! Ela queria ser ginasta, mas foi obrigada a trocar de sonho e usar capacete - 28/11/2015 - UOL Olimpíadas

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Ela queria ser ginasta, mas foi obrigada a trocar de sonho e usar capacete

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

Na primeira vez em que levou o capacete cravejado de cristais Svarovski com seu nome para a pista de atletismo, Robin Bone conseguia no salto com vara apenas pular marcas que lhe dariam marcas ruins em outra prova, o salto em altura. As oponentes, sem muito pudor, riam de sua cara. "Ela não só usa capacete, como salta muito mal, estou com vergonha alheia", disse uma.

As autoras do "bullying" não sabiam tudo o que a canadense tinha passado para ter permissão para dar aqueles microssaltos e que aquilo só aumentaria sua fome, depois de um drama que a fez trocar de sonho no esporte e mirar os Jogos Olímpicos em 2016.

A história de Robin Bone começou na ginástica artística, sua grande paixão. Competitiva desde sempre, ela sonhou ser uma pop star, só para estar na frente de um grande público e ser a número do mundo. Acabou enveredando para o esporte, jogando lacrosse, basquete, softbol, futebol americano e se fixou na ginástica.

Hoje, Robin guarda consigo 15 medalhas de ouro em campeonatos estaduais nos EUA e uma coleção de concussões. Foram essas lesões na cabeça que mudaram sua vida. Cinco delas. A última a tirou do prumo e a forçou a abandonar sua modalidade e adotar o capacete, algo que não é visto nas grandes competições de atletismo e chama a atenção onde quer que ela salte.

“Minha última concussão foi em 2009. Eu girei demais em um movimento simples da ginástica, que eu fazia desde os cinco anos. Não lembro muito do incidente, mas pensava: ‘ficarei bem’”, relembra a canadense, em seu site. Não foi tão simples, ela precisou ser tirada totalmente de sua realidade para se curar.

“Por ordem dos médicos, fui proibida de ir para a escola e me mandaram ficar em um quarto escurto, sem estimulações, para que eu me recuperasse do trauma no cérebro. Sem computador, sem celular, sem TV, sem amigos e, o pior de tudo: sem ginástica. Foi uma época incrivelmente dura na minha vida”, disse Robin. Essa foi sua realidade por um mês. Outro mês passou e ela começou a retornar à escola, mas ela e os outros ainda sentiam que ela era uma pessoa “diferente”.

A Robin alegre de antes demorou a retornar, até por conta da decepção de não poder fazer o que gostava. Os médicos proibiram permanentemente a ginástica em sua vida. “Eu ficava esperando o sinal verde dos médicos, mas ele nunca veio. No começo, fiquei maluca com isso, eu não podia acreditar. Até hoje me emociono ao lembrar”.

Aos 16 anos, ela tinha de achar outra diversão. Começou a dar aulas de ginástica, mas sentia falta dos treinos. Começou a pensar em todas as modalidades que tinha disputado na infância e se lembrou do atletismo, um esporte em que não seria atingida na cabeça. Teoricamente. Mas calhou de optar pelo salto com vara, em que uma queda poderia sim ser um risco. A opção foi usar o capacete e a empolgação voltou.

“Sabia que meus médicos e pais não iam me querer num esporte em que uma vara te tira do chão e te catapulta por cima de um sarrafo. Então, com muita conversa e algumas lágrimas ficou decidido: Robin vai usar um capacete. Sim, um capacete. Eu estava aterrorizada, mas decidida a tirar o melhor disso tudo. A missão: como detonar com um capacete. Coloquei meu nome atrás dele, cravejado de cristais Svarovski e estava pronta. Se tivesse confiança, poderia virar um ícone. Claro que virei ‘a garota do capacete’ para todos”, relata ela.

É claro que houve episódios tristes como o preconceito já citado. Mas eles alimentaram a garota a treinar mais forte e melhorar aquela marca de iniciante, de vexatórios - mas naturais para seu momento - de 1,50 m de altura. Passou a ver vídeos no Youtube, acompanhar de perto os recordistas para aprender por imitação seus movimentos e passou a ter aulas com nomes mais fortes, ainda que o fizesse à distância, por Skype.

Tudo isso levou Bone, atualmente com 21 anos à elite, ainda que na parte de baixo desta “tabela”. A canadense conseguiu recordes e títulos em seu estado e tem como melhor marca da carreira 4,36 m, em competição indoor.

“Eu me sinto ótima de ser a garota do capacete. Os resultados e o barulho que fiz me levaram a tratar o salto com vara com seriedade. Quando uma porta se fecha, outra se abre. O salto com vara realmente abriu portas. Eu poderia olhar para trás e dizer: ‘pobrezinha de mim’, mas não sinto nada disso, sou sortuda por ter todas essas experiências e ter crescido com elas. Não mudaria nada que vivi. Se puder inspirar uma pessoa com o que passei, já terá sido um sucesso”, comemora ela.

Hoje, Robin Bone ainda está longe do sonho de trazer seu capacete para as Olimpíadas no Rio, apesar de ser sua maior meta. Ela é a sexta canadense na lista de melhores marcas do ano, com 4,22 m - a melhor da temporada é Yarisley Silva, com 4,91 m. Se não for em 2016, o sonho olímpico não acaba, só será adiado. “Quatro anos é um longo tempo, mas tenho algo em mente, algo que só acontece a cada quatro anos.”

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