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Brasil vê manobra e tenta barrar o uso de tecnologia na vela da Rio-2016

Wander Roberto/inovafoto
Evento-teste da vela na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, para os Jogos Olímpicos de 2016 imagem: Wander Roberto/inovafoto

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

A Baía de Guanabara tinha acabado de ser anunciada como cenário da vela para os Jogos Olímpicos de 2016, e a maioria dos países ainda se preocupava com Londres-2012. Não era o caso da Holanda. Em competições e até treinos realizados no Rio de Janeiro desde 2010, segundo um atleta local, pessoas oriundas do país europeu já estavam posicionadas no alto do Pão de Açúcar e captavam imagens do que acontecia nas águas – desde o comportamento do clima, como vento e correntes, até as decisões tomadas pelos velejadores. O percurso da modalidade no próximo ano é descrito por todas as pessoas envolvidas com adjetivos como “desafiador” e “complicado”, e isso motivou uma corrida por informações que, de acordo com os donos da casa, virou uma pressão por mudança de regulamento.

Atualmente, existe uma restrição sobre uso de tecnologia na vela dos Jogos Olímpicos. Medições sobre clima e comportamento das correntes, por exemplo, podem ser feitas até o início da competição. Equipes podem levar botes com estafe técnico para a água, mas qualquer comunicação com os atletas é proibida.

“Até 2000 não tinha bote de técnicos – cada um ia para lá velejar e voltava. De lá para cá virou essa confusão de hoje. Isso não é bom para o esporte e não acrescenta muito, mas dá emprego para um monte de gente”, explicou Torben Grael, diretor-técnico da CBVela (Confederação Brasileira de Vela) e ex-atleta olímpico. “Não quero que se use medições durante as provas. Aí você pode ter informações sobre o que vai acontecer com o vento daqui a alguns minutos, e isso não é legal”, completou.

A versão de Torben, corroborada por pessoas da CBVela, é que os países com mais poder econômico e estudos mais avançados sobre a Baía de Guanabara têm feito pressão na Isaf (Federação internacional de vela, na sigla em inglês) para que o uso de tecnologia durante os Jogos Olímpicos seja liberado em 2016. A entidade nega, mas o assunto deve ser debatido em congresso anual agendado para novembro.

“Antes dos Jogos Olímpicos começarem, haverá uma data de fechamento da baía. Talvez um mês antes, mas a partir daí não permitiremos ninguém no campo de jogo. Isso está decidido e não há chance de mudança”, disse Malcolm Page, diretor de marketing da entidade.

A CBVela teme que essa posição não seja tão definitiva assim. Como a Baía de Guanabara é um local com alto grau de dificuldade, atletas e membros de estafes de outros países têm falado constantemente sobre a vantagem que os donos da casa levam porque conhecem mais o ambiente. E isso, segundo os brasileiros, criou uma pressão para que o uso de tecnologia seja usado para compensar.

“Eles [Isaf] estão em cima do muro. Até hoje nunca teve, mas tem gente puxando para ter. A Isaf é uma caixa preta e ninguém sabe nada. Politicagem, lobby para caramba”, criticou Torben.

Por que a Baía de Guanabara é um local tão complexo para a vela

As análises sobre o grau de dificuldade do Rio de Janeiro devem-se fundamentalmente a dois fatores: a diversidade – a vela será disputada em três raias dentro da Baía de Guanabara e três em mar aberto, e os percursos têm características muito diferentes – e a instabilidade – as condições climáticas na região mudam muito de um ano para outro.

“A cada vez que saímos, tentamos coletar mais dados sobre o ambiente e o clima. Nossos técnicos gravam tudo sobre o vento, por exemplo, e tentamos construir uma fotografia do que nos espera no ano que vem. Isso é difícil porque as coisas aqui mudam muito, mas estamos tentando”, contou Stephen Park, team manager da vela do Reino Unido. Os britânicos começaram a analisar a Baía de Guanabara em 2013 e mandam missões constantes para o Brasil. Neste ano, a equipe deles deve passar até 50 dias no país.

Há uma grande lista de países que montaram operação no Brasil nos últimos anos para acompanhar o comportamento da Baía de Guanabara. A Holanda, por exemplo, tem um casarão na Urca desde 2013 e faz um projeto de coleta de dados em parceria com a empresa Svasek, que já havia trabalhado com a delegação local nos dois ciclos olímpicos anteriores.

“São dados computadorizados, e os nossos técnicos têm acesso a isso para analisar. O sistema analisa, e nós temos de tomar decisões com base nesses dados. O que essa empresa faz é o macro. Mas nós sabemos que o necessário para vencer uma regata é o micro, que é a decisão baseada em observações e experiência”, afirmou Simon Keijzer, gerente de mídia e porta-voz da equipe holandesa.

As medições feitas por todas as equipes, por exemplo, apontaram que agosto é um mês com ventos fortes. Contudo, não foi essa a condição encontrada na semana passada, no evento-teste da vela para os Jogos Olímpicos.

A coleta de dados está em andamento

A restrição de uso de tecnologia abrange apenas os Jogos Olímpicos, mas não existe em outras competições. Durante o evento-teste, equipes puderam fazer medições enquanto as regatas eram realizadas e ajudar seus atletas. Não foram raros os casos de decisões ousadas – velejadores que contrariaram a maioria na regata e pegaram trajetos pouco usuais. Quase sempre, essas apostas foram sustentadas por análises sobre o ambiente.

“Eu acho que os brasileiros têm vantagem por causa do tempo que passam velejando aqui. Muitos moram no Rio há muito tempo, e esses têm uma vantagem ainda maior. É por isso que estamos tentando aumentar nosso conhecimento o máximo possível e o quanto antes”, explicou Park.

Todas as potências da vela têm projetos em andamento para coleta de dados sobre a Baía de Guanabara, e isso vai continuar até o ano que vem. O conceito mais usado pelos estrangeiros é “diminuir a desvantagem para os velejadores locais”.

“O problema não é vantagem ou desvantagem. A gente quer velejar na Baía porque é difícil, e difícil é bom para os nossos velejadores. Num lugar com vento constante, a regata é corrida de cavalo – quem é mais rápido ganha. Num lugar difícil como esse, é o velejador que ganha. Isso que é bom para a gente”, argumentou Torben.

Defesa de tecnologia também é um combate à trapaça

O argumento principal dos países que querem a liberação para uso de tecnologia durante os Jogos Olímpicos é que isso reduziria a incidência de fraudes. “Nossa opinião é que isso deve ser nivelado. Se um tem, o outro deve ter. Agora, se você não permite, alguém dá um jeito de burlar. Então, achamos que isso deve ser livre. Livre é mais justo, e o que nós queremos é o justo. Ainda mais nos Jogos Olímpicos”, opinou Keijzer.

Existe uma preocupação especial com os donos da casa nesse caso, já que a Marinha seguirá com barcos na água e tem equipamento para medições climáticas. O Brasil terá um total de cinco agências coletando dados durante os Jogos Olímpicos, e essas informações serão compiladas em modelo montado pela APO (Autoridade Pública Olímpica) para uso oficial.

“Nós passamos para a organização do evento, e eles distribuem para as equipes. Cada evento tem uma dinâmica – aqui [na vela] a gente tem um briefing de manhã e atualizações em dois momentos da prova”, afirmou Marcelo Pedroso, presidente da APO. Os relatórios produzidos pelas agências brasileiras têm dados sobre altura de onda, índice pluviométrico, umidade e temperatura.

Existe uma relação entre tecnologia e poluição na Baía de Guanabara

A corrida por informações e o alto investimento que alguns países têm feito para isso têm relação direta com a relação de poluição da Baía de Guanabara. O local não será totalmente limpo até os Jogos Olímpicos, e a organização brasileira tem trabalhado com a ideia de uma maquiagem.

Em meio a críticas sobre o resultado disso, membros do COI (Comitê Olímpico Internacional) e da Isaf já aventaram a possibilidade de tirar da Baía de Guanabara as regatas da vela olímpica. E os países que passaram anos investindo para conhecer melhor o espaço, é claro, são contrários a isso.

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