! Armênio que é coroinha vive agonia para defender o Brasil na Rio-2016 - 24/03/2016 - UOL Olimpíadas

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Armênio que é coroinha vive agonia para defender o Brasil na Rio-2016

Fábio Aleixo

Do UOL, em São Paulo

O armênio Eduard Soghomonyan, de 26 anos, vive uma agonia. A menos de cinco meses para o início dos Jogos Olímpicos do Rio ele aguarda que sua naturalização seja aprovada e ele possa defender o Brasil na luta greco-romana. Caso contrário, terá de adiar seu sonho olímpico até 2020, em Tóquio. 

Eduard nasceu na Armênia em 1990 e lá passou a maior parte de sua vida. Até que em 2012 resolveu deixar tudo o que tinha para trás. Se desfez das suas coisas e deu adeus à mãe. Desembarcou em São Paulo sem falar uma palavra de português, imaginando que o Rio de Janeiro era a capital e que tudo aqui tinha a ver com samba, futebol e praia. Mas ele não estava desamparado. Encontrou em uma casa em Santana - bairro da Zona Norte da capital paulista - um novo lar e uma nova família. Passou a ter "novos" pais e irmãos com os quais vive até hoje.

Em quatro anos, apaixonou-se pelo Brasil e conseguiu ter sucesso em uma modalidade pouco difundida no país, mas que é sensação na Armênia. Colecionou títulos paulistas e brasileiros e no ano passado foi liberado pela Federação Internacional para defender a bandeira brasileira em competições internacionais Teve como resultado mais expressivo até agora o segundo lugar no Campeonato Pan-Americano de 2015 na categoria até 130kg e também no Grand Prix de Paris. No campeonato Mundial do ano passado foi 14º. Mas por ainda não ter passaporte brasileiro não pode ser confirmado na Olimpíada.

Ele deu entrada em seu processo de naturalização há um ano. Até agora não teve uma resposta do Ministério da Justiça. Procurado pela reportagem, o órgão informou que o caso ainda está com a Polícia Federal e que não existe prazo definido para ir a Brasília, podendo ser antes ou só depois dos Jogos.

"Isso (demora) é algo ruim. Mas o que eu como atleta posso fazer? Lutar e mostrar força e coração. Não sou político, sou atleta. Quando a Federação disse que eu podia lutar pelo Brasil, virei um leão e dei meu sangue para ganhar medalha para o Brasil em cada campeonato que disputei lá fora. Mostrei muito coração dentro da luta. Quando você faz sua parte e não recebe algo, fica sofrendo um pouco. Eu quero pedir às pessoas, ao Ministério da Justiça que me deem esta naturalização para lutar a Olimpíada do Rio. Larguei minha família e mudei para outro país atrás de um sonho. Quero levantar a bandeira do Brasil e mostrar que também temos luta olímpica. Se Deus quiser vai dar tudo certo", diz Eduard em português fluente ao UOL Esporte durante um longo papo em sua casa.

"Não quero pensar que vou ficar fora do Rio. Em 2020, terei 30 anos e poderei lutar. Mas não quero pensar nisso para não sofrer. Estou rezando para dar tudo certo", completa.

Divulgação
Eduard Soghomonyan com a medalha de prata do Grand Prix de Paris de 2015 imagem: Divulgação

A Confederação Brasileira de Lutas Associadas (CBLA) enviará à Federação Internacional uma lista prévia de inscritos para a Rio-2016 até o dia 18 de abril. O documento ainda poderá ser alterado às vésperas da Olimpíada, mas a direção da entidade espera ter a situação toda resolvida até o próximo mês.

"Não depende mais de nós. Já enviamos documentos e cartas ao Ministério da Justiça falando que o Eduard é importante para nosso projeto. Contamos também com ajuda do COB", explica Roberto Leitão, superintendente da CBLA.

A ansiedade pela liberação da naturalização toma conta não apenas de Eduard, mas também de todos o que rodeiam.

"Está todo mundo com coração na mão. Se alguém de Brasília tem amor pelo Brasil que assine a naturalização dele. Ele está lutando pelo Brasil. Peço que assinem o mais rápido possível. Se não vai ser tudo em vão", implora a mãe adotiva Vera Helena Mikaelian

"Ele está de corpo e alma levantando a bandeira do Brasil. Meu maior desejo é que lute a Olimpíada do Rio ", frisa o irmão Ricardo Mikaelian.

Ricardo, aliás, foi o maior incentivador da vinda de Eduard ao Brasil. Eles se conheceram em 2011, quando o brasileiro viajou para a Armênia para a disputa do futebol nos Jogos Armênios, uma espécie  de mini-Olimpíada com descendentes de armênios espalhados pelo mundo. O lutador era chefe da delegação brasileira. Ambos criaram um forte laço de amizade.

"Pouco a pouco fomos nos aproximando. Ele me levou para a casa dele, viramos amigos, foi algo muito especial. O Eduard tinha machucado o joelho, operado e perdido a vaga dele na seleção armênia e estava com dificuldades para voltar. Ficou em uma situação muito difícil. Disse que se quisesse ir ao Brasil as portas estariam abertas. Depois de uns dez meses ele veio. No começo foi um pouco estranho tê-lo em casa, mas fomos nos conhecendo e confiando um no outro", conta Ricardo.

Quem também apoiou Eduard no Brasil e o tratou como um filho foi Yeznig Guzelian. Ele é padre da Igreja Apostólica Armênia de São Jorge, localizada na Zona Norte. O religioso garante pedir a Deus todos os dias para que o tão esperado documento saia.

"Esporte sem espiritualidade não dá. O Eduard tem um grande futuro. Desejo que saia logo a nacionalidade brasileira e possa participar de todos os eventos, pois representará bem o Brasil, especialmente na Olimpíada. Estamos orando por ele", diz o religioso.

A fé, aliás, tem papel importante na vida de Eduard. Desde que chegou ao Brasil passou a frequentar esta igreja e agora em todos os domingos nos quais está em São Paulo ajuda o padre na missa. Ele virou coroinha.

"Eu não ganho nada, não tenho patrocínio, não tenho Bolsa Atleta e não tenho como ajudar minha mãe. O que posso fazer por ela é rezar e pedir saúde para ela. A religião também me ajuda em situações boas e ruins e a não perder a cabeça. Faz quatro anos que estou aqui e neste período sempre tenho ido à igreja rezar", conta Eduard.

Kaio Almeida/CBLA
imagem: Kaio Almeida/CBLA

Lutador ainda pode precisar de seletiva

Não bastasse esperar a naturalização, Eduard ainda pode ser obrigado a lutar uma seletiva interna para assegurar a sua vaga na Rio-16.

O armênio deveria ter participado no Pré-Olímpico das Américas em Frisco (EUA) no começo deste, porém na véspera de suas lutas não foi liberado pelos médicos após sentir um mal-estar na hora da pesagem - a causa do problema é desconhecida.

Assim, quem acabou herdando seu lugar foi Antoine Jaoude, da categoria livre. Ele entrou na disputa, ficou com o segundo lugar é assegurou a vaga para o país. Agora decidirão em combates diretos quem ficará com o posto. Isso se Jaoude não obtiver em mais dois Pré-Olímpicos a sua classificação para os Jogos ou se a CBLA conseguir um convite.

"O Antoine sempre me tratou muito bem e temos uma ótima relação. Espero que nós dois consigamos ir para a Olimpíada, mas se isso não acontecer estarei pronto para lutarem a seletiva quando quiserem. Estou disponível 24 horas por dia. É para isso que treino", afirma Eduard.

 

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