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Esgrimista poeta homenageia avó que sobreviveu a massacre de 1,5 milhão

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

Precisão, técnica e plasticidade. O paulistano William Zeytounlian trabalha com esses atributos nas duas atividades que são sua paixão: lutar esgrima e escrever poesias. Campeão sul-americano da modalidade, ele agora aguarda pela oportunidade de estar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Enquanto isso, treina e divulga “Diáspora”, seu livro recém-lançado pelo selo Demônio Negro. A obra é dedica à avó de William, que sobreviveu a uma dos maiores matanças da história: o chamado Massacre Armênio, em que os turcos mataram ao menos 1,5 milhão de armênios. O terrível episódio completou seu centenário exatamente neste ano. 

Campeão e poeta

Com 26 anos, William pratica esgrima desde os 15. Tricampeão brasileiro, e vencedor de diversos torneios regionais, ele esteve nos Jogos Pan-Americanos de Toronto e, com a conquista do Sul-Americano na categoria sabre em setembro, o jovem conquistou seu primeiro título internacional. Para completar o bom momento pessoal, William também acaba de lançar sua primeira coletânea de poesias.

Neto de armênios, o esgrimista faz questão de manter uma forte ligação com a cultura de seus descendentes. Tanto que as poesias de “Diáspora” giram em torno da ligação afetiva com sua avó. Efrazuhi Zeytounlian, que morreu este ano aos 94 anos, fugiu dos turcos em 1923. Isso porque, apesar de 1915 ter sido o auge da perseguição, ela prosseguiu pelos anos seguintes.    

Massacre vitimou ao menos 1,5 milhão

A dimensão do Massacre Armênio é tamanha que até hoje os armênios lutam para que o massacre seja considerado oficialmente um genocídio, como no caso dos judeus durante a Segunda Guerra. Hoje, cerca de 20 países, além do Parlamento Europeu, reconhecem o genocídio. Não é o caso da Turquia, que nega o acontecimento. O triste episódio causou a diáspora (dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica) da população armênia da Turquia. Muitos, como os avós de William, precisaram se refugiar em terra estrangeira. “Aprendi com a minha avó o que realmente significa a diáspora. Tem a questão da ancestralidade, ou seja, de conhecer e entender o lugar de onde você veio, e a da sobrevivência, que é recomeçar em um novo país”, diz o esgrimista.

Com sua avó, William ouviu relatos sobre a perseguição aos armênios, teve contato permanente com a cultura do país e pôde compreender o que significa ser um armênio longe de sua terra. “Desde pequeno fui induzido a refletir sobre a minha descendência. Todos Avó meus poemas se relacionam com essas questões”, diz o esgrimista, que dedica o livro à avó. E ele vê paralelos entre a poesia e a esgrima. “Ambas têm plasticidade e agressividade, beleza e violência”.

Lutando na Turquia

Curiosamente, William ainda não conhece a Armênia, mas já esteve na Turquia para um torneio. E gostou da experiência. “Não tenho nada contra o povo turco, e Istambul é sensacional, uma das cidades mais bacanas que já conheci”, diz o esgrimista. Ele admite, porém, que teve uma sensação diferente quando enfrentou um turco. “Eu não tinha raiva ou algo assim, mas passou pela minha cabeça que eu não podia perder”, lembra William.

Caminho difícil para as Olimpíadas

A principal renda de William vem do Bolsa Atleta do Governo Federal e dos recursos da Lei Agnelo/Piva. Para o atleta, o apoio institucional, que começou na época do governo Fernando Henrique Cardoso, melhorou durante o governo Lula. “Há alguns anos, seria impensável para um atleta da esgrima contar com o apoio que tenho hoje”, acredita William.

Apesar dos bons resultados, o caminho para chegar às próximas Olimpíadas é duro. William precisará estar entre os 12 melhores do mundo ou ser um dos dois melhores esgrimistas das Américas, posições que ele ainda não alcançou. Por isso, conta principalmente com as oito “cartas brancas” que o Comitê Olímpico Internacional poderá, ou não, conceder aos brasileiros da modalidade. Se isso acontecer, ele poderá se classificar automaticamente para estar no Rio. Mas William só saberá disso em abril do ano que vem, e garante não estar consumido pela ansiedade. “Se não acontecer, paciência. Teoricamente ainda terei mais uma Olimpíada a disputar (a de 2020)”, diz o poeta-esgrimista. 

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