionais nos próximos quatro meses.
Enquanto a realização da Olimpíada em si pode não estar em risco, especialistas consultados pela BBC Brasil acreditam que a profusão de notícias negativas vindas do país e os problemas que cercam a reta final rumo aos Jogos já causam fortes impactos.
Entre eles estão acusações de corrupção nas obras da linha 4 do metrô e do Porto Maravilha, "menina dos olhos" do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, a incerteza sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff e as graves dificuldades financeiras do país.
A epidemia do vírus zika - que já gerou alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS), e alguns países orientam mulheres grávidas que evitem viajar ao Brasil - tem no Rio de Janeiro um dos Estados com o maior índice de casos e de maior preocupação para as autoridades brasileiras.
No início de março já eram 5,2 mil casos de gestantes com sintomas de zika e ao menos 255 casos notificados de bebês com suspeita de microcefalia. Segundo o Ministério da Saúde, o RJ é um dos cinco Estados onde a epidemia é mais preocupante, assim como um alto número de casos de dengue e incidência do mosquito Aedes aegypti.
Na visão dos especialistas também causa preocupação o fato de que a Olimpíada estaria completamente "esvaziada", fora do radar da mídia e do público. Às vésperas dos Jogos, o clima tanto no país quanto na cidade-sede do maior evento mundial é muito diferente da atmosfera de expectativa e celebração aguardada por organizadores, patrocinadores e o Comitê Olímpico Internacional (COI).
Para eles, a imagem do Brasil e do Rio já começa a ser danificada, e o impacto geopolítico e diplomático de sediar uma Olimpíada pode estar em risco, tendo em vista que a intenção é sempre mostrar o "melhor lado" dos organizadores para o mundo, e há cada vez mais indícios de que os Jogos revelem o "pior lado" dos anfitriões.
Em resposta às incertezas, tanto o COI quanto o Comitê Rio 2016 disseram à BBC Brasil que acompanham com atenção os desdobramentos da crise, mas continuam apostando no megaevento e não veem obstáculos para o seu sucesso. Federações consultadas também seguem confiantes, porém monitoram de perto a situação do país e os preparativos.
Panorama atual
A quatro meses dos Jogos, o que deveria ser uma etapa de retoques finais, focando nas entregas de obras, eventos-teste e crescente animação da população tem se revelado um momento de incontáveis crises, problemas e incertezas.
No âmbito da operação Lava Jato, surgiram indícios de pagamento de propinas nas obras do Porto Maravilha (revitalização da zona portuária) e da linha 4 do metrô, envolvendo o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o ex-governador do Estado, Sérgio Cabral.
Atrasadas, as obras da nova linha do metrô, que ligará a Zona Sul do Rio à Barra da Tijuca, onde está o Parque Olímpico, necessitaram de mais um empréstimo de R$ 1 bilhão do BNDES, aprovado na última quinta-feira, diante da impossibilidade do Estado em custear a conclusão dos trabalhos.
Imerso em dívidas, o Estado do RJ reduziu em 35% o orçamento de segurança pública, o equivalente a R$ 2 bilhões, e anunciou que não implantará mais a UPP do Complexo da Maré (próximo ao Aeroporto Internacional do Galeão) antes dos Jogos. Além disso, o chefe da Força Nacional, um dos pilares da estratégia de segurança do megaevento, pediu demissão e teceu criticas ao governo. Também saiu do cargo o ministro do Esporte, George Hilton.
O orçamento do Comitê Rio 2016 foi drasticamente reduzido, com cortes em diversas áreas, incluindo arquibancadas, instalações temporárias, transporte para as delegações e até os quartos da Vila dos Atletas.
Um evento-teste marcado para o fim de abril foi cancelado devido ao atraso na montagem da pista do velódromo, e contratos com as construtoras responsáveis pelo Centro de Tênis e de Hipismo foram rescindidos, deixando as obras atrasadas. O legado ambiental dos jogos foi totalmente abandonado, com o rompimento de contratos e promessas que não serão cumpridas na recuperação da baía de Guanabara, lagoas e rios.
Crises, corrupção e imagem internacional
Para Jules Boykoff, professor da Pacific University, nos Estados Unidos, e autor de três livros sobre aspectos políticos e econômicos das Olimpíadas, o cenário atual é uma "tempestade perfeita", que pode inclusive gerar manifestações.
"A imagem que o mundo tem do Brasil e do Rio neste momento é certamente desanimadora. Com crise política, finanças quebradas e uma epidemia que levantou alertas internacionais, a Olimpíada chega no pior momento possível, em meio a uma 'tempestade perfeita' que pode levar a grandes protestos, como vimos em 2014. Para a imagem dos anfitriões pode ser um grande tiro no pé", diz.
Boykoff diz que em suas pesquisas ao longo dos anos elencaram quatro pontos que unem a grande maioria dos Jogos Olímpicos da era moderna. "O contribuinte tende a pagar os custos da organização e os grandes livros vão para as empresas privadas; há grande militarização local e aprovação de leis draconianas sobre terrorismo; remoções de populações locais para as obras, e as grandes promessas de legado na realidade raramente se concretizam", resume.
O especialista acredita que a insatisfação popular com o desemprego e a situação da saúde pública no RJ, aliada às acusações de corrupção e a crescente injeção de verbas federais na organização dos Jogos, pode levar as pessoas às ruas antes e durante o megaevento.
Na visão dele, as acusações de corrupção nas obras olímpicas ainda não ganharam tanta repercussão no exterior, mas caso o envolvimento do prefeito Eduardo Paes venha a ser comprovado o efeito tende a ser maior.
David Goldblatt, professor de sociologia do esporte na Universidade de Bristol, na Inglaterra, e comentarista de política esportiva da BBC, opina que a maior tragédia seria o mundo assistir tão de perto ao fracasso político do Brasil.
"Caso a situação não esteja resolvida até agosto, seria uma grande tragédia diplomática para o Brasil o fato de o mundo inteiro estar aqui enquanto o sistema político do país se desintegra por completo. Estamos vendo o antiespetáculo total neste momento, e o mundo ainda não se deu conta de que o que ocorre no Brasil hoje é como um grande terremoto, são placas tectônicas que se movem", diz.
O geógrafo americano Christopher Gaffney, que trabalha num pós-doutorado na Universidade de Zurique sobre os impactos da Copa e da Olimpíada no Rio, alerta para os riscos de mais corrupção e endividamento.
"As grandes obras de infraestrutura olímpica abrem muito espaço para corrupção, e não só no Brasil. Elas têm que ser rápidas, há formação de consórcios com contratos obscuros, e as cidades atravessam tantas mudanças que é difícil acompanhar e cobrar transparência", diz.
Sobre os impactos locais, ele acredita que o Estado e a cidade do Rio receberam muitas promessas com os Jogos, mas devem amargar uma crise econômica ainda mais profunda do que outros Estados nos anos seguintes ao megaevento. "Com cada vez mais empréstimos federais e obras que ficarão por terminar, um Estado que nem está conseguindo pagar os salários de seus servidores certamente amargará anos e anos de endividamento para quitar as obras olímpicas", agrega.
Legado e 'clima olímpico'
Se o "terremoto" traz riscos para o sucesso internacional dos Jogos, a tormenta também traz problemas para o público interno, sobretudo no que diz respeito ao legado prometido e ao crescente endividamento do Estado do Rio.
Pedro Trengrouse, especialista em gestão, marketing e direito no esporte da FGV, que foi consultor da ONU para a Copa, diz que a crise econômica atual, que se estende em meio à paralisação política vivida pelo país, trará grandes frustrações para os cariocas.
"Já se sabe que o legado ambiental foi deixado de lado. Há incertezas quanto à linha 4 do metrô e já anunciaram que as estações entre a Zona Sul e a Barra não estarão prontas. Quando serão concluídas? A crise compromete as promessas em torno da segurança pública, esperadas como um grande legado dos Jogos. Vemos as UPPs em crise e a unidade da Maré não será instalada", aponta.
Para ele, as federações internacionais e o COI estarão satisfeitos, mas quem arcará com a conta será o público interno. "Apesar dos problemas, todas as obras serão entregues a tempo. Haverá férias escolares e feriados. As Forças Armadas dominarão a segurança, e as delegações terão faixas exclusivas no trânsito. Para eles pouco importa se o metrô vai ficar pronto. Eles estarão num mundo à parte", afirma.
Para Maureen Flores, doutora em políticas públicas pela UFRJ e autora de uma tese sobre sustentabilidade e governança em megaeventos, analisando o papel do COI ao longo dos Jogos, o impacto mais direto é o "esvaziamento".
"É claro que todas essas notícias têm um impacto assustador. Neste momento o reflexo danoso mais imediato é o fato de ninguém estar falando mais sobre a Olimpíada. Autoridades, mídia, público. O evento está totalmente fora do radar no Brasil, e isso preocupa o COI e os patrocinadores", diz.
Para ela, há um efeito cascata. "A Olimpíada é a maior plataforma de comunicação do mundo, em termos de transmissões, impacto geopolítico, patrocínio. Todos querem destaque. Quando o clima é completamente esvaziado e a mídia não tem foco no evento, há impactos em toda essa cadeia bilionária", afirma.
Organizadores e federações
Consultado pela BBC Brasil, o COI disse em nota que a organização "acompanha de muito perto os eventos políticos no Brasil", mas que aposta no sucesso total do megaevento. "O povo brasileiro entregará Jogos Olímpicos memoráveis, repletos da sua paixão pelo esporte e pela qual são conhecidos ao redor do mundo. Estamos confiantes que o Brasil oferecerá ao mundo excelente Olimpíada da qual o país inteiro poderá se orgulhar".
Apesar do tom do comunicado, no início de março o jornal O Estado de S. Paulo publicou um relatório do COI em que seu presidente Thomas Blatt se mostra preocupado com a "crise profunda" vivida pelo Brasil além de "altos riscos" com o fornecimento de energia elétrica e atrasos nas obras.
O Comitê Rio 2016 disse à BBC Brasil também por meio de nota que "apesar de a situação política atual do Brasil receber muita atenção, continua o dia a dia de trabalho normalmente" e que 95% das instalações olímpicas estão prontas e que 32 dos 45 eventos-teste foram realizados com sucesso.
A Prefeitura do Rio e a assessoria direta do prefeito Eduardo Paes foram procuradas mas não quiseram comentar.
Diversas federações internacionais e delegações olímpicas de outros países foram contactadas, e três responderam em nota avaliando os riscos do momento atual para o sucesso dos Jogos.
Para a Federação Internacional de Vela, uma das que têm recebido mais evidência por conta da poluição da baía de Guanabara, há confiança de que tudo corra bem. "Esperamos que o poder dos Jogos Olímpicos providencie um grande legado para a cidade e o povo do Rio de Janeiro e continuamos confiantes na entrega de uma competição olímpica de vela bem-sucedida e memorável".
Já a Federação Internacional de Hipismo diz que "dadas as condições econômicas e financeiras atuais trabalha em parceria estreita com o Comitê Rio 2016 para ajudar a reduzir custos sem impactar a qualidade dos Jogos" e que segue com "ânimo a respeito dos Jogos num dos país mais diversos culturalmente do mundo".
Para a delegação olímpica da Bélgica é necessário "acompanhar de perto os desdobramentos da crise". Em nota enviada à BBC Brasil o Comitê Olímpico belga diz que há uma consciência de que a "situação política é difícil, mas sabemos que a maioria dos brasileiros quer que a Olimpíada aconteça".
"O Comitê Rio 2016 nos deu garantias de que os atletas não seriam afetados pelas limitações de orçamento. Não ter TVs nos quartos ou menos tradução simultânea não deve impactar a qualidade dos Jogos", acrescenta o comunicado.