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Thiago Pereira vai usar a natação para salvar vidas após a Rio-2016

Orlando Bento/Minas Tênis Clube
Thiago Pereira já conquistou 23 medalhas em Jogos Pan-Americanos. Em 2016, metas são os Jogos Olímpicos e a redução do número de afogamentos no Brasil imagem: Orlando Bento/Minas Tênis Clube

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

Como todo atleta olímpico brasileiro, Thiago Pereira vislumbra um ano especial em 2016. Dono de uma medalha em Jogos (prata nos 400m medley em Londres-2012), o nadador de 29 anos já obteve índice para os 200m medley da Rio-2016 e terá chance de competir em casa. No caso dele, porém, o evento é apenas um dos grandes planos para a temporada. Depois que a competição passar, Thiago quer usar a natação para salvar vidas.

O nadador tem desenvolvido um projeto para ensinar o esporte a crianças. Mais do que formar atletas, a ideia é diminuir o número de vítimas de afogamentos, segunda causa de morte mais frequente entre crianças de um a nove anos no Brasil (dados da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático em 2014). O país é o terceiro do mundo em acidentes fatais nas águas, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) - tem números inferiores a Japão e Rússia. 

“Se a pessoa souber nadar, a gente consegue reduzir isso em 80%. A natação não tem só uma importância de ser um esporte olímpico ou um esporte indicado a uma criança com bronquite, por exemplo. É o único esporte que consegue salvar vidas. O Brasil é um país cercado por água”, lembrou Thiago em entrevista ao UOL Esporte.

A ideia ainda não está completamente formatada, mas o nadador já apresentou o plano ao Ministério do Esporte, a patrocinadores e à Fina (Federação Internacional de Natação). “Hoje o meu foco está inteiramente voltado para o Rio, mas quando passar a gente pode até aproveitar esse gancho dos Jogos”, ponderou.

“Eu já venho matutando sobre isso faz uns anos. Já bati um papo com o ministro [George Hilton] até sobre as piscinas que vão ficar das Olimpíadas. Às vezes a gente pode iniciar um projeto ali com apoio deles [Ministério do Esporte]”, completou o nadador.

Antes de pensar em evitar afogamentos, porém, Thiago terá pela frente a quarta participação em Jogos Olímpicos. Um ano depois de ter se tornado o maior medalhista da história do Pan-Americano, o brasileiro chegará ao Rio em outro patamar. Isso ficou claro na primeira semana de janeiro deste ano, período em que ele promoveu uma clínica de natação para crianças no Rio de Janeiro. Lotado, o camp foi uma demonstração do status atingido pelo brasileiro.

“As pessoas veem a gente na TV e acham que estão muito distantes. Trazendo os Jogos para o Rio, tenho certeza que o povo daqui vai entender o que é uma Olimpíada, que é muito maior do que o futebol. Essa cultura de outros esportes vai somar muito para a gente”, finalizou Thiago.

Veja abaixo os principais assuntos da conversa exclusiva com Thiago Pereira:

A disputa por vaga nos Jogos Olímpicos de 2016

Acho que ainda não me sinto no Rio porque ainda tenho muito o que me preparar. São sete meses. Vai dar para fazer um ciclo até o Maria Lenk, e aí a gente vai ter quatro meses até os Jogos. Quanto à vaga, não me sinto preocupado. Nos 200m medley, dificilmente outro atleta vai fazer abaixo de 1min58s3. O Henrique [Rodrigues] acabou ganhando de mim por três centésimos, mas seria o único. O terceiro tempo hoje é 2min1, e eu, como nadador de medley, sei o quanto é difícil para sair de 2min1 para 1min58s3

A preparação para o Troféu Maria Lenk: a meta é ter dois ápices em 2016

Eu venho forte em abril, até por ser uma quebra no ano. É uma questão de confiança, de último teste para ver se o treino está no caminho certo ou se precisamos de um ajuste de última hora. Se você vai direto, tem de se acostumar a nadar pesado e jogar todo o polimento para o Rio. Só que às vezes não é só treino e polimento: tem um pouco de psicológico.

Por que não os 400m medley?

Nota da redação: Thiago Pereira foi medalhista dos 400m medley nos Jogos Olímpicos de Londres-2012 (prata) e no Mundial de Barcelona-2013 (bronze), mas não nadou a prova no Mundial de Kazan-2015 ou na seletiva olímpica de Palhoça.

Até o Maria Lenk, provavelmente eu vou colocar uns 400m medley em Grand Prix nos Estados Unidos. Quero me acostumar ao ritmo da prova, à coordenação de braçada, mas vamos ver como vai ser meu resultado. Quando todo mundo me pergunta eu digo que é melhor esperar para ver como vai ser e como eu vou estar nadando. Se chegar abril e eu estiver rápido, vamos. Mas se eu vir que não vai render, aí é melhor deixar. O problema dos 400m medley é que eu vou estar treinando para os 200m medley. Aí na Olimpíada vão ser dois 400m medley no mesmo dia, e ambos fortes. Você tem de nadar forte para classificar. Nos 200m medley eu consigo dosar bem, e por isso é mais fácil. Nos 400m medley eu perco um pouco essa noção do tempo, até por ser uma prova maior.

As provas que Thiago Pereira pode nadar em 2016

Só as duas [200m medley e 400m medley]. No Maria Lenk eu também devo nadar os 100m borboleta, mas aí vai depender do cronograma de provas. Se for depois, tudo bem. Se for antes, vou dar preferência às disputas em que eu tenho chance de medalha. Cheguei a uma fase em que não dá mais para ficar abrindo o leque. A gente tem de focar.

A quarta participação em Jogos Olímpicos e a chance de igualar Rogério Romero

Nota da redação: Thiago Pereira disputará em 2016 a quarta edição de Jogos Olímpicos da carreira, igualando a marca de Gustavo Borges. Rogério Romero, que foi a cinco, é o recordista da natação brasileira.

Eu sempre traço minha vida de quatro em quatro anos. Quando a gente tenta abraçar tudo também não dá. Aí você começa a atrapalhar o presente, também.

No início eu também não pensava em ser o maior medalhista do Pan-Americano. Foi uma coisa que veio com o decorrer do tempo e que veio com os objetivos se juntando. Eu fui para Santo Domingo em 2003 e conquistei duas medalhas. Depois você começa a entrar no cálculo: tive um quarto lugar lá por um centésimo. Quando aconteceu a desclassificação no Canadá e a contagem estava por uma medalha, aí eu lembrei daquele um centésimo de 2003. Olha ele fazendo falta. Mas deu tudo certo. Acho que sobre a quantidade de Jogos é meio igual.

O futuro depois da Rio-2016

Já me perguntaram se eu vou para Lima para estender o recorde de medalhas em Pan-Americanos. Eu disse que não sei. Não sei nem se vamos estar aqui. Vou deixar rolar. Tem sido um ciclo maravilhoso para mim. Conquistei tudo que queria depois que saí de Londres. Faltava uma medalha em Mundial, mas eu tive duas em 2013 e uma em 2015, com minha melhor colocação. Fui recordista de medalhas em Pan-americanos, melhor nadador de 2015, atleta da torcida na votação do COB. Foi um ciclo muito bonito, e eu quero finalizar bem no Rio. O futuro vamos ver. Muita coisa vai depender do que acontecer em 2016.

Ao mesmo tempo, não tem como. Não vou conseguir nadar por mais 20 ou 30 anos. Uma hora isso vai acabar. Não sei como vai ser.

A hora de parar de nadar e a comparação com Rogério Ceni

Quando eu era pequeno, perguntava por que o cara estava jogando ou por que ainda estava naquela e não tinha parado no auge. Às vezes a gente simplesmente gosta muito de fazer. Vou te dar um exemplo: Rogério Ceni. Nada a ver com esporte olímpico. O cara jogou durante anos, e eu tenho certeza que não foi por dinheiro. Foi porque o cara gosta e faz o que ama. A gente chega a um ponto em que fala tchau e não tem mais volta, mas a gente não quer perder.

O “jeito Thiago” contra o estresse dos Jogos Olímpicos

Minha mãe brinca que há três jeitos de fazer uma coisa: o certo, o errado e o jeito do Thiago. Minha tia e ela não acreditam no que eu faço. Teve uma competição em que nós viajaríamos para a Austrália. A galera estava a caminho do Rio para pegar o voo, e eu estava na casa delas com as minhas malas. Deu um rolo na passagem, e eu não sabia se iria para a Austrália, se pegaria um voo para São Paulo e iria para a Austrália no dia seguinte ou se teria de ficar.

Eu estava ali, sentadinho, tomando meu café, esperando um telefonema para saber o que fazer. Eu deixo rolar. O que a gente tem de estresse é mais do que suficiente. Tento deixar as coisas fora. Agora atrasei uma conta nos Estados Unidos, por exemplo. Se chega no dia e não tem jeito, no dia seguinte eu pago. Esse tipo de coisa a galera às vezes se estressa, mas eu tento não ligar.

O que eu posso controlar sou eu. Posso controlar meu treino e minhas atitudes. O que está ao meu redor está fora do meu alcance. Me perguntaram sobre a obra da piscina, sobre como a piscina está ou o horário às 22h. Isso eu não posso resolver. Tenho de lidar com isso porque já tenho dor de cabeça suficiente.

O horário da natação na Rio-2016 e as dificuldades de competir às 22h

Honestamente, eu nem ligo para nadar nesse horário. O pessoal não pensou é no todo. Vamos supor que o cara nadou a última prova, ganhou medalha, tem de fazer doping e soltar. Vai chegar à Vila a que horas? E cara, quando você ganha medalha você está na adrenalina. Em Londres eu demorei duas horas para dormir. Isso é o que eu acho que a galera não considerou.

No dia seguinte, as competições começam às 13h. Mas vai explicar para o organismo aqui dentro que ele tem de dormir durante o dia e precisa fazer exercício à noite. Pensando em geral, é um horário complicado. Imagina para quem vai sair da Barra de metrô ou trem. É duro, mas não está no meu controle.

Quando chegar mais perto, a gente deve colocar um treino perto do horário. Para mim é lindo em Los Angeles, que hoje tem seis horas de fuso e depois vai cair para quatro. Vai ser bom para o organismo.

A vida nos Estados Unidos e a alta do dólar

Tenho ajuda do COB [Comitê Olímpico do Brasil], da CBDA e dos Correios. Meu psicólogo, meu preparador físico, meu fisioterapeuta e todo meu estafe, aí são eles que ajudam. Se eu tivesse de me responsabilizar por custos pessoais, meu aluguel e meu estafe, com o dólar no patamar atual, já teria voltado.

Os compromissos fora da piscina em 2015 e a mudança de foco neste ano

O ano passado foi puxado, com vários eventos políticos. Em várias horas eu tive de ir para Brasília para compromissos com Correios, com a presidenta, com patrocinadores. Na seletiva para a Olimpíada eu cheguei a Palhoça na quarta à noite, descansei na quinta e nadei na sexta de manhã. O Minas até me liberou para ir de táxi [do hotel para a piscina] e fazer o que eu achava melhor, mas esse compromisso [nos Estados Unidos] com um patrocinador já estava marcado desde janeiro.

Agora, vou para os Estados Unidos e acabou. Vou até atender imprensa, mas não volto para o Brasil para nada ou ninguém. Agora é minha vida. Falei para os meus patrocinadores: depois que acabarem os Jogos eu não vou embora. Vai ser a primeira Olimpíada em que eu vou ficar até o fim. Tudo que eles quiserem, na segunda semana, depois que eu nadar, eu posso fazer. Antes eu não posso. Não dá para ser como no ano passado, que eu fiz dois bate-volta de Los Angeles. Foi loucura, mas era a hora. Agora tem de ser como em 2012.

A corrida por ingressos para os Jogos Olímpicos

A gente se preparou e deu entrada em vários. Eu e a Gabi [Gabriela Pauletti, esposa do nadador] compramos vários ingressos – todos em que nós fomos aprovados. Sei que uma galera da seleção fez isso também, e amanhã a gente troca tíquetes. Às vezes eu tenho do dia em que o filho de alguém vai nadar e o cara tem o meu. Teve uma galera de casa que também comprou, até para a gente ter extra. Mas ainda faltam alguns para provas minhas. Vou ter de dar uma chorada.

Falta um pouco uma coisa para os pais. Isso é importante. Não digo nem dar, mas separar um tanto de convite para pai e mãe. Pelo menos no dia em que o atleta X for nadar. O Thiago vai nadar no primeiro dia os 400m medley. Então, se ele quiser, pode comprar pelo menos dois ingressos. Não é dado, mas comprado. A Olimpíada no Brasil vai ser um momento único, e a galera tem acesso. Dá para fazer.

Eu vou resolver da minha mãe e da Gabi, e aí já era. Vou desligar meu telefone. Minha sorte é que os Correios são patrocinadores oficiais. Por toda a história que eu tenho, acho que isso vai me ajudar muito para conseguir algo para minha família. Mas é lógico que eu tentei comprar.

Michael Phelps na Rio-2016

Não sei se ainda é o Phelps de 2008, que foi único. Naquela Olimpíada, Deus olhou para ele e falou que tinha de ser. Mas eu acho que ele vai dar um grande resultado e que a presença dele vai ser muito boa. É o maior atleta olímpico da história e soma em termos de mídia e visibilidade do esporte. Quantas pessoas não querem ver ele nadando ao vivo ou ter oportunidade de estar perto? A presença dele aqui vai ser dez. Independentemente de pensar nele como adversário e como atleta, nós só temos a ganhar com ele aqui.

A conversa com Cesar Cielo

A gente bateu um papo depois de Palhoça. Fazer o índice, para ser bem honesto, eu tenho certeza que ele vai fazer. Não vai ser apenas o Maria Lenk, mas um teste evento. Vamos ter outros nadadores, muita coisa envolvida e muita pressão. E aí, para segurar, ele segura muito mais facilmente do que qualquer um. O Cesar já fez e tem isso dentro dele.

Agora que virou o ano ele já está malhando e treinando. Vai acertar a vida dele, e eu tenho certeza que o Cesar vai fazer o índice. É o que eu falei para ele: são apenas sete meses. Dá mais do que tempo. É no Brasil, cara. Depois de tudo que a gente já fez. Ele vai mandar bem, vai classificar. Tenho certeza que a gente vai estar junto na última Olimpíada e que ainda pode fechá-la bem.

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