! Como a tradição japonesa moldou o técnico brasileiro mais vitorioso hoje - 11/11/2015 - UOL Olimpíadas

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Como a tradição japonesa moldou o técnico brasileiro mais vitorioso hoje

Bruno Doro e Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

Quem é o técnico mais vitorioso do esporte brasileiro hoje? Uma dica: não é José Roberto Guimarães, tricampeão olímpico do vôlei, nem Bernardinho, dono de cinco medalhas também no vôlei, ou Torben Grael, que ganhou cinco medalhas como atleta e hoje é o coordenador técnico da vela nacional. O posto pertence a um técnico de judô que, curiosamente, não é nem mesmo o número 1 em pódios olímpicos em sua família.

Luiz Shinohara, que visitou a redação do UOL Esporte na última semana acompanhado da tocha olímpica, é o técnico da seleção brasileira de judô que levou atletas ao pódio seis vezes. Ele era o comandante do time brasileiro nas Olimpíadas de Atenas-2004, quando Flávio Canto e Leandro Guilheiro levaram o bronze. Estava ao lado do tatame em Pequim-2008 para os bronzes de Tiago Camilo e Leandro Guilheiro. E estava novamente em Londres-2012, acompanhando Felipe Kitadai e Rafael Silva.

Seu pai, Massao Shinohara, tem um pódio a mais: ele foi o técnico da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles – em que Luiz competiu. Nos EUA, três judocas subiram ao pódio: Luiz Onmura e Walter Carmona ficaram com o bronze e Douglas Vieira levou a prata. Além disso, sensei Massao ainda foi o homem que moldou Aurélio Miguel, duas medalhas olímpicas (ouro em Seul-1988 e bronze em Atlanta-1996), e Carlos Honorato (prata em Sydney-2000). “Ninguém em casa fez essa conta. Mas, na verdade, ela não importa muito. Tanto eu quanto meu pai somos orgulhosos das medalhas. Mas o mérito é dos atletas”, diz Shinohara.

Essa modéstia é típica do japonês. Sensei Massao nasceu na Ásia. O filho, Luiz, no Brasil, mas fala japonês. Na casa mais vitoriosa do judô nacional, o diálogo é mínimo. Mas a filosofia oriental, de trabalhar em silêncio, respeitar os mestres e treinar com garra está presente. Foi assim que Shinohara, um atleta que não conseguiu o sucesso em cima dos tatames, chegou ao sucesso fora dele, ensinando. Ao UOL Esporte, o técnico da seleção masculina de judô falou sobre seu início no esporte, a transição para a função de professor e o futuro longe da seleção – que está cada vez mais próximo.

Flavio Florido/UOL
Detalhe da tocha olímpica, que esteve no UOL Esporte durante a entrevista de Shinohara imagem: Flavio Florido/UOL

Início no judô

Eu não tive muita escolha. Meu pai era professor de judô. Não era o trabalho dele, mas ele dava aulas depois do trabalho. Comecei com cinco anos. Com o tempo, ele montou uma academia no quintal de casa. E essa academia foi pegando nome. Muitos atletas da região, a Vila Sônia, passaram a se interessar. E a academia começou a despontar como uma das melhores dentro do Brasil. O meu início foi assim. Não tinha muito o que escolher...

O judô é um esporte bastante rigoroso. Principalmente na parte da disciplina. Não tinha conversa. Era imposto, na lata, na base do sofrimento. E você tem que cair muito. A maneira de aprender é pegar um cara para te jogar e vai jogando, jogando, jogando…. E o tatame [da academia do pai] não era adequado. Era de palha. Nunca se trocava aquele tatame de palha. Só se colocava uma lona em cima. E estava sempre bem compactado, bem duro. Por esses e outros motivos, fui enjoando. Só fui gostar mesmo depois que eu comecei a ganhar.

A carreira como judoca

Avaliando minha carreira, eu penso que não fui um bom atleta [foi o representante do Brasil nos Jogos Olímpicos de 1980 e 1984 e conquistou três medalhas em Jogos Pan-Americanos, de 1975 a 1983]. Eu até me achava bastante técnico, mas, já novo, era melhor ensinando do que competindo. Eu gostava de competir, mas ia só até um certo ponto. Não conseguia avançar. E acabava desistindo. Eu não servia para competição. O que eu considero mais importante hoje é a atitude. Para você ganhar alguma coisa, tem de ser perseverante, você tem de ter atitude. Ainda mais sendo o nosso esporte um esporte de luta. A própria palavra já diz: você tem de lutar. E muitas vezes a gente se acomoda no bonitinho, na parte técnica. Eu não tinha nada dessa perseverança.

Aurélio Miguel, Carlos Honorato e Luiz Onmura

Quando um atleta tem potencial, você não consegue identificar logo que entra. Até dois ou três anos de prática, você não consegue identificar que o cara vai ser um campeão…. O Aurélio, naquela época, tinha um perfil necessário para ser campeão. O próprio Honorato também não. Talvez o Luiz Onmura tivesse mais o jeito. Mas é muito difícil ver. Se você apostar nisso, a chance de errar é muito grande. É por isso que eu penso que a gente tem de trabalhar primeiro a base, com todos os fundamentos do esporte, para depois a gente ficar intensificando com quem tem esse espírito. Não adianta o atleta ser tecnicamente muito bom, mas não gostar de treinar. Ou ser fraco espiritualmente. Tudo isso tem de ser considerado. Nesse aspecto, Aurélio, Honorato e Onmura tinham uma coisa em comum. Eram perseverantes. O Aurélio, se caísse, ia atrás até conseguir reverter a situação. Você via que era garoto que desde pequenininho já tinha essa atitude. O Honorato, a mesma coisa. São as características fundamentais. Os dois nem tinham a parte técnica tão apurada, mas esse espírito era a diferença. O Onmura era mais técnico, mas também tinha esse espírito.

As 13 medalhas da família

Meu pai é japonês. Daqueles tradicionais. E, em casa, nunca foi de muito diálogo. E ele não gosta muito de mostrar o que fez. E eu procuro ir pelo mesmo caminho. Eu não tinha feito essa conta de quantas medalhas a gente tinha. Mas a gente fica bastante satisfeito por ser o fruto de um trabalho. Às vezes, ele fala da experiência com os alunos dentro da seleção. E é sempre gostoso ficar ouvindo, porque ele fala aquilo como a melhor passagem da vida dele. Gostaria que comigo, um dia, também seja assim.

Tudo o que eu aprendi, eu aprendi com ele. E tento transferir tudo isso para os atletas. Lógico, com um pouco mais de modernidade, mas tento transferir tudo o que ele me ensinou: para quem vive no judô, o detalhe é muito importante. Em tudo o que você vai fazer, tem de querer sempre se perfeito. É nesse aspecto que eu ganhei muito com meu pai.

Estilo de treinamento

Em tudo o que você se propõe a fazer, tem de tentar ir um pouco mais. Quando o meu adversário desiste, é aí que eu preciso encontrar mais força. Mesmo não aguentando mais, já nas últimas [energias], quando eu vejo meu adversário ali, acabado, eu tenho de trabalhar um pouco mais. Não é pisar no derrotado. É fazer mais quando você mesmo está cansado, achando que não é possível. É isso que nos fortalece. É isso que a gente não pode perder. É assim que a gente vem trabalhando com nossos atletas.

Seis medalhas de bronze, nenhuma de ouro

Vou dizer. Se tiver de escolher entre três medalhas, qualquer uma delas, ou só uma, mas de ouro, eu fico com as três medalhas. É claro que é importante uma medalha de ouro. Mesmo porque, nessa gestão, no masculino, a gente ainda não fincou o pé em uma medalha de ouro. Mas medalhar é difícil, por isso não penso na qualidade da medalha. Ganhar um número de maior de medalhas mostra que você tinha mais atletas em condição de pódio. Isso é trabalho. É assim que você realmente dá provas do que está fazendo. Mas um ouro seria muito, muito bom…

Maior judoca que treinou

Tem um cara que, pra mim, foi acima. Como atleta e como pessoa: o Flávio Canto. Esse é imbatível. Se você pegar a seleção, todos são muito responsáveis, mas falta um pouco nessa outra parte. O Luciano Correa, por exemplo, é muito fácil de trabalhar. Ele teve uma base ruim e essa mudança de regra, que proíbe a pegada na perna, mexeu muito com ele. Mas, mesmo assim, não vinha gente para superá-lo. A equipe, como um todo, é muito tranquila. Então, se for para destacar alguém, esse alguém é o Flávio. É um cara que se dedicava, se concentrava e ainda ajudava todo mundo. E não só na parte de chão, que é a especialidade dele. Até na motivação: sempre empurrando os companheiros. Um cara muito bom.

Formação do sucessor e adeus à seleção

A gente tem trabalhado [para formar um substituto]. Trouxemos o Mario Sabino e o Mario Tsusui, que hoje está no feminino. E trouxemos o Fúlvio Miyata. O Fúlvio foi um baita atleta. E tem um perfil muito bom. O ideal não é ter um técnico igual a mim. Mas alguém melhor. E o Fúlvio tem tudo para isso. Os atletas gostam muito dele e tem de ter isso. Essa empatia e cumplicidade.

Já era para ter saído [da seleção]. Mas o Ney pediu para continuar mais um ciclo. Por mim, já estaria fora. Depois, talvez eu passe mais para treinamento. É o que eu prefiro, é minha área. Minha cabeça está feita. Eu não continuo.

*Luiz Shinohara e a tocha olímpica visitaram o UOL Esporte a convite do Bradesco

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