Medalhista olímpica vira voluntária da Rio-2016 e sofre para se controlar
Guilherme CostaDo UOL, no Rio de Janeiro
A empolgação para disputar cada bola foi uma marca de Alessandra Santos de Oliveira, 42, no período em que ela atuou como pivô da seleção brasileira de basquete feminino. Campeã mundial em 1994, a atleta de dois metros de altura participou de três edições de Olimpíadas (1996, 2000 e 2004) e foi determinante para o país ter acumulado dois pódios (prata em Atlanta-1996 e bronze em Sydney-2000). Agora, num momento totalmente diferente para a modalidade, o maior desafio de Alessandra é se controlar. Selecionada para trabalhar como voluntária da Rio-2016, ela ficará na área da quadra durante os Jogos. Em vez de tocos ou rebotes, terá de pensar em orientação de acesso, coordenação de gandulas e protocolos.
“Em algumas vezes escapam algumas palavras como ‘vai’ ou ‘não faz isso’. Eu sei que tenho de me segurar mais, mas estou tentando. Estou me treinando psicologicamente, mas é um reflexo. Jogador é jogador, ainda mais quando a seleção está em quadra”, disse Alessandra, que teve a primeira experiência como voluntária durante o evento-teste do basquete feminino. O torneio da modalidade foi realizado entre os dias 15 e 17 de janeiro e inaugurou a Arena Carioca 1, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Como voluntária, Alessandra acompanhou uma seleção enfraquecida. O evento-teste do basquete foi o ápice de uma cisão entre a CBB (Confederação Brasileira de Basquete) e um grupo de clubes que disputam a LBF (Liga de Basquete Feminino). As equipes orquestraram um boicote à competição, e sete atletas convocadas pelo técnico Antônio Carlos Barbosa não se apresentaram.
“Eu só queria ter quatro anos a menos. Se tivesse, estaria aí. Estaria aí até manca, mas essa é minha posição pessoal. Eu estaria na quadra até se fosse me arrastando”, ponderou Alessandra, que evita falar como aposentada: “Eu treino ainda. Sou campeã brasileira de 3x3 e disputo Jogos Abertos [do Interior] e tudo que aparece. Jogo máster, também. Então, quem sabe? Se pintar uma chance...”.
A Rio-2016 será a segunda experiência olímpica de Alessandra fora das quadras. Em 2012, a pivô esteve em Londres como comentarista. E ela já sentiu naquela época o que tem sido o maior desafio agora. “Fiquei muito ansiosa. Foi difícil. Aqui, por ser em casa, vai ser ainda mais especial”, comentou.
Em 2013, Alessandra chegou a iniciar um plano para se afastar das quadras. Na época, depois de ter sido a jogadora mais velha da temporada da LBF, a pivô começou a se dedicar mais a uma empresa de perícia automotiva que ela havia criado em 2009 – a pivô morou fora do Brasil por 15 anos e viveu em nove países diferentes.
O projeto para ficar longe do basquete, contudo, durou pouco. Alessandra hoje estuda educação física e faz palestras para iniciação esportiva para crianças com faixa etária entre seis e dez anos. A ideia de ser voluntária da Rio-2016 faz parte dessa reaproximação.
“Queria estar aqui e viver esse momento, independentemente de tudo que está acontecendo no basquete feminino. Acho que é importante estar aqui apoiando o Rio-2016, ainda mais por estar em casa. Não sou carioca, mas me sinto em casa aqui”, finalizou a atleta-voluntária.
Os Jogos Olímpicos de 2016 terão 50 mil voluntários, mesmo contingente de Pequim-2008. A competição do Brasil teria 70 mil, mas reduziu vagas como parte de um corte de orçamento do comitê organizador – apesar de trabalharem de graça, as pessoas inscritas nesse programa representam custos em aspectos como uniforme, alimentação e transporte, por exemplo.
No basquete, Alessandra não é a única voluntária que representa uma geração vencedora. Helen Luz, 43, armadora que também foi campeã mundial e esteve nas campanhas das medalhas olímpicas de Atlanta-1996 e Sydney-2000, é outra que se inscreveu para trabalhar na Rio-2016.
Grupo de voluntários da Rio-2016 também terá brasileiros experientes
A vivência esportiva de Alessandra e Helen não será a única entre os voluntários dos Jogos Olímpicos deste ano. No grupo selecionado pelo comitê organizador Rio-2016 há pessoas que já trabalharam em outras edições, como o fisioterapeuta gaúcho Roberto Kruger, 35, que esteve em Londres-2012.
“Eu morava na Irlanda naquela época e trabalhava como fisioterapeuta em esportes como rúgbi e natação. Fui atleta federado, mas amador, e meu sonho era participar das Olimpíadas”, contou Roberto.
O brasileiro trabalhou como fisioterapeuta na Vila Olímpica e atendeu atletas da vela. Ficou lá por três semanas: “Conheci o [velejador brasileiro] Robert Scheidt, mas ele não foi procurar tratamento. Nós apenas estávamos no mesmo espaço”.
A brasileira Julia Innecco, 30, teve uma história curiosa em Londres-2012. Tradutora e intérprete, ela foi voluntária na área de protocolos e idiomas da vela. Em um dia, abriu a porta do lounge de convidados e recebeu Kate Middleton, casada com o príncipe William, segundo na linha de sucesso ao trono britânico.
“Ela cumprimentava os homens com as mãos, mas não tocava nas mulheres”, relatou Julia. “A gente preparou o barco da Kate com potinhos de biscoitos e com champanhe, e aí você sabe como os ingleses são com a monarquia: depois que ela apareceu, formou-se uma fila de gente para ver a menina”, completou.
Os voluntários precisaram montar um revezamento para impedir que as pessoas se aproximassem muito da princesa. “Quando terminei o dia, levei os potes de biscoitos da Kate para a cantina e disse que eram dela. Só faltou o povo arrancar meu braço. Não sei nem se a galera comeu, mas todo mundo quis guardar algo que estava no barco dela”, contou Julia.