Reinvenção de Cielo: após pausa inédita, nadador foca 100m para se reerguer
Guilherme CostaDo UOL, em Palhoça (SC)
Existe um novo Cesar Cielo. Quatro meses depois de ter vivido um dos momentos mais conturbados da carreira e de ter sido cortado do Mundial de esportes aquáticos de Kazan (Rússia) por causa de uma lesão no ombro, o nadador de 28 anos voltou a disputar uma competição oficial na última quarta-feira (16). Foi o segundo do Minas Tênis Clube no revezamento 4x50m livre da seletiva olímpica disputada em Palhoça (SC), completou o percurso em 21s44 (com saída lançada) e comemorou – não pelo desempenho, mas por ter competido sem dores. Depois de um hiato inédito na carreira, o campeão olímpico de Pequim-2008 passou por um processo de reconstrução e apostou numa prova diferente para se reerguer.
“Como fazia muito tempo que ele estava parado, a gente focou mais em fazer um trabalho para os 100m, uma prova menos agressiva para a articulação. Em cima dos parâmetros que a gente tinha, a gente trabalhou de uma maneira conservadora para não ir muito ao limite e tentar recondicioná-lo aos poucos, preservando a articulação”, explicou Arilson Silva, técnico do nadador.
Cielo foi cortado do Mundial de Kazan no dia 5 de agosto, depois de ter sido o sexto colocado nos 50m borboleta. Por causa de uma inflamação no ombro esquerdo, o brasileiro deixou a Rússia antes de defender o tricampeonato dos 50m livre (Roma-2009, Xangai-2011 e Barcelona-2013).
Depois disso, o brasileiro foi submetido a uma bateria de exames de imagem. As avaliações identificaram um segundo tendão inflamado, e os médicos que trataram Cielo optaram por uma pausa total. O afastamento das piscinas por um período tão longo foi uma novidade para o atleta.
“O Cesar veio de três ciclos olímpicos com duas semanas de férias entre cada ciclo. Houve um acúmulo, e é um atleta que vem num desgaste progressivo”, disse Gustavo Maglioca, médico da seleção brasileira de natação. “Essa pausa foi importante. Pagamos um preço muito grande por descondicionar o atleta, mas ele já vinha num processo de fadiga. Aí começamos um novo processo, mas com a questão física zerada”, completou.
Durante a pausa, Cielo acompanhou o nascimento do primogênito – Thomas, o filho dele com a modelo Kelly Gisch, nasceu no dia 25 de setembro. O nadador retomou os treinos apenas em outubro e fez dez semanas de trabalho antes do Open de Palhoça.
“É difícil querer o máximo que eu posso fazer sabendo que eu voltei a treinar há pouco tempo. Fiz fisioterapia no ombro até outubro, e então eu treinei bem. Estou na expectativa de nadar bem. Não estou colocando tempo nem nada. Quero fazer boas provas, boas saídas, e depois eu vou pensar no ano que vem”, disse Cielo em entrevista coletiva concedida após a participação no revezamento.
Como foi o segundo no revezamento, Cielo não teve tempo contabilizado como índice olímpico – apenas os nadadores que abriram as séries eram considerados. Ele ainda vai disputar duas provas em Palhoça (os 100m livre, marcados para sexta-feira, e os 50m livre, previstos para sábado).
O Brasil tem direito a inscrever dois atletas por prova individual dos Jogos Olímpicos de 2016. Portanto, se três ou mais nadadores obtiverem índice, os donos dos melhores tempos representarão o país. Quem não atingir a marca em Palhoça só terá mais uma chance, em abril, no Rio de Janeiro, no Troféu Maria Lenk.
Mundial: ápice de uma temporada irregular para Cielo
O Mundial foi a prioridade absoluta de Cesar Cielo em 2015. Foi essa a justificativa do nadador, por exemplo, depois de um desempenho aquém do esperado no Troféu Maria Lenk. Foi por isso também que ele deixou de ir aos Jogos Pan-Americanos de Toronto.
No entanto, o Mundial não foi nada bom para Cielo. O brasileiro sofreu nas eliminatórias dos 50m borboleta e fez apenas o sexto tempo na prova final. Completou o trajeto em 23s21 em Kazan – evolução pequena para quem abriu a temporada com 23s28, melhor marca do planeta até então.
Um dia depois da derrota nos 50m borboleta, Cielo deixou Kazan. O nadador reclamava de dores oriundas de uma inflamação no ombro esquerdo, e o corte foi uma decisão tomada para priorizar a preparação para a Rio-2016.
O início do tratamento e a descoberta de um segundo tendão comprometido
Cielo foi submetido a uma bateria de exames de imagem no ombro esquerdo, e esses exames mostraram que havia dois tendões inflamados (o supraespinhoso e o subescapular). Inicialmente, o tratamento indicado ao nadador foi alternar descanso e tratamento leve.
“Foram três ou quatro semanas só de fisioterapia, com seções bem esparsas. A gente optou por apenas tratar o ombro e não apenas recondicioná-lo. Então ele deu uma pausa total no treino, com foco total nas articulações, principalmente no ombro esquerdo”, explicou Gustavo Maglioca.
Além de um tratamento específico para a inflamação, Cielo fez exercícios para melhorar a mobilidade da articulação. Só depois é que ele começou a ativar a musculatura em torno da região afetada.
“Aí depois você vai trabalhando a fisioterapia um pouco mais intensa, com exercícios de escápula e outros que usem a musculatura do próprio ombro. Só então é que começa o estímulo no gesto, e aí entra o treino”, disse o médico.
A retomada aos treinamentos e o foco nos 100m livre
Quando voltou a trabalhar na piscina, em outubro, Cielo teve de fazer atividades para retomar a amplitude da articulação, que estava um pouco retraída. Além disso, adotou um foco um pouco diferente, com prioridade aos 100m livre – ele vinha dando ênfase aos 50m livre.
“Aqui a gente está testando a condição articular. Ainda não é uma questão de performance, mesmo porque a gente ainda não fez um trabalho máximo nesse processo de recuperação”, contou Arilson Silva. ““É difícil querer o máximo que eu posso fazer sabendo que eu voltei a treinar há pouco tempo. Fiz fisioterapia no ombro até outubro, e então eu treinei bem. Estou na expectativa de nadar bem. Não estou colocando tempo nem nada. Quero fazer boas provas, boas saídas, nadar bem os 100m, e depois eu vou pensar no ano que vem”, adicionou Cielo.
A disputa por vaga nos 100m livre é uma das mais acirradas da natação brasileira para a Rio-2016. O país pode inscrever dois atletas por prova da natação, mas tem direito a levar até seis especialistas nessa distância porque o revezamento 4x100m livre está classificado. Atualmente, oito nadadores verde-amarelos estão entre os 50 melhores do planeta na prova.
Cielo tem o quinto tempo do Brasil nos 100m livre em 2015. Além de preservar a articulação, portanto, a aposta na prova é uma tentativa de encaixar o nadador no revezamento.
“A gente fez uma bateria de avaliações e testes para saber a condição dele. Foi a primeira vez na vida em que ele parou por tanto tempo para tratar uma lesão. Absolutamente inédito. Então a gente mediu vários parâmetros dele: metabólicos, articulares, de força e de potência. Aí a gente determinou como ia trabalhar para melhorar esses aspectos”, completou o treinador de Cielo.
A importância do aspecto psicológico do atleta
Cielo chegou a Palhoça com duas missões anteriores à disputa de índices olímpicos: mostrar que está livre das dores no ombro esquerdo e recobrar a confiança no próprio desempenho.
Por isso, ainda que a comissão técnica do nadador tente minimizar a pressa para obtenção de índices, Cielo não está livre de cobranças por resultados. “Tempo é sempre bom para a cabeça e para o psicológico. Ainda mais um velocista extremamente competitivo, como ele, que quer fazer tempo sempre”, avaliou Arilson Silva.
A comissão técnica de Cielo transformou o Open de Palhoça em parte de um projeto voltado aos Jogos Olímpicos do próximo ano. “Acho que ele aproveitou bem esse período. Ele está feliz. Acho que ele está num caminho bom e que está vendo as Olimpíadas”, disse Alberto Silva, o Albertinho, técnico da natação masculina do Brasil.