! Joanna Maranhão e a luta contra depressão: "olhava pra piscina e chorava" - 02/03/2016 - UOL Olimpíadas

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Joanna Maranhão e a luta contra depressão: "olhava pra piscina e chorava"

Gustavo Franceschini e Juliana Alencar

Do UOL, em São Paulo

No Pan de Toronto, em 2015, Joanna Maranhão fez o melhor tempo de sua vida nos 400 m medley depois de 11 anos tentando superar uma marca de 2004. Levou do Canadá o bronze na disputa em questão e a sensação de que viveu a maior vitória da sua vida, nas palavras dela. Semanas depois, foi acometida por uma crise de depressão em que sentia dificuldade de sair de casa e só sentia vontade de chorar ao olhar para a piscina do Pinheiros, clube onde treina atualmente.

“Aquela crise quando me abateu eu falei: ‘Dessa eu não vou sair’. Porque estava tudo bem, minha vida estava bem e de repente eu não via sentido em absolutamente nada. Eu só ficava em minha cama dormindo. Chegava no clube, olhava para a piscina e começava a chorar. E o meu técnico falava: ‘Joanna o que está acontecendo?’ Eu não sabia, mas eu estava apática”, disse Joanna Maranhão em entrevista exclusiva para o UOL Esporte.

A história mostra que a depressão não escolhe a hora de aparecer. Não faz distinção entre momentos felizes, grandes conquistas ou sequências de infortúnios. É essa a “vigília diária” de Joanna Maranhão, a nadadora brasileira que chegou mais longe nos Jogos Olímpicos com o quinto lugar em Atenas.

Joanna contou que sofreu abuso sexual de um ex-treinador na infância e carrega o trauma consigo, convivendo com a depressão há anos. A nadadora admite ter tentado o suicídio duas vezes e chegou a se aposentar das piscinas. A recuperação passou por apoio da família, alimentação saudável, tratamento psicológico, religiosidade e treinamento forte. Hoje ela se vê mais madura, compreensiva e consciente. Sua veia política, porém, não ficou pelo caminho, como ela mostra ao explicar por que não bateu continência ao subir no pódio no Pan – mesmo sendo atleta militar à época. 

“Eles falaram: ‘Quem quiser, presta continência’. Nesse momento político atual, as pessoas estão achando que se você prestar continência está apoiando o [deputado federal Jair,] Bolsonaro. De forma alguma. [...] Mas naquele momento as pessoas não iam entender. E até falei pra eles. Mandei email: ‘Vocês devem estar se perguntando porque eu não estou fazendo. Eu não estou fazendo por isso. Está ligado de forma errada e eu não quero. Lógico que eles ficaram chateados, mas entenderam”, disse Joanna, que no começo deste ano deixou de ter ligação com as Forças Armadas.

Veja abaixo por que ela saiu do Exército, como está a relação dela com a CBDA e a análise que ela faz do momento de Cesar Cielo, entre outras questões:

Bater a marca que lhe deu o 5º lugar nos Jogos de 2004 era uma meta
É bem difícil colocar em palavras o que foi aquele Pan e aquele dia. Ao longo desses 11 anos teve outros momentos que eu ficava, será que é hoje? Aquele resultado eu tinha 17 anos e nem sabia a dimensão dos Jogos Olímpicos. A dimensão de um quinto lugar. E aí passei por uma série de coisas de vida pessoal. Parei e voltei. E quando eu decidi parar as pessoas falavam: ‘Mas Joanna, você não bateu ainda o 4min40s’. Tinha aquela coisinha dentro de mim de achar que valia tentar de novo. E todas as vezes que batia na trave, eu falava: ‘Ainda tem coisa para tirar’.

Diminuir o tempo no Pan foi “a maior vitória da vida”
O Amém [André Ferreira, técnico de Joanna] faz um trabalho que é de treino em blocos. É um método russo que o Albertinho adaptou para o Cielo e Amém fez a adaptação para atletas de meio fundo. No Pan o começo foi muito bom. No primeiro dia eu bati o recorde do 200 m borboleta, no outro dos 200 m costas. Lógico que quando chegou os 400m medley eu falei: ‘Será que é hoje?’ E ele [Amem] viu que eu estava um pouco tensa. Ele veio falar comigo e falou: ‘Olha, você voltou a nadar para ser feliz. E eu quero que você seja feliz’. Aí acabou. Eu me entreguei. A prova estava muito forte. Eu fiquei em quarto e depois a menina foi desclassificada. Quarto com 4min38s00 é muito forte. Esse tempo daria final no Mundial da Rússia. Quando eu vi o ‘38’ eu falei: ‘Uaaaa’ [faz som de vibração]. Foi, de fato, a maior vitória da minha vida. Eu consegui me entregar, competi do começo ao fim, em nenhum momento durante a prova eu pensei se estou baixando. Eu abracei Amém, agradeci por ter construído isso. E quando você consegue os 11 anos fazem todo sentido.

A autocrítica: Por que não conseguiu antes?
Todas as vezes que não competi bem o boicote foi meu comigo mesma. Foram treinos que faltei por depressão ou seja lá o que for. Foram vezes que eu escolhi sair à noite em vez de treinar. Não foi culpa de nenhum técnico.

Última crise de depressão foi logo depois da “maior vitória da vida”
Sou espírita desde criança. Depois do Pan eu tive uma crise de depressão muito forte. Falei: ‘dessa eu não vou sair’. Porque estava tudo bem, minha vida estava bem e de repente eu não via sentido em absolutamente nada. Só ficava na cama dormindo, chegava no [clube] Pinheiros, olhava para piscina e começava a chorar. Ainda rola o processo. O cara [que abusou de Joanna] me botou na justiça. Minha mãe me representa [no processo]. Quando tem audiência ela não me fala nada. Na época da depressão, ela teve de ouvi-lo falar por 5 horas. Mesmo sem saber, a coisa mexe comigo. Acho que é uma coisa espiritual também. Eu não gosto muito de falar, mas eu tive uma experiência muito forte de um processo de desobsessão, de coisas de vidas passadas e dessa vida também. Revi muito meu posicionamento no combate à pedofilia. Eu estou combatendo porque eu me importo com isso ou porque tenho algum ranço com a pessoa que fez isso comigo? Me fez tão bem as leituras que falei: não me distancio nunca mais. Toda quarta, às 20h, tomo um passe, faço leitura.

Depressão é uma luta constante, mesmo quando se está feliz
Requer uma vigília diária, você perceber quando a coisa está vindo e não achar que é uma onda que vai te engolir. Eu não sei se vão ter outras, mas a cada crise eu me preparo, me conheço um pouco mais. Minha mãe me colocou em uma modalidade que é monótona, tem depressão na natação pra caramba, porque você conta azulejo o tempo inteiro. Mais do que ninguém tenho de ficar olhando pra mim. Quando tem de dar um passo para trás, meu técnico compreende.

Para Joanna, mau momento de Cielo pode ter a ver com depressão
Eu acho que pode ser sim [um caso de depressão]. Tem uma música que fala que sempre não é todo dia. Ele vai voltar, não tenho dúvida disso. [Mas] vai voltar no tempo dele. Eu só queria que ele se permitisse. Ele não conversa muito comigo, é muito fechado. Em Kazan vi que ele estava falando umas coisas não muito positivas e falei: ‘Cesar, vai ser feliz. Sobe no bloco se você quiser. Não leva como uma obrigação’. Isso é a pior coisa do mundo. Sei que tem obrigações de contrato, mas isso tudo não pode ser mais importante que a vontade da pessoa. Tenho certeza que tudo isso que está acontecendo agora vai ser para vir um Cesar ainda maior do que aquele que a gente conhece. Agora quando, se vai ser a tempo dos Jogos Olímpicos, não sei. E não interessa.

Posição política deixava Joanna desconfortável na seleção
Muitas vezes eu falava: ‘o que eu estou fazendo aqui? Essas pessoas olham somente pra si, e eu quero melhorar a estrutura como num todo’. Meus companheiros não eram companheiros. Não os valorizava, os subestimava ou era grosseira. Mas todo esse trabalho de se sentir pertencente e compreender que cada um pode pensar e agir como quiser fez com que eu me sentisse bem na seleção. Foi uma coisa progressiva.

Nadadores mais próximos já foram cobrados por Joanna
Todas aquelas pessoas que eu tenho como amigos meus eu já tive esse embate. Já disse: ‘Ó, te admiro, gosto de você, mas acho que você poderia fazer um pouco mais’.  No Pan de 2007, das 28 pessoas, eu era a única que não recebia nada. E falei: ‘estou brigando por uma coisa para todo mundo e ninguém está comprando minha briga’. Só que eu estava entrando numa seara totalmente errada. Ninguém é obrigado a comprar a bandeira política de Joanna contra a CBDA.

Última tentativa de mobilização foi grupo de Whatsapp
Ano passado tentei criar um grupo de Whatsapp dos atletas. A minha ideia era sentar com todo mundo e criar o que acha que é bacana e entregar pros caras da CBDA. E falava: ‘não estou criando aqui para mandar pra imprensa, não vou dar print’. E ninguém falava nada. Quando me viam, falavam: ‘Joanna, acho muito legal o que você tá fazendo, te dou a maior força’. [Mas é] tipo: ‘Acho muito joia, mas encabeça isso aí sozinha’.

Relação com CBDA ainda não é boa
Antes do Pan, me ofereceram R$ 1.300. Disse: ‘Tem gente indo para menos provas e está recebendo R$ 4 mil, R$ 5 mil, queria saber qual é o critério’. Não tive resposta. Antes do Open, recebi uma outra proposta, um pouco maior que isso. Esperei passar e fiz a contraproposta. Falaram: ‘você vai receber o valor menor em fevereiro e março, só’. Gente, eu tenho índice olímpico e não sou atleta só em fevereiro e março. Sou atleta o ano inteiro. Isso mexeu bastante comigo, mas não vou aceitar de novo. Continuo sabendo que tem atletas recebendo muito mais, [mesmo os] que não tem índice [olímpico]. Isso é uma coisa que incomoda.

Desde o começo do ano, Joanna não recebe mais do Exército
Eu saí neste ano. Eu me questionava e os questionava. Por que a gente está fazendo isso? Por que a minha unha tem de estar pintada de claro? E meu brinco? Não que eu chegasse lá com unha vermelha, um puta brinco e maquiagem. Os anos que eu fiquei lá foram muito bons, mas nos últimos eu já não me sentia pertencente. Foi de comum acordo. Luciano [Correa, namorado] falou: ‘você está louca, iam pagar mais um ano’. [Mas] nem tudo se resume a dinheiro. E no segundo semestre do ano passado eu comecei uma coisa espiritual muito forte. Tenho lido muita coisa sobre espiritismo e comecei a perceber que não queria renovar com exército, fazer teste com tiro de fuzil de novo. Não estava fazendo muito bem pra mim.

Não bateu continência no Pan para evitar ligação com Bolsonaro
Eles falaram: ‘Quem quiser, presta continência’. Nesse momento político atual, as pessoas estão achando que se você prestar continência está apoiando o [deputado federal Jair,] Bolsonaro. De forma alguma. Não é por aí. Se eu prestasse continência eu estaria reverenciando a minha bandeira e tudo que o exército estava fazendo por mim. Mas naquele momento as pessoas não iam entender. E até falei pra eles. Mandei email: ‘Vocês devem estar se perguntando porque eu não estou fazendo. Eu não estou fazendo por isso. Está ligado de forma errada e eu não quero’. Lógico que eles ficaram chateados, mas entenderam.

Passado desregrado teve exageros em baladas
Já tive muito essa coisa de sábado, acaba o treino, vai ao bar tomar cerveja e depois sai pra balada pra tomar um monte de vodca. Porque é isso, porque eu posso. Segunda eu estava treinando. Obviamente não era um treino muito bom, mas tudo bem, o importante é que eu me diverti. E eu não percebia como eu estava fugindo de encarar meu passado, de encarar a natação pra valer. Isso afetava tanto a mim como pessoa quanto como atleta.

Busca por “musas do esporte” não incomoda
Nunca me incomodou. Pelo fato de eu fazer natação, meu corpo estava praticamente exposto desde criança, nunca tive problema quanto a isso. Ser musa tem essa questão da sexualidade feminina, mas tem um pouquinho de resultado também. Só fui colocada como musa em campeonatos em que eu ia bem. A pessoa escolhe se vai comprar essa ideia ou não. Eu conheço pessoas que estão na mídia por serem musas e resolveram [que era] bacana, uma forma de fazer o nome. Mas ainda que eu fosse loira, maravilhosa, cabelos longos, fit, eu não usaria isso como forma de me empoderar. Eu usaria outras coisas.

"Redes sociais são uma grande mentira"
Atleta que fala abertamente, que critica todo mundo, não vende. Algumas vezes agentes e assessores tentaram trabalhar comigo e disseram: ‘Joanna, você não pode falar isso. Você está saindo de Londres, não pode dizer que não quer ir pro Rio’. Isso de falar somente de natação me incomoda muito. Eu não sou atleta 24 horas por dia. Tem horas que eu vou ao cinema, me atraco com uma pipoca gigante e uma torta. As redes sociais hoje são uma grande mentira. Se você olhar [outros atletas] são os caras mais focados do mundo, completamente corretos. E eu conheço uma penca que faz foto com legenda “foco, força e fé” e hashtag dos patrocinadores e sai para encher a cara. Está querendo enganar quem?

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