Depois de ciclo olímpico sofrido, Jaque fala em frio na barriga pelo tri

Gustavo Franceschini
Do UOL, em São Paulo
Divulgação/Adidas
Jaqueline, bicampeã olímpica de vôlei, conta que ciclo olímpico foi complicado

O que acontece entre um bi olímpico e a edição seguinte dos Jogos? No caso de Jaqueline, melhor jogadora da final do vôlei feminino em Londres-12, a resposta é “bastante sofrimento”. Em um ciclo atípico, a ponteira da seleção brasileira realizou o sonho de ser mãe, sofreu de saudades do filho, conviveu com o desemprego, brilhou e jogou mal. Tudo em quatro anos. Se tudo der certo, a história termina em agosto com a terceira medalha de ouro no peito.

“Dá até um frio na barriga de pensar. A gente luta tanto, são quatro anos de preparação. Eu quero ter o tri. Lógico que eu penso nisso todo dia. Às vezes fico imaginando a cena, como vai ser quando acabar o jogo. Vejo como se fosse uma coisa tão almejada e trabalhada por nós que a proporção fica até difícil falar”, disse Jaqueline, em entrevista exclusiva para o UOL Esporte.

O esforço e o currículo trazem recompensas. Nesta quinta, a ponteira será anunciada como garota-propaganda global da Adidas (veja o vídeo promocional abaixo) após anos como contratada da Olympikus. A aposta da marca alemã reflete a importância de Jaque, maior pontuadora da final de 2012, contra os EUA, mesmo não tendo o ataque como sua especialidade.

Hoje, ela lidera tecnicamente o time ao lado de Fabiana, Sheilla e Thaisa, todas remanescentes dos títulos de Pequim-08 e Londres-12. Se repetirem o ouro no Rio, atingirão um inédito tri olímpico que ninguém conseguiu na história do esporte brasileiro. No caminho para a conquista, parou a carreira por um ano para virar mãe de Artur, hoje com dois anos, e teve uma volta às quadras atribulada.

Na entrevista abaixo, ela fala mais sobre todo esse caminho:

Olimpíada é tempo de virar garota-propaganda
Estou muito feliz com a Adidas porque é um reconhecimento de todo o trabalho que tenho feito há anos. Tem muita procura [das marcas perto da Olimpíada]. Lógico que o reconhecimento com os outros atletas também deveria ser assim ou mais. Olimpíada no Brasil é um marco para nós atletas. É muito bacana saber que a imprensa nos procura, as marcas nos procuram. Isso vem crescendo no decorrer dos meses.

Ciclo olímpico teve gravidez, desemprego e altos e baixos em quadra
Eu tiro muito aprendizado do ciclo. No Brasil, jogadoras de renome que já conquistaram muita coisa não têm garantia em canto nenhum. Por tudo que a Garay passou. A Erika, que jogou e representou o Brasil e ficou sem clube. A Lili, que lutou para arranjar uma equipe com esse sistema de ranqueamento. Eu tiro isso de aprendizado, mas é nos momentos difíceis que a gente cresce. Ano retrasado eu estava sem clube depois da gravidez porque muitos duvidaram se eu voltaria. Fui para o Minas, equipe que me acolheu de braços abertos. Conseguimos reverter uma situação que não era fácil. Fomos além do que imaginávamos. Evoluí muito, cresci muito. Esse ano não está sendo fácil no Sesi, somos eu e a Fabi com jogadoras muito novas. Nossa equipe não conseguiu se encaixar. Não é falta de treinamento, luta... Talvez seja o próprio psicológico. A cabeça da gente não está muito bacana. Mas acredito muito em uma nova fase. Chegando nos playoffs as coisas podem mudar.

Nota da Redação: Jaqueline, Garay, Erika e Lili foram prejudicadas pelo sistema de ranqueamento da CBV, que atribui um valor a cada jogadora e não permite que um mesmo clube tenha várias estrelas. O problema é que esse sistema impede que atletas de ponta que estão sem clube consigam se encaixar. Jaque fechou com o Minas após semanas de negociação e fez uma ótima Superliga, chegando à semifinal. Neste ano está no Sesi, que faz péssima campanha.

Caminho para o Rio não está fácil. Como em Pequim e Londres
Em nenhum ano foi fácil. Lembro antes da primeira medalha que éramos tachadas de amarelonas. No segundo nós começamos mal e melhoramos durante as Olimpíadas. Esses quatro anos não estão sendo fáceis para algumas jogadoras que atuam fora, outras não têm equipe para jogar e têm de ficar lutando. Isso atrapalha muito o ciclo olímpico de cada jogadora, mas brasileiro nunca desiste. Em meio a tantas dificuldades financeiras, acredito muito que nossa equipe junta consegue atrapalhar os adversários e surpreender.

Em 2012, corte na seleção foi um problema. Como será agora?
É difícil falar. Cada ano tem seu corte. É difícil para o Zé (José Roberto Guimarães, técnico da seleção) tomar uma decisão como essa. A gente acaba se apegando, fica juntas seis meses. Estar ali dentro, passar pelo pré-olímpico e ser cortada bem no momento que você mais almeja não é fácil. Todo mundo tem de estar com a cabeça boa. Vai ser um ano duro, complicado. Não queria estar na pele do Zé e da comissão, mas infelizmente eles têm de tomar uma decisão.

Fabíola, a melhor amiga e apoio na gravidez, agora está grávida
Desde que a Fabíola teve a primeira filha eu sempre fiquei no quarto com ela. Eu via muito o sofrimento dela. Naquela época não tinha whatsapp, Skype... Ela sofria porque não conseguia ver a filha. Ela me ajudou muito. Me ajudou a entender que hoje a gente já não sofre mais. Eu coloquei câmera, ficava vendo ele a hora que eu quisesse. Acompanhava o dia a dia, para onde ele estava indo. Minha família foi meu alicerce pra que eu não pensasse em desistir de jogar para cuidar do meu filho. Isso contribuiu para que eu crescesse. Ela foi muito importante na seleção nesse processo. Não foi fácil deixar ele em casa com quatro meses tendo de viajar para o Grand Prix. Ela estava sempre me ajudando. A gente se fala bastante. Ela me manda fotos todo mês da barriga dela. Ela vai voltar num momento muito mais difícil, a poucos meses da Olimpíada. Ela vai ter de virar uma fênix para estar bem. Mas ela não está deixando de malhar e trabalhar. Acho que não vai ser fichinha porque ela vai ter de trabalhar muito, mas não vai desistir.

Mãe-atleta sofre mais que o normal
É um risco que se corre. Você não sabe como vai estar após a gravidez. Foi minha primeira gestação. Tive de abdicar de tudo na minha carreira por um ano. Muitas dúvidas vieram, mas o sonho era tão grande que nunca desisti de ter o Artur. O único problema é deixar o filho em casa e viajar por muito tempo. É a saudade e ele ter de ficar longe da mãe. Agora, quando a gente tem pessoas especiais que nos ajudam no dia a dia como a Fabiola e Zé Roberto... O Zé nunca desistiu de mim, por mais que eu não estivesse jogando ele queria que eu tivesse lá. Foi na seleção que consegui dar a volta por cima e mostrar que podia.