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Treinador pede calma: "Nem fenômeno, nem monstro, Isaquias é um mortal"

USMAN KHAN/AFP
Isaquias comemora a medalha no Pan; ele pode vencer em 2016, mas técnico pede calma imagem: USMAN KHAN/AFP

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

Devagar com o andor que Isaquias Queiroz ainda é só um simples mortal. São 21 anos e três títulos mundiais, com perspectiva de até três medalhas na Rio-2016. É muita coisa, mas o técnico e mentor do canoísta baiano pede cuidado, estranha a badalação em torno do jovem e avisa: “Conheci muitas promessas, mas poucos campeões olímpicos”.

Jesus Morlán não é de enrolar. O espanhol chegou em 2013 para comandar a canoagem do Brasil com o histórico de ter treinado David Cal, seu compatriota, que é dono de cinco medalhas olímpicas e um dos maiores nomes da modalidade na última década. Em pouco mais de dois anos, levou Isaquias, maior promessa brasileira no esporte, ao topo do mundo. Na semana passada, ele e Erlon de Souza foram ouro na categoria C-2 1000 m do Mundial de canoagem. Não foi o suficiente para convencer o treinador.  

“Quando os meninos foram campeões mundiais, eu fui lá, dei um abraço e falei que competiram bem. Mas no meu mundo ainda não ganharam nada”, disse Morlan em entrevista ao UOL Esporte. Para convencê-lo, Isaquias Queiroz precisa subir ao pódio em 2016. “No currículo do David Cal, de Europeu e Mundial tinham 13 medalhas. Não adianta. Todo mundo só sabia que ele tinha 5 medalhas olímpicas. Me trouxeram para ganhar medalha olímpica”, completa ele.

Não se trata de desvalorizar o feito de seus pupilos, absolutamente inédito para o esporte brasileiro. Jesus só se esforça para não desperdiçar o potencial que ele vê. Por isso, cobra disciplina desde sempre. Foi ele quem decidiu trocar a badalação e o trânsito de São Paulo pela pacata Lagoa Santa, cidade mineira que fica a 35 km de Belo Horizonte, onde ele comanda a rotina dos canoístas com pulso firme.

“Não conheço nenhum campeão olímpico bagunçado. São tipos super calmos, tranquilos, que na hora decisiva estão dando o melhor deles. Eu gosto dos tipos calmos”, diz Jesus.

Por isso, ele estranha a badalação que há em Isaquias Queiroz. Hoje, não há no país atleta olímpico com tantos resultados animadores quando o canoísta, que passou a ser incensado pela imprensa com adjetivos exagerados, na visão do próprio técnico dele. “’Menino de ouro, fenômeno, monstro’... Não entendo muito isso. Não é isso. Ele é o Isaquias. Não ponham nomes superlativos em um tipo que é mortal. Quando ganhar, façam de tudo. É fácil ficar deslumbrado”, diz ele.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Jesus Morlán, técnico espanhol de canoagem, pede calma com o pupilo Isaquias imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

O que Isaquias pode fazer em 2016?
Que Isaquias é candidato a medalha já se sabe há pelo menos um ano. A questão agora é entender o quão longe ele pode ir nos Jogos do Rio em 2016. Veja, abaixo, como os resultados em Mundiais recentes geram a dúvida:

- Em 2013, Isaquias foi campeão mundial dos C-1 500 m, prova não-olímpica; e bronze no C-1 1000 m, prova olímpica.

- Em 2014, Isaquias foi bicampeão mundial dos C-1 500 m, prova não-olímpica; bronze no C-1 200 m, prova olímpica; e só não foi ouro no C-1 1000 m, também prova olímpica, porque caiu do barco a poucos metros da chegada.

- Em 2014, Isaquias abdicou da disputa do C-1 1000 m e do C-1 500 m, onde tinha medalhas quase certas, para tentar garantir a vaga olímpica no C-1 200 m e no C-2 1000 m. Levou bronze e ouro, respectivamente.

Em resumo, ele abdicou da disputa da principal prova e foi pódio nas duas em que não é especialista. Antes do Mundial, ele havia dito em entrevistas que a experiência nas provas novas era só para ajudar o Brasil, e que nas Olimpíadas disputaria só o C-1 1000 m.

“Tudo bem, isso disse um atleta, mas mando eu. Tomaremos a melhor decisão para o time e para ele. As declarações foram pouco afortunadas e hoje se você perguntar a ele já vai dizer outra coisa”, disse Jesus. Duro, mas correto. “Acredito que sim [posso conquistar três medalhas], mas quem irá resolver se irei competir nas três provas será o meu treinador”, disse Isaquias à reportagem, por email.

A obediência é um dos traços da relação entre os dois, além da admiração e o respeito. Isaquias já ressaltou a importância de Jesus na evolução dele e deixa tudo nas mãos do mestre. “Todo meu planejamento e preparação ficam a cargo do meu treinador e eu tento seguir tudo o que ele planeja pra mim”, disse o canoísta.

Foi assim no último Mundial, por exemplo, quando ele confiou na estratégia ousada elaborada pelo espanhol, que não contou para ninguém sobre a ideia de tirar Isaquias da sua principal prova.

“A gente sabia que o Isaquias estava muito rápido e a ideia era surpreender a Europa, que nunca tinha visto ele competir nessas provas. Ele conquistou a vaga para essas provas agora e quem ficou fora vai ter de se esforçar para estar bem e buscar a vaga no ano que vem, no pré-olímpico, enquanto ele vai focar só nas Olimpíadas”, disse Jesus.

Como a estratégia de fazer mistério deu certo, ele deve repeti-la no ano que vem. Isaquias tem resultados para sonhar com pódio no C-1 1000 m, nos C-2 1000 m e no C-1 200 m, e o cronograma dos Jogos Olímpicos permite que um atleta dispute as três sem tanto desgaste. Jesus diz, no entanto, que vai aguardar a evolução do pupilo para decidir por qual medalha ele vai brigar.

“Pode ser uma, duas, três ou nenhuma. Se eu fosse adivinho eu te dizia. É óbvio, ele só vai remar naquela regata que tiver chance, mas não sei quantas vão ser. Colocaremos o melhor atleta. É uma decisão que vou tomar com a confederação e o COB”, disse Jesus, taxativo. 
 

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